sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Aristóteles, "O mestre dos que sabem"


10/05/2010
O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES

"Mestre dos que sabem", assim se lhe refere Dante na Divina Comédia. Com Platão, Aristóteles criou o núcleo propulsionador de toda a filosofia posterior. Mais realista do que o seu professor, Aristóteles percorre todos os caminhos do saber: da biologia à metafísica, da psicologia à retórica, da lógica à política, da ética à poesia. Impossível resumir a fecundidade do seu pensamento em todas as áreas. Apenas algumas ideias. A obra Aristotélica só se integra na cultura filosófica europeia da Idade Média, através dos árabes, no século XIII, quando é conhecida a versão (orientalizada) de Averróis, o seu mais importante comentarista. Depois, S. Tomás de Aquino vai incorporar muitos passos das suas teses no pensamento cristão.
A teoria das causas. O conhecimento é o conhecimento das causas - a causa material (aquilo de que uma coisa é feita), a causa formal (aquilo que faz com que uma coisa seja o que é), a causa eficiente (a que transforma a matéria) e a causa final (o objectivo com que a coisa é feita). Todas pressupõem uma causa primeira, uma causa não causada, o motor imóvel do cosmos, a divindade, que é a realidade suprema, a substância plena que determina o movimento e a unidade do universo. Mas para Aristóteles a divindade não tem a faculdade da criação do mundo, este existe desde sempre. É a filosofia cristã que vai dar à divindade o poder da Criação.
Aristóteles opõe-se, frequentemente, a Platão e à sua teoria das Ideias. Para o estagirita não é possível pensar uma coisa sem lhe atribuir uma substância, uma quantidade, uma qualidade, uma actividade, uma passividade, uma posição no tempo e no espaço, etc. Há duas espécies de Ser: os verdadeiros, que subsistem por si e os acidentes. Quando se morre, a matéria fica; a forma, o que caracteriza as qualidades particulares das coisas, desaparece. Os objectos sensíveis são constituídos pelo princípio da perfeição (o acto), são enquanto são e pelo princípio da imperfeição (a potência), através do qual se lhes permite a aquisição de novas perfeições. O acto explica a unidade do ser, a potência, a multiplicidade e a mudança.
Aristóteles é o criador da biologia. A sua observação da natureza, sem dispor dos mais elementares meios de investigação (o microscópio, por exemplo), apesar de ter hoje um valor quase só histórico não deixa de ser extraordinária. O que mais o interessava era a natureza viva. A ele se deve a origem da linguagem técnica das ciências e o princípio da sua sistematização e organização. Tudo se move e existe em círculos concêntricos, tendente a um fim. Todas as coisas se separam em função do lugar próprio que ocupam, determinado pela natureza. Enquanto Platão age no plano das ideias, usando só a razão e mal reparando nas transformações da natureza, Aristóteles interessa-se por estas e pelos processos físicos. Não deixando de se apoiar na razão, o filho de Nicómaco usa também os sentidos. Para Platão a realidade é o que pensamos. Para Aristóteles é também o que percepcionamos ou sentimos. O que vemos na natureza - diz Platão - é o reflexo do que existe no mundo das ideias, ou seja, na alma dos homens. Aristóteles dirá: o que está na alma do homem é apenas o reflexo dos objectos da natureza, a razão está vazia enquanto não sentimos nada. Daí a diferença de estilos: Platão é poético, Aristóteles é pormenorizado, preferindo porém, o fragmento ao detalhe. Chegaram até nós 47 textos do fundador do Liceu, provavelmente inacabados por serem apontamentos para as lições. Um dos vectores fundamentais do pensamento de Aristóteles é a Lógica, assim chamada posteriormente (ele preferiu sempre a designação de Analítica). A Lógica é a arte de orientar o pensamento nas suas várias direcções para impedir o homem de cair no erro. O Organon ficará para sempre um modelo de instrumento científico ao serviço da reflexão. O Estado deve ser uma associação de seres iguais procurando uma existência feliz. O fim último do homem é a felicidade. Esta atinge-se quando o homem realiza, devidamente, as suas tarefas, o seu trabalho, na polis, a cidade. A vida da razão é a virtude. Uma pessoa virtuosa é a que possui a coragem (não a cobardia, não a audácia), a competência (a eficiência), a qualidade mental (a razão) e a nobreza moral (a ética). O verdadeiro homem virtuoso é o que dedica largo espaço à meditação. Mas nem o próprio sábio se pode dedicar, totalmente, à reflexão. O homem é um ser social. O que vive, isoladamente, sempre, ou é um Deus ou uma besta. A razão orienta o ser humano para que este evite o excesso ou o defeito (a coragem - não a cobardia ou a temeridade). O homem deve encontrar o meio-termo, o justo meio; deve viver usando, prudentemente, a riqueza; moderadamente os prazeres e conhecer, correctamente, o que deve temer.
Também na Poética, o contributo ordenador de Aristóteles será definitivo: ele estabelecerá as características e os fins da tragédia. Uma das suas leis sobre ela estender-se-á, por séculos, a todo o teatro: a regra das três unidades, acção, tempo e lugar.
Erros, incorrecções, falhas, terá cometido Aristóteles. Alguns são célebres. Na zoologia, por exemplo, considera que o homem tinha oito pares de costelas, não reconhece os ossos do crânio humano (três para o homem, um, circular, para a mulher), supõe que as artérias estão cheias de ar (como, aliás, supunham os médicos gregos), pensa que o homem tem um só pulmão. Não esqueçamos: Aristóteles classificou e descreveu cerca de quinhentas espécies animais, das quais cinquenta terá dissecado - mas nunca dissecou um ser humano.
A grandeza genial da sua obra não pode ser questionada por tão raros erros, frutos da época - mais de 2000 anos antes de nós.
FONTE:
HTTP://www.vidaslusofonas.pt/aristoteles.htm - Visita em 10/05/2010.




ESTUDO DIRIGIDO PARA PROVA

Aristóteles nasceu em Estagira na Macedônia em 384 a.C. Aos dezoito anos foi para Atenas, filiando-se à Academia de Platão, tendo aí permanecido por vinte anos. Aluno de Platão, nem por isso Aristóteles tornou-se seu discípulo. As diferenças entre ambos são muitas. A mais notável é que Platão subordina tudo à idéia, ao passo que Aristóteles privilegia o mundo concreto. Rejeitado o idealismo platônico, que separa as formas das coisas, ou seja, o mundo da inteligência separado do mundo das coisas sensíveis, Aristóteles sustenta a existência da realidade objetiva. O realismo aristotélico procura restabelecer essa coerência sem abandonar o mundo sensível: explora a experiência, e nela mesma insere o dualismo entre o inteligível e o sensível. Para ele, é a fonte de conhecimento, mostrando que as formas são a essência das coisas, que não há separação entre os objetos e as formas: estas são imanentes aos objetos. Para ele, as idéias não existem fora das coisas. Dependem da existência individual dos objetos. Só o individual é real. A filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão, mas parte da experiência. Ambos concordam em que a ciência, a filosofia tem como objetivo o universal e o necessário, pois não pode haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos sensivelmente. O objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência platônica. No sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular para o universal.
Sua filosofia desenvolveu-se em oposição à da Academia, criticando, sobretudo o dualismo dos platônicos que, segundo Aristóteles, estabelecia uma dicotomia insuperável entre a realidade material do mundo natural e a realidade abstrata do mundo das formas. Ao contrário do que dizia Platão, para Aristóteles o universal não existe na natureza, mas só no espírito, que o absorve através de um processo mental chamado abstração. A única realidade existente se constitui de coisas individuais. O geral é uma abstração, ou seja, um processo psicológico que consiste em isolar as características comuns a um dado conjunto de objetos.
A influência de Aristóteles na formação do pensamento ocidental foi imensa. O pensamento aristotélico e o platônico constituíram de fato as duas grandes vias de desenvolvimento da filosofia clássica, principalmente ao longo do período medieval, quando São Tomás de Aquino se inspira em Aristóteles para desenvolver seu sistema tomista, assim como Santo Agostinho havia se inspirado em Platão ao elaborar um platonismo cristão.
É difícil decidir por onde começar a descrição da metafísica de Aristóteles, mas talvez o melhor lugar seja a sua crítica da teoria das idéias e sua própria doutrina alternativa dos universais. Em termos gerais, pode ser descrita como um Platão diluído pelo senso comum. “Pelo termo universal refiro-me ao que é de tal natureza que constitui o predicado de muitos sujeitos, e por individual, o que não possui tal predicado”. Ou seja, o que se quer dizer com um nome próprio é uma substância, enquanto que o que é significado por um adjetivo ou nome de classe, como humano ou homem, é chamado de universal.
Em sua Metafísica I, seu objetivo é apresentar uma definição ampla de conhecimento e de seu processo de formação desde as sensações até o saber teórico, passando pela experiência, a técnica (arte) e os vários tipos de ciência. Examina as características desses diferentes tipos de conhecimento, definindo a filosofia como a ciência das causas primeiras. Descreve a Metafísica como sendo o estudo do “ser enquanto ser”, isto é, o estudo do ser em geral, independentemente do modo particular como as coisas são. Dito de outra forma, a Metafísica reúne 14 livros que tratam do ser no sentido mais amplo ou mais radical. A Metafísica se interessaria pelas primeiras causas e princípios de tudo o que existe. Duas questões se destacam na metafísica aristotélica: o da unidade do ser e da existência de essências separadas. Muitos dos conceitos metafísicos ainda hoje utilizados foram introduzidos por ele. Em Ética a Nicômano, Aristóteles argumenta, entre outras coisas, a favor da idéia de que as virtudes morais, como a generosidade e a honestidade, não são inatas. Só o hábito de evitar excessos de qualquer tipo nos pode tornar pessoas virtuosas. Por isso, a virtude adquire-se com a prática.
É interessante contrastar a concepção de conhecimento de Aristóteles nesse texto com a de Platão na “Alegoria da Caverna”: enquanto Platão apresenta em sua visão dialética o conhecimento como resultado de um longo e penoso processo de conversão da alma que se afasta do mundo sensível em direção à visão do sol, Aristóteles caracteriza esse processo de forma muito mais linear e cumulativa, desde as impressões sensíveis até o pensamento abstrato. Para ele, as inúmeras lembranças da mesma coisa produzem finalmente o efeito de uma experiência única. A arte se produz quando, a partir de muitas noções de experiência, se forma um único juízo universal a respeito dos objetos semelhantes. A experiência é conhecimento de coisas particulares, ao passo que a arte trata de universais. Para ele, os sentidos são nossas principais fontes de conhecimento sobre as coisas particulares, mas não nos dizem a razão de nada, como por exemplo, por que o fogo é quente, mas apenas que ele é quente.
Segundo Aristóteles, geralmente se supõe que o que chamamos Sabedoria diz respeito às causas e princípios primeiros, de modo que o homem de experiência é considerado mais sábio do que os meros possuidores de uma faculdade sensível qualquer. Sabedoria é o conhecimento de certas causas e princípios.
Há, diz Aristóteles, três espécies de substancias: as sensíveis e perecíveis (plantas e animais), as sensíveis, mas não perecíveis (corpos celestes), e as que não são nem sensíveis nem perecíveis (alma racional do homem, e também Deus). Para ele, Deus é o pensamento puro, porque o pensamento é aquilo que é melhor. Tal qual Spinoza, afirma que, embora os homens devam amar a Deus, é impossível que Deus ame os homens.
A partir de sua concepção da existência real das coisas, Aristóteles estabeleceu quatro princípios ou causas que englobam tudo o que é necessário saber sobre um objeto. Assim, a realidade pode ser explicada mediante quatro causas: material, formal, eficiente e final. As duas primeiras são intrínsecas ao ser; as duas últimas são extrínsecas.
Segundo Aristóteles, tudo o que existe, na realidade e no pensamento, pode ser classificadas em dez categorias, também chamadas gêneros ou predicados. Vejamos alguns exemplos:
1) Substância ou essência: homem, cavalo;
2) Quantidade: grande, dois metros;
3) Qualidade: branco, educado;
4) Relação: triplo, maior;
5) Ato ou ação: comer, nadar;
6) Paixão: cortado, queimado;
7) Lugar: no teatro, na aula;
8) Tempo: ontem, hoje;
9) Posição: sentado, deitado;
10) Hábito: armado, calçado.
Para Aristóteles, o ser se apresenta sob duas formas básicas: a substância e os acidentes. Cada indivíduo é constituído de algo permanente e estável (a substância) e por atributos que se lhe agregam, determinando-os (os acidentes). Substância e acidentes constituem as citadas dez categorias aristotélicas. A substância é o que existe por si, o elemento estável das coisas, e o acidente, o que só em outro pode existir, como determinação secundária e cambiante, que se move.
Aristóteles não nega o vir-a-ser de Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os em uma síntese conclusiva, já iniciada pelos últimos pré-socráticos e grandemente aperfeiçoada por Demócrito e Platão. Segundo Aristóteles, a mudança, que é intuitiva, pressupõe uma realidade imutável. O primeiro elemento é chamado matéria prima), o segundo forma (substância). O primeiro é potência, possibilidade de assumir várias formas, imperfeição; o segundo é atualidade – realizadora, especificadora da matéria -, perfeição. A síntese da matéria e da forma constitui a substância, e esta, por sua vez, é o substrato imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A matéria sem forma, a pura matéria, chamada matéria-prima, é um mero possível, não existe por si, é um absolutamente interminado.
Diversamente da idéia platônica, a forma aristotélica não é separada da matéria, e sim imanente e operante nela. Ou seja, as formas aristotélicas são universais, imutáveis, eternas, como as idéias platônicas. Os elementos constitutivos da realidade são, portanto, a forma e a matéria. Surge daí a necessidade de um terceiro princípio, a causa eficiente, para poder explicar a realidade efetiva das coisas. A causa eficiente, por sua vez, deve operar para um fim, que é precisamente a síntese da forma e da matéria, produzindo esta síntese o indivíduo. Daí uma quarta causa, a causa final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria mediante a forma.
É mediante a doutrina da matéria e da forma que Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade efetiva do mundo, que é precisamente síntese da matéria e da forma. O indivíduo é, portanto, potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Através desta doutrina é explicado o problema do universal e do particular.
Da relação entre a potência e o ato, entra a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a que é submetido tudo o que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível.
Aristóteles elaborou a teoria do ato e da potência para explicar a questão da mudança dos seres. Para ele, o ato é a perfeição e a potencia é a capacidade de perfeição. Ou seja, toda mudança significa a passagem da potencia para o ato, do que resulta o movimento. Passar do ato à potência é mover-se, tornar-se o que se pode ser e ainda não se é. Todos os seres são compostos de potencia e ato. Apenas um ser não é composto de potência e ato, pois é ato puro, é eterno, independente de tudo, perfeição infinita: Deus. Deus é pensamento de pensamento.
A doutrina da potencia e do ato é fundamental na metafísica aristotélica. Potência significa possibilidade, capacidade de ser, não-ser atual. Ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da potencia ao ato. Esta doutrina fundamental da potencia e do ato é aplicada e desenvolvida por Aristóteles especialmente quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a potencia e o ato no mundo, na natureza em que vivemos.
Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda e a terceira todo o ser em que está presente a matéria.
Finalizando, prestemos atenção ao seguinte diálogo:
“- Temos de expulsar Aristóteles de nós.
- Mas eu nem sequer o li, por que razão tenho de expulsá-lo de mim?”
- A prova de seu domínio sobre o homem ocidental é que ele domina o pensamento de gente que nunca ouviu falar a seu respeito.”
Trecho extraído de uma obra literária holandesa, e expressa, de forma magnífica, a extraordinária influencia do pensamento aristotélico sobre toda a cultura ocidental, influencia que perdura há mais de dois milênios.

Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica:
a) Potência e ato – Aristóteles elaborou a teoria da potência e do ato para explicar a questão da mudança dos seres. Para ele, o ato é a perfeição e a potência é a capacidade de perfeição. Ou seja, toda mudança pressupõe a passagem da potência ao ato, do que resulta o movimento. Passar do ato à potência é mover-se, tornar-se o que se pode ser e ainda não se é. Todos os seres são compostos de potência e ato. Apenas um ser não é composto de potência e ato, pois é ato puro, é eterno, independentemente de tudo, perfeição infinita: Deus. Deus é pensamento de pensamento. A doutrina de potência e do ato é fundamental na metafísica aristotélica, na qual potência é possibilidade, capacidade de ser. Ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da potência ao ato. Esta doutrina fundamental é aplicada e desenvolvida por Aristóteles, especialmente quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a potência e o ato no mundo, na natureza em que vivemos.
b) Matéria e forma – Rejeitado o idealismo platônico, que separa as formas das coisas, Aristóteles sustenta a existência da realidade objetiva, explorando a experiência. As formas são a essência das coisas, não há separação entre os objetos e as formas. As idéias não existem fora das coisas. Dependem da existência individual dos objetos. Só o individual é real. A partir de sua concepção de existência real das coisas, Aristóteles estabeleceu quatro princípios ou causas que englobam tudo o que é necessário saber sobre um objeto. Assim, a realidade pode ser explicada mediante quatro causas: material, formal, eficiente e final. As duas primeiras são intrínsecas ao ser; as duas últimas são extrínsecas. Para ele, o ser se apresenta sob duas formas básicas: a substância e os acidentes. Cada indivíduo é constituído de algo permanente e estável (substância) e por atributos que os determinam (acidentes). Substância e acidentes constituem as dez categorias aristotélicas (substância, quantidade, qualidade, relação, ato ou ação, paixão, lugar, tempo, posição e hábito). Segundo Aristóteles, a mudança pressupõe uma realidade imutável. O primeiro elemento é chamado matéria (prima), o segundo forma (substância). O primeiro é potência, o segundo, atualidade, perfeição. A síntese da matéria e da forma constitui a substância, e esta, é o substrato imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A matéria sem forma é um mero possível, não existe por si é um absolutamente inacabado.
c) Universais e particulares – para Aristóteles, as idéias não existem fora das coisas. Dependem da existência individual dos objetos. Só o individual é real. A filosofia de Aristóteles é dedução do particular para o universal. Ao contrário do que dizia Platão, o universal não existe na natureza, mas só no espírito, que o absorve através de um processo mental chamado abstração. A única realidade existente se constitui de coisas individuais. O geral é uma abstração. Talvez o melhor ponto para começar a entender a metafísica de Aristóteles seja o que critica a teoria das idéias de Platão a sua própria teoria dos universais. “Pelo termo universal refiro-me ao que é de tal natureza que constitui o predicado de muitos sujeitos, e por individual o que não possui tal predicado. Ou seja, o que se quer dizer com um nome próprio é uma substância, enquanto que o que é significado por um adjetivo ou nome de classe, como humano ou homem, é chamado de universal. A arte (técnica) se produz quando, a partir de muitas noções de experiências, se forma um único juízo universal a respeito dos objetos semelhantes. A experiência é conhecimento das coisas particulares, ao passo que a arte trata dos universais. Para ele, os sentidos são nossas principais fontes de conhecimento sobre as coisas particulares, mas não nos dizem a razão de nada, como por exemplo, por que o fogo é quente, mas apenas que ele é quente”.
d) Movido e motor – É mediante a doutrina de matéria e forma que Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade efetiva do mundo, que é precisamente síntese da matéria e da forma. O indivíduo é, portanto, potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Através desta doutrina é explicado o problema do universal e do particular. E, da relação entre a potência e ato, entre a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o via-a-ser, a que é submetido tudo o que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível.

AS CAUSAS PRIMEIRAS DA EXISTÊNCIA

• A Metafísica de Aristóteles investiga os mais profundos sentidos e propósitos do ser.
• A existência dos seres sempre despontou como um dos grandes mistérios da humanidade. “Por que existe algo em vez de o nada? O que faz com que se formem as estrelas, a árvore, o homem? Qual é, enfim, a essência do ser?” São perguntas que continuam a desafiar a mente dos filósofos, físicos e biólogos.
• A Metafísica – “as coisas além da física” – não foi organizada por Aristóteles como obra unitária. Na realidade, ela está dividida em 14 livros, escritos em diferentes épocas, que, no entanto conservam uma “unidade especulativa de fundo”, segundo Reale.
• O livro I – ou livro Alfa pode ser considerado uma introdução à obra. Nele, Aristóteles afirma que a Metafísica – “a mais elevada das formas de saber humano” – consiste no conhecimento das “causas e princípios primeiros”, que condicionam o ser: a causa formal, a causa material, a causa eficiente e a causa final. As duas primeiras se referem à forma e à matéria, que estruturam todas as coisas sensíveis.
• A causa eficiente é aquilo de que provém a mudança e o movimento das coisas. Já a causa final diz respeito ao propósito, à finalidade dos seres. “Além de todas essas causas, existe aquele que ‘acima de todos os seres move todas as coisas’, vale dizer, o Movente Imóvel ou Deus, que age como causa final ou como causa motora-final”.
• Aristóteles compõe, ainda no livro I, uma espécie de história da filosofia, reproduzindo as idéias sobre o ser defendidas pelos pensadores dos séculos anteriores, como Empédocles, Anaxágoras e Demócrito. Um amplo espaço é dedicado à filosofia de Platão, de quem Aristóteles havia sido discípulo.
• Todos os filósofos anteriores a Aristóteles não falaram senão das quatro causas citadas pelo autor da Metafísica, embora de maneira imperfeita e confusa.
• Aristóteles distingue quatro formas de significado do ser – “por acidente”, “por si mesmo”, “como verdadeiro e como falso” e “em potência e ato”.
• Entre essas quatro grandes distinções, Aristóteles desconsidera o ser “por acidente” – que se refere apenas a um atributo da coisa, como quando se diz “Sócrates é músico”, mas não a coisa em si – e o ser “como verdadeiro e como falso”, que revela somente a veracidade ou não do objeto.
• O mais profundo sentido do ser, diz Aristóteles, reside nos dois outros tipos de significado – o ser “por si mesmo” e “em potência ou em ato”.
• Conhece-se o ser “por si mesmo” através de dez “categorias”, entre elas as categorias “substância”, “qualidade”, “quantidade” e “ação”, por exemplo. Dessas, a mais importante é a primeira. Substância – que traduz a palavra grega ousia – é o fundamento primeiro das coisas, de que todo o mais decorre.
• Diz com insistência que nenhuma das outras categorias existe por si e ‘separadamente’ da substância e que só a substância é ‘separada’, isto é, autônoma, independente das outras.
• A pergunta radical sobre o sentido do ser deve centrar-se sobre a substância. Que é, então, a substância? Eis o problema que na Metafísica de Aristóteles se põe como ponto focal, sm sentido global, para todos os efeitos.
• Substância parece se confundir com matéria, mas não só. Ambas se distinguem porque, enquanto a substância possui determinações – o que a faz ser uma coisa e não outra -, a matéria é desprovida delas. Matéria sem substância não passa de um ser sem significado, sem determinações. Pode-se dizer que substância possui matéria, mas não somente ela. É preciso algo mais para dar conta desse conceito. Esse algo é a forma.
• A forma pode ser entendida como a substância desprovida de matéria. É ela que faz da substância aquilo que ela é e dá à matéria as suas determinações. Matéria e forma são separadas apenas no pensamento. Na realidade do mundo, estão sempre unidas. É inconcebível, para Aristóteles, haver matéria sem forma e vice-versa.
• Enfim, substância é um composto de forma e matéria. Graças a esse composto é que se pode conceber o ser “em potência ou em ato”. “Em potência” se refere à matéria indeterminada, pronta a ser passivamente determinada pela forma. “Em ato” significa a ação da forma sobre a ateria. Como ocorre quando se constrói uma casa, exemplifica Aristóteles: os tijolos e pedras representam a casa “em potencial”, a matéria, que passam a ser uma casa quando sofrem a ação da forma.
• O gênero humano vive também da arte e de raciocínios. Nos homens, a experiência deriva da memória. De fato, muitas recordações do mesmo objeto chegam a constituir uma experiência única. A experiência parece um pouco semelhante à ciência e a arte. Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experiência.
• A experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais.
• Se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal, mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indivíduo particular.”“.

Lógica Aristotélica


ESTUDO DIRIGIDO
Silogismo
Definição: do grego antigo; Significa “conexão de idéias”, “raciocínio”. É um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das primeiras duas, chamadas premissas, é possível deduzir uma conclusão. A teoria do silogismo foi exposta por Aristóteles em Analíticos Anteriores.
A palavra “silogismo” tem dois significados diferentes. Por um lado, aplica-se a qualquer tipo de argumento dedutivo. Quando Aristóteles introduziu a palavra grega correspondente, tanto a usava deste modo genérico, para falar de qualquer tipo de argumento dedutivo, como a usava para falar especificamente de argumentos com uma certa configuração. Com o tempo, contudo, a palavra passou a ser usada apenas neste segundo sentido mais específico. Um silogismo é um tipo especial de argumento dedutivo, que usa apenas as proposições de tipo A, E, I e O, e que tem uma determinada configuração.
Além de ter duas premissas e unicamente proposições do tipo A, E, I ou O, um argumento tem de obedecer à seguinte configuração para ser um silogismo:
Premissa Menor Termo Menor Termo Médio
Premissa Maior Termo Maior Termo Médio
Conclusão Termo Menor Termo Maior
Obs: num silogismo, as premissas são um ou dois juízos que precedem a conclusão e dos quais ela decorre como conseqüente necessário dos antecedentes, dos quais se infere a conseqüência. Nas premissas, o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor (sujeito da conclusão) são comparados com o termo médio, e assim temos a premissa maior e a premissa menor segundo a extensão de seus termos.
Um silogismo é um argumento com duas premissas e uma conclusão, que contém unicamente proposições do tipo A, E, I ou O e que contém unicamente três termos:
1. O termo menor, que é o sujeito da conclusão e que se repete numa das premissas e só numa;
2. O termo maior, que é diferente do termo menor e é o predicado da conclusão, repete-se na outra premissa e só nela;
3. Um só termo médio, que ocorre nas duas premissas e só nela.
Resumo: O termo menor é por definição o termo sujeito da conclusão e tem de ser diferente do termo maior. Por sua vez, a premissa menor é por definição a única premissa que contém o termo menor – seja como termo sujeito, seja como termo predicado.
O termo maior é por definição o termo predicado da conclusão. Por sua vez, a premissa maior é por definição a única premissa que contém o termo maior –seja como termo sujeito, seja com termo predicado.
A ordem das premissas é logicamente irrelevante, mas era até há pouco tempo habitual colocar em primeiro lugar a premissa maior. Esta opção tem a desvantagem de tornar a validade dos silogismos menos óbvia. A premissa menor é sempre a premissa onde ocorre o termo que na conclusão é o termo sujeito, independentemente de ser a primeira ou a segunda premissa. O termo menor é sempre o termo sujeito da conclusão, e o termo maior é sempre o termo predicado da conclusão.
Exemplo clássico:
Todo homem é mortal (premissa maior, na qual homem é o sujeito lógico, e fica atrás da cópula; é representa a cópula, isto é, o verbo que exprime a relação entre sujeito e predicado; mortal é o predicado lógico, e fica após a cópula);
Sócrates é homem (premissa menor)
Logo, Sócrates é mortal (conclusão).

Onde:
Sócrates – termo menor, sujeito da conclusão;
Homem – termo médio, repete-se nas duas premissas;
Mortal – termo maior, predicado da conclusão.

QUADRADO LÓGICO OU QUADRADO DOS OPOSTOS:
Diagrama que ilustra as diversas relações lógicas entre as quatro formas lógicas da lógica aristotélica
Assim, entre as formas lógicas A e I, por um lado, e E e O, por outro, há uma relação de subalternidade: A implica I, e E implica O. Esta relação é falsa, a menos que se excluam classes vazias; mas sem ela a lógica aristotélica cai por terra. De modo que é necessário excluir todas as proposições que falsificam a relação de subalternidade. Para isso, exclui-se todas as proposições que se refiram a classes vazias (classes como "lobisomens", que não têm elementos). Com base na mesma exclusão de classes vazias é possível afirmar que as formas A e E são contrárias, isto é, que não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas. Ainda com base na mesma exclusão é possível afirmar que as formas I e O são subcontrárias, isto é, que não podem ser ambas falsas, mas podem ser ambas verdadeiras. A única relação do quadrado que não depende da exclusão de classes vazias é a de contraditoriedade ou negação, que existe entre A e O, por um lado, e entre E e I, por outro. Isto significa que A e O têm sempre valores de verdade opostos: se A for verdadeira, O será falsa e vice-versa; se E for verdadeira, I será falsa, e vice-versa. O diagrama é ainda hoje útil para ilustrar a negação carreta de proposições universais.
Obs: A tábua das oposições, também chamado quadrado lógico ou quadrado dos opostos, tem origem obscura, mas geralmente se aceita que Boécio lhe deu a forma final. Trata-se de um artifício didático que indica as relações lógicas fundamentais.

Assim, temos o seguinte esquema de premissas:
A - UNIVERSAL AFIRMATIVA (Todo homem é mortal)
E – UNIVERSAL NEGATIVA (Nenhum homem é mortal)
I – PARTICULAR AFIRMATIVA (Algum homem é mortal)
O - PARTICULAR NEGATIVA (Algum homem não é mortal).

LEI DE OPOSIÇÃO
As leis de oposição regem as relações entre as premissas.
Contraditoriedade: se um modo é verdadeiro, o outro é falso;
Contrariedade: ocorre apenas nos modos A e E. As premissas contrárias enrtre si não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, mas podem ser falsas ao mesmo tempo. Pois, se assim forem, a particular afirmativa será falsa por ser a contraditória da universal negativa e verdadeira, por ser a conversão da universal afirmativa.
Subcontrariedade: as premissas não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Pois se assim forem, as contrárias de quem elas são contraditórias serão simultaneamente verdadeiras, o que é um absurdo.
FIGURAS E MODOS DO SILOGISMO
Um raciocínio dedutivo é composto por proposições. As proposições, por sua vez, são compostas por termos. A maneira pela qual as proposições estão dispostas é chamada de modo do silogismo. A posição que o termo médio assume no argumento (sujeito ou predicado), origina a figura do silogismo.
Existem quatro espécies de proposições: A, E, I O. Entre estas proposições, é possível 64 combinações na estrutura do silogismo. Deste total, apenas 19 combinações são válidas, sendo que as demais violam uma ou mais regras do silogismo. Estas 19 combinações distribuem-se nas quatro figuras do silogismo.
UNIVERSAIS AFIRMATIVAS
Tipo: A
Classificação: Universal afirmativa
Forma lógica: Todos A são B
Expressão canônica: Todos os seres humanos são mortais.
Expressões equivalentes:
• Todo ser humano é mortal
• Os seres humanos são mortais
• O ser humano é mortal
• Só há seres humanos mortais
• Não há seres humanos que não sejam mortais
• Quem é ser humano é mortal
• Se um ser é homem, é mortal
• Qualquer ser humano é mortal.
UNIVERSAIS NEGATIVAS
Tipo: E
Classificação: Universal negativa
Forma lógica: Nenhum A é B
Expressão canônica: Nenhuns seres humanos são quadrúpedes.
Expressões equivalentes:
• Nenhum ser humano é quadrúpede
• Todos os seres humanos são não quadrúpedes
• O ser humano não é quadrúpede
• Só há seres humanos não quadrúpedes
• Não há seres humanos quadrúpedes
• Que é ser humano não é quadrúpede
• Se um ser é humano, não é quadrúpede.
PARTICULARES AFIRMATIVAS
Tipo: I
Classificação: Particular Afirmativa
Forma lógica: Alguns A são B
Expressão canônica: Alguns seres humanos são simpáticos.
Expressões equivalentes:
• Há seres humanos simpáticos
• Existem seres humanos simpáticos
• Há seres que são humanos e simpáticos
• Pelo menos um ser humano é simpático.
PARTICULARES NEGATIVAS:
Tipo: O
Classificação: Particular negativa
Forma lógica: Alguns A não são B
Expressão canônica: Alguns seres humanos não são simpáticos
Expressões equivalentes:
• Há seres humanos que não são simpáticos
• Existem seres humanos que não são simpáticos
• Nem todos os seres humanos são simpáticos
• Há seres que são humanos e não são simpáticos
• Pelo menos um ser humano não é simpático.
FIGURAS E MODOS DO SILOGISMO
FIGURA 1 – SU-PRE FIGURA 2 – PRE-PRE FIGURA 3 – SU-SU FIGURA 4 – PRE-SU
BAR-BA-RA (AAA) CES-A-RE (EAE) DA-RAP-TI (AAI) BAM-A-LIP (AAI)
CE-LA-RENT (EAE) CAM-ES-TRES (AEE) FE-LAP-TON (EAO) CA-LEM-ES (AEE)
DA-RI-I(AII) FES-TI-NO (EIO) DIS-AM-IS (IAI) DIM-A-TIS (IAI)
FE-RI-O (EIO) BAR-OC-O (AOO) BOC-AR-DO (OAO) FES-AP-O (EAO)
DA-TIS-I (AII) FRES-IS-ON (EIO)

PRIMEIRA FIGURA
A primeira figura não muda, por ser perfeita. Aqui, o termo médio ocupa a posição de sujeito na premissa maior e predicado na premissa menor (Su-pre).
Nota Importante: TERMO MÉDIO é o termo que se repete nas duas premissas, mas não aparece na conclusão.
Exemplo 1:
Todo metal é corpo (BAR)
Todo chumbo é metal (BA)
Todo chumbo é corpo (RA)

Exemplo 2:

Todos os historiadores medievais são eruditos (DA)
Pedro Abelardo é historiador medieval (RI)
Pedro Abelardo é erudito (I).

Nota: Na figura 1, os modos legítimos são: BAR-BA-RA (AAA); CE-LA-RENT (EAE); DA-RI-I (AII); FE-RI-O (EIO). Essas denominações mnemônicas foram dadas pelo filósofo medieval do século XII, Pedro Abelardo.
SEGUNDA FIGURA
Na segunda figura, o termo médio ocupa a posição de predicado em ambas as premissas (Pre-Pre).
Exemplo 1:
Se todo círculo é redondo (CAM)
E se nenhum triângulo é redondo (ES)
Então, nenhum triângulo é círculo (TRES)

Conversão mediante transposição de premissas e mais conversão simples...

Pois, se nenhum redondo é triângulo (CE)
Esse todo círculo é redondo (LA)
Então, nenhum círculo é triângulo (RENT).
(Mas, nenhum triângulo é redondo)

Logo, nenhum triângulo é círculo.

Exemplo 2:

Se todo papa é santo (BAR)
E se algum clérigo não é santo (OC)
Então, algum clérigo não é papa (O)

Conversão para BAR-BA-RA...

Pois, se todo papa é santo (BAR)
E se todo clérigo é papa (BA)
Então, todo clérigo é santo (RA)
(Mas, se algum clérigo não é santo)
Logo, algum clérigo não é papa.

Nota: Na figura 2, os modos legítimos são: CES-A-RE (EAE); CAM-ES-TRES (AEE); FES-TI-NO (EIO); BAR-OC-O (AOO).
TERCEIRA FIGURA
Na terceira figura, o termo médio ocupa a posição de sujeito nas duas premissas (Su-Su).
Exemplo 1:
Se nenhum mamífero é pássaro (FE)
E se algum mamífero é voador (RIS)
Então, algum voador não é pássaro (ON)

Conversão simples na segunda premissa

Pois, se nenhum mamífero é pássaro (FE)
E se algum voador é mamífero (RI)
Então, algum voador não é pássaro (O)



Exemplo 2:
Se todo ditador é déspota (DA).
E se algum ditador é tirano (TIS).
Então, algum tirano é déspota (I).

Conversão simples na segunda premissa...

Pois, se todo ditador é déspota (DA)
E se algum tirano é ditador (RI)
Então, algum tirano é déspota (I)

Nota: Na figura 3, os modos legítimos são: DA-RAP-TI (AAI); FE-LAP-TON (EAO); DIS-AM-IS (IAI); BOC-AR-DO (OAO); DA-TIS-I (AII); FE-RIS-ON (EIO).
QUARTA FIGURA
Na figura 4, o termo médio ocupa a posição de predicado na premissa maior e de sujeito na premissa menor (Pre-Su).
Exemplo 1:
Se todo ditador é déspota (BAM)
E se todo déspota é tirano (A)
Então, algum tirano é ditador(LIP)

Conversão para a primeira figura, com transposição de premissa...

Pois, se todo déspota é tirano (BAR)
E se todo ditador é déspota (BA)
Então, todo ditador é tirano (RA)

Nota: Na figura 4, os modos legítimos são: BAM-A-LIP (AAI); CA-LEM-ES (AEE); DIM-A-TIS (IAI); FES-AP-O (EAO); FRES-IS-ON (EIO).
REDUÇÃO DOS MODOS
Todos os modos imperfeitos do silogismo, isto é, a segunda, terceira e quarta figuras, devem ser transformadas em modos perfeitos da primeira figura, pois não respeitam a hierarquia dos termos. As palavras mnemônicas auxiliam na redução. Se as vogais indicam os modos, a quantidade e a qualidade das premissas, as consoantes S, P, M e C indicam a maneira pela qual a redução será feita. As consoantes iniciais indicam o modo da primeira figura.
Para isso, existem quatro possibilidades.
(S) Conversão direta: troca-se o sujeito pelo predicado e vice-versa. Por exemplo:
Todo mortal é homem → Todo homem é mortal.
(P) Conversão acidental: a premissa tem seu sujeito e predicado trocados entre si. Por exemplo:
Todo homem é mortal → Algum mortal é homem.
(M) Transposição de premissas: se uma premissa for maior, passa a ser menor e vice-versa.
(C) Redução por absurdo: da conclusão deste silogismo, elaboramos sua contraditória e substituímos a premissa assinalada com a consoante C, e concluímos novamente.
REGRAS DO SILOGISMO
Para que um silogismo seja válido, sua estrutura deve respeitar regras. Tais regras, em número de oito, permitem verificar a correção ou incorreção do silogismo. As quatro primeiras regras são relativas aos termos e as quatro últimas são relativas às premissas. São elas:
1. Todo silogismo contém somente três termos: maior, médio e menor. O termo maior é sempre predicado da conclusão e o termo menor é sempre o sujeito da conclusão.
2. Os termos da conclusão não podem ter extensão maior que os termos das premissas.
3. O termo médio não pode entrar na conclusão.
4. O termo médio deve ser universal ao menos uma vez. É preciso ao menos uma universal para se obter uma conclusão.
5. De duas premissas negativas, nada se conclui.
6. De duas premissas afirmativas não pode haver conclusão negativa. É preciso pelo menos uma afirmativa para se ter uma conclusão.
7. A conclusão segue sempre a premissa mais fraca. A particular é mais fraca que a universal. E a negação é mais fraca que a afirmação.
8. De duas premissas particulares, nada se conclui.

Teoria do Conhecimento

PERSPECTIVA STANDARD - Feldman
Introdução
Antes de iniciar o relatório propriamente dito acerca do primeiro bloco, é importante tecer alguns comentários sobre Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento. Esta pode ser definida como a investigação acerca do conhecimento verdadeiro. Pode-se acrescentar que é uma reflexão filosófica com o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos e a extensão e valor do conhecimento. Por estas razões, pode ser considerada como uma disciplina de importância fundamental para a filosofia.
Para haver conhecimento, é necessário que haja uma relação entre dois elementos básicos: por um lado, um sujeito conhecedor e por outro lado um objeto conhecido. Somente haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, ou seja, representá-lo mentalmente. Podemos concluir, então, que o conhecimento faz parte de uma argumentação filosófica na construção do saber.
Sabe-se que a Teoria do Conhecimento trata de problemas tais como “o que é o conhecimento?”, “o que podemos conhecer?”, “qual é a origem do conhecimento?”, “como justificamos as nossas crenças?”. Todas estas indagações envolvem uma porção de conceitos relacionados entre si, quais sejam “conhecer”, “perceber”, “prova”, “crença”, “justificação”, entre outras. A palavra Conhecimento deriva do grego epistemê, que significa conhecimento, contrapondo-se com o termo doxa, que se traduz por opinião. Já aqui, deparamo-nos com um primeiro grande problema, ou seja, como se alcança o conhecimento, e ao mesmo tempo se evita uma simples opinião. Platão, em sua Teoria das Idéias, estabelecia que somente fora da esfera das impressões sensíveis é que somos levados ao entendimento das idéias perfeitas. Dito de outra forma, os objetos apreendidos pelos nossos sentidos são meras cópias imperfeitas (arquétipos), e que somente no plano das idéias é que reside a verdade, ou seja, pelo conhecimento sensível não podemos considerar que haja conhecimento. É justamente na alegoria da caverna que Platão deixa evidente sua teoria. Depois, seu discípulo Aristóteles vai contrapor-se à teoria das idéias do mestre, de quem se desvincula posteriormente, para partir para o desenvolvimento de sua própria teoria, teoria esta que ao invés do mundo das idéias privilegia o concreto.
A discussão acima acabou por dar origem a duas correntes epistemológicas antagônicas. De um lado, os empiristas ingleses (Locke, Hume e Berkeley), defendendo que o conhecimento origina-se da experiência sensível. Do outro lado, os racionalistas Descartes e Leibiniz, contrapondo-se aos empiristas, considerando que o conhecimento deve mostrar um caráter universal, necessário, e que não dependem da experiência. Kant surge neste campo de batalha, procurando determinar com exatidão como se constrói o conhecimento, concluindo que este depende tanto do que é apreendido pelos sentidos, como também das formas a priori do pensamento. Desta forma, Kant se opõe tanto ao empirismo como ao racionalismo.
CAPÍTULO I
Neste primeiro capítulo, o autor faz algumas alegações centrais da Perspectiva Standard, enfatizando o objetivo central do livro, que é levar ao público leitor uma compreensão mais racional do que mostra o senso comum sobre o Conhecimento.
Definindo Perspectiva Standard: trata-se de um conjunto de idéias comuns que nos permitem estabelecer um ponto de partida para um objetivo maior, que é a procura do conhecimento em si. O autor começa indagando o que nós conhecemos. Fornece uma lista contendo categorias e exemplos que nos dão uma idéia das coisas que podemos conhecer. Obviamente, trata-se de uma lista pequena, sujeita a alterações e/ou inclusões, e representa uma base para se começar uma investigação acerca do que seja conhecimento. De uma forma ou de outra, o autor diz que nós conhecemos uma grande variedade de coisas, as quais estão enquadradas nas categorias por ele expostas.
O ponto seguinte da discussão refere-se às fontes de conhecimento, começando pela memória. Outro tipo de fonte é o testemunho das pessoas. Três outras fontes o autor destaca: a visão (vale lembrar aqui que é a visão, para Aristóteles, o sentido que melhores condições oferece para a aquisição de conhecimento), a audição e os outros sentidos. Fala também da introspecção como fonte potencial de conhecimento, ou seja, mediante a reflexão pode-se chegar a níveis elevados de crescimento moral, intelectual e, conseqüentemente, de conhecimento. Era este o método adotado pelos antigos filósofos. Sócrates pode ser um exemplo maior.
Das fontes citadas, podemos inferir que em muitos casos nosso conhecimento surge de combinações entre elas, ou seja, a Perspectiva Standard sustenta que nós podemos adquirir conhecimento a partir dessas fontes, mesmo que de forma imperfeita.
A seguir, o autor vai discorrer sobre o desenvolvimento da Perspectiva Standard, começando com uma nova indagação: sob que condições uma pessoa sabe que alguma coisa é verdadeira? Ele mesmo responde, afirmando ser extremamente difícil se ter uma certeza absoluta, o que envolveria outras questões mais complexas, argumentando que de acordo com muitos filósofos, uma condição importante para se atingir o conhecimento seria uma crença racional justificada, ou seja, que houvesse uma aceitação universal, o que leva a uma questão subseqüente: sob que condições uma crença é justificada? Entretanto, as respostas a esta indagação, propõe o autor trabalhar mais adiante no texto. Da mesma forma, à questão: de que maneiras as questões epistemológicas afetam umas às outras, Feldman transfere para os capítulos finais do livro.
A partir deste ponto, o autor passa a tratar dos desafios à Perspectiva Standard. Começa por colocar como os principais desafios à perspectiva três correntes de pensamento, quais sejam: a) a perspectiva cética; b) a perspectiva naturalista; c) a perspectiva relativista. A perspectiva cética, defendida pela escola filosófica tradicional, é posta como um poderoso desafio. É uma corrente surgida após o platonismo, tendo dominado até a decadência do helenismo e o posterior crescimento do cristianismo. Em face de seu caráter tendente a um inevitável radicalismo, não se nos afigura como uma perspectiva aceitável, entretanto tem seu valor na medida em que busca o conhecimento mais razoável. A perspectiva cética nega total ou parcialmente a possibilidade de conhecimento. De acordo com o cético, encontramos sempre boas razões para duvidar mesmo de nossas crenças mais fortes. O cético, no tocante ao conhecimento sustenta que não podemos obter conhecimento. Afirma que não temos direito às nossas crenças, que nenhuma delas é bastante boa que possa ser justificada. Sexto Empírico e Michel de Montaigne foram os dois mais destacados defensores do ceticismo. Na Perspectiva naturalista, o teórico dessa corrente vai buscar ou se valer de argumentações científicas e não hipotéticas. O naturalista defende que a perspectiva Standard diz que podemos conhecer mais do que efetivamente conhecemos, ainda que em menor proporção do que a perspectiva cética nos faculta. Por fim, a perspectiva relativista, pelo seu caráter flexível, mostra-se como a mais aceitável, mais tolerante e, conseqüentemente, mais razoável. Os argumentos dos naturalistas podem ser utilizados pelos céticos, embora de forma diferenciada, própria, posto que para os teóricos dessa corrente duas afirmações podem ser igualmente razoáveis, mesmo que sejam antagônicos, divergentes. Em outras palavras, o autor coloca que a perspectiva relativista reduz a validade com contextos relativos.
CAPÍTULO II
Aqui, Feldman passa a fazer uma análise tradicional do conhecimento, começando por mostrar alguns tipos de conhecimento, ou seja, conhecer um indivíduo, saber quem ele é, saber se, saber quando, saber como, etc. Neste tópico da discussão, o autor conclui que todas as tentativas de explicar o conhecimento proposicional não se sustentam, argumentando que a conclusão mais razoável é a de que há pelo menos três tipos básicos de conhecimento: o conhecimento proposicional, o conhecimento por intimidade ou familiar e o conhecimento por habilidade. No caso do conhecimento por familiaridade, este seria adquirido pela prática, pelo esforço repetitivo, pelo exercício constante; no conhecimento por habilidade podemos citar o caso do músico que toca um instrumento “de ouvido”, aquele que não sabe sequer o que é uma clave de sol; no conhecimento proposicional, podemos imaginar a seguinte situação: uma pessoa que conhecemos. Podemos saber alguma coisa dela, mas não significa que sabemos tudo a respeito dessa pessoa. Em suma: se não existe o conhecimento total, e se ninguém conhece ninguém inteiramente, a que podemos reduzir especificamente o conhecimento em si? Partindo de tais premissas, sugere-se que todo conhecimento é parcial.
À medida que a discussão vai se aprofundando, notamos que o autor vai tornando cada vez mais o leitor consciente de sua conduta acerca de como proceder diante de informações para bem melhor utilizá-las na vida cotidiana. Neste ponto da leitura, Feldman coloca duas condições para que haja conhecimento. A primeira é a verdade, ou seja, todo conhecimento pressupõe a verdade; a segunda condição é a crença, ou seja, se você conhece alguma coisa, tem que acreditar nela ou aceitá-la. Entretanto, as coisas não são tão fáceis como podem parecer. Dito de outra forma, para que alguma coisa seja conhecimento, tem que ser crença sim, porém ainda não é condição suficiente. O autor cita alguns exemplos como predições corretas, o caso do planejador de piqueniques pessimista etc, mas ainda assim não são bases sólidas, boas, fortes. Para que haja conhecimento, além da crença e da verdade, faz-se necessária a sua justificação. Seriam, então, três as condições para que alguma coisa viesse a ser conhecimento: a crença, a verdade e a justificação.
Como vimos, a epistemologia concentra-se no problema da justificação, que se dá graus, da mesma forma que o nosso estatuto epistêmico, no caso o conhecimento, objeto do interesse natural por parte dos filósofos. Vimos, também, que as tentativas tradicionais de definir o conhecimento concentram-se, antes de tudo, em ver o conhecimento como uma fonte mais inteligente de crença, e a forma mais conhecida desta perspectiva é a definição tripartite, segundo a qual o conhecimento pressupõe crença simultaneamente justificada e verdadeira.
Podemos ilustrar a finalização deste bloco, com a definição do conhecimento a partir do Teeteto, o qual começa com a indagação: “O que é o conhecimento?”. Sócrates intermedeia o diálogo com vistas a permitir que o jovem matemático ofereça uma resposta. A primeira sugestão é a de que o conhecimento consiste em coisas como a geometria e a carpintaria, não sendo aceita pelo fato de que para que tal ocorresse, teria ele que definir geometria e carpintaria. A segunda proposta de Teeteto é a de que o conhecimento nasce da percepção, refutada por Sócrates, segundo o qual as sensações são diferentes de pessoa para pessoa, e apenas o que é verdadeiro pode ser conhecido. Ao fim da discussão, Teeteto modifica sua definição, tentando demonstrar que o conhecimento seja um juízo ou crença verdadeira e articulada. Neste ponto, Sócrates explora três formas distintas segundo as quais se poderia dizer que uma crença poderia ser articulada, ou justificada. A mais evidente é quando alguém tem uma crença, e que é capaz de exprimir por meio de palavras; a segunda maneira: ter uma crença justificada acerca de um objeto é ser capaz de mostrar uma análise dele. E por fim, uma pessoa tem uma crença justificada sobre um objeto se for capaz de produzir uma descrição, que só se aplique a esse objeto.
Por fim, Sócrates conclui que a terceira definição que Teeteto chega sobre o conhecimento não é melhor do que as duas primeiras. Obviamente, a discussão não se dá de forma tão simplificada como a acima exposta, mas serve para nos conscientizar de que todos os caminhos que possam levar ao conhecimento não são fáceis de ser trilhados.O diálogo termina sem uma resposta definitiva, todavia deixa a certeza de que avançou bastante na questão. A explicação que fornece acerca de percepção sensorial, modificada depois por Aristóteles, prevaleceria como paradigma até o fim da Idade Média.

BLOCO II
A ANÁLISE TRADICIONAL DO CONHECIMENTO
“E assim, quando as opiniões certas são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência, e, como ciência, permanecem estáveis”.
(Sócrates, em Mênon-Banquete-Fedro)
Dando prosseguimento ao relatório sobre a Perspectiva Standard, o autor vai tratar da Análise Tradicional do Conhecimento (ATC), procurando buscar uma primeira definição mais antiga e tradicional possível. É no diálogo Menon, de Platão, em que Feldman busca essa inspiração, mais precisamente no trecho “...quando as opiniões certas são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência, e, como ciência, permanecem estáveis”. Notar que o termo utilizado é estável, e não definitivo. É, obviamente, um conceito básico, mas que já traz em sua gênese a semente da idéia de conhecimento, que haveria de perdurar por séculos. Platão foi um dos primeiros filósofos a distinguir a mera crença do conhecimento. O Teeteto é um dos seus diálogos mais importantes. Apesar de Platão não ter proposto uma definição de conhecimento, é neste diálogo que se encontra aquilo que passou a ser conhecido como definição tradicional do conhecimento. Mesmo filósofos contemporâneos, como Roderick Crisholm, propuseram que “uma pessoa conhece uma proposição apenas no caso de acreditar nela” e de ser tal proposição evidente, termo este que nos remete à primeira regra de Descartes no Discurso do Método, para a base de seu edifício filosófico.
Neste ponto, o ator começa a expor um exame mais detalhado sobre os três elementos da ATC, quais sejam a crença, a verdade e a justificação. Com relação à crença, Feldmann defende que “crer em alguma coisa é aceitá-la como verdadeira”, sendo que mesmo assim, cada um de nós pode acreditar, deixar de acreditar ou mesmo não ter opinião sobre determinada crença. Quando descremos, estamos sujeitos a uma variedade correspondente de atitudes contrárias em relação ao enunciado em que se crer. Ou, para usar a expressão do autor: “a descrença inclui uma variedade correspondente de atitudes negativas em relação a uma proposição”. Já suspender um juízo sobre uma proposição é não crer nem descrer dela.
Aqui é colocado que existe uma maneira alternativa de se colocar as três questões enumeradas. Seria o caso de se admitir que as crenças seriam sentidas, digamos assim, em uma escala crescente de força. Assim, para cada circunstância haveria um grau de crença. Por exemplo, se cremos em alguma coisa com toda convicção possível, temos ao o mais elevado grau de crença possível; se cremos o mínimo possível em algo, temos o menor grau de crença, e, se ficamos num ponto intermediário, é o caso de suspensão de juízo, ou seja, nem cremos nem descremos. Conclui o autor: “a crença é fundamentalmente uma atitude que se toma em relação a proposições”. Por exemplo, seu eu digo que a água do mar é salgada, é porque realmente acredito nisso. A menos que, em esteja mentindo ou querendo enganar a mim mesmo.
Então, a primeira coisa que vimos é que o conhecimento é uma relação entre o sujeito do conhecimento, ou seja, aquele que conhece, e o objeto do conhecimento, que é o que é conhecido. Uma crença é também uma relação entre o sujeito que tem a crença e o objeto dessa crença. É bom que lembremos que por crença os filósofos não querem dizer unicamente a fé religiosa, mas sim qualquer tipo de convicção que uma pessoa possa ter. Vamos tentar fechar o segmento crença com a seguinte exposição: muitos filósofos defendem que todo conhecimento implica em uma crença. Dito de outra forma, quando sabemos alguma coisa, acreditamos nesse algo. Para entendermos melhor em que sentido a crença faz parte do conhecimento, imaginemos as duas frases: a) Eu sei que a Lua é o satélite natural da terra, mas não acredito nisso; b) Não acredito em lobisomens, mas eu sei que eles existem. Vemos claramente que as duas sentenças parecem contraditórias. É impossível saber algo sem acreditar no que se sabe. Assim, diz-se que a crença é uma condição necessária para o conhecimento: sem crença não pode haver conhecimento.
Portanto, a crença é uma condição necessária para o conhecimento, entretanto, não é uma condição suficiente para o conhecimento. E como a crença é uma condição necessária, mas não suficiente para o conhecimento, a crença e o conhecimento não são a mesma coisa. Logo, saber e acreditar são coisas diferentes. Por exemplo, se Pedro souber que a neve é branca, então ele acredita que a neve é branca. Mas será a crença uma condição suficiente para o conhecimento? Obviamente que não, pois as pessoas podem acreditar em coisas que não podem saber, principalmente inverdades. Assim, se a crença é uma condição necessária, mas não suficiente para o conhecimento, teremos que procurar outras condições necessárias que, em seu conjunto reúnam as condições suficientes para que alguma coisa seja considerada conhecimento.
O ponto seguinte da abordagem da ATC é a verdade. Mas, o que é de fato a verdade? Para o autor, a resposta simples e aceita advém da teoria da correspondência de verdade, segundo a qual “uma proposição é verdadeira se e somente se ela corresponde aos fatos”. Em contrapartida, uma proposição será falsa se ela fracassa e não corresponde aos fatos. Esta é, assim, a chamada Teoria da Correspondência (TC). Não podemos esquecer que há uma separação conceptual entre o que seja proposição e enunciado. Uma é diferente da outra. Por exemplo. Quando digo que o céu é azul, estou diante de uma proposição, mas se falo que o céu é azul porque existe uma série de fatores físicos e climáticos que fazem com que meus olhos vejam o espaço infinito em azul, estou fazendo um enunciado. Proposição, portanto, é o pensamento literalmente expresso por uma frase declarativa. Por exemplo, diferentes frases ou afirmações podem exprimir a mesma proposição: “Lisboa é uma cidade” e “Lisbon is a city”. Por outro lado, um enunciado vem a ser um termo utilizado corretamente com o significado de frase, ou mais especificamente, de frase declarativa com sentido, mas que na lógica e na filosofia significa antes aquilo que é expresso por intermédio de uma frase declarativa com sentido. Em resumo: uma proposição pode ser falsa ou verdadeira, mas tem que ter uma construção lógica. Um enunciado também, mas tem que ter valor de verdade. Feldmann nos diz que “toda proposição tem que ser necessariamente exata, ainda que a sentença não o seja”. O que se diz é uma sentença; o que se quer dizer é uma proposição.
Feldmann coloca que o que é verdadeiro “é dependente de um mundo objetivo que existe independentemente de nós”, o que não implica que nós não possamos saber como é este mundo objetivo. Ou seja, o nosso modo de ver o mundo limita-se apenas às coisas objetivas.
Feldman introduz a noção de “vagueza” ao citar o exemplo da altura de Michel, numa situação em que alguém, com a posse de algumas informações parciais terá que reconhecer Michel num aeroporto. Podemos abstrair sobre o conceito de altura entre humanos, estabelecendo uma graduação, mas tudo será de forma vaga, pois o que é “alto” para uns pode não ser para outros; o que é “estatura média” para fulano, pode ser “baixa” para beltrano, e assim por diante. Segue-se que uma afirmação é vaga quando dá origem a casos de fronteiras indecifráveis. Por exemplo, a frase “Sócrates era calvo” é vaga porque apesar de ser obviamente verdadeira caso Sócrates tenha zero cabelos, e falsa caso tenha muitos milhares deles, haverá casos intermediários em que não se sabe se a frase é verdadeira ou falsa. Sabemos que toda a linguagem é vaga, entretanto devemos tentar ser tão pouco vagos e tão preciso quanto nos for possível, particularmente quando tratarmos de filosofia.
Até aqui vimos que a crença é necessária para o conhecimento, mas não é suficiente. O conhecimento não pode ter falsidades. Entretanto, dizer que não se pode conhecer falsidades não é o mesmo que dizer que não se pode saber que algo é falso. São duas coisas completamente diferentes. Vejamos os exemplos: a) Maria sabe que é falso que o céu é verde: b) Maria sabe que o céu é verde. As duas sentenças são muito diferentes. A primeira não vai de encontro à factividade do conhecimento, mas no segundo caso vai de encontro visto que Maria não pode saber que o céu é verde, pois o céu não é verde. Portanto, sem verdade não pode haver conhecimento. Logo, a verdade é uma condição necessária ao conhecimento.
O que faz com que uma crença seja verdadeira ou falsa não é o grau da nossa convicção nessa crença. Por mais que estejamos convencidos de que, por exemplo, a Terra é redonda, o que faz essa crença ser verdadeira é que realmente a terra é redonda. Não é o grau da minha convicção. Vale reproduzir aqui um texto de Bertrand Russel, o qual explica bem esse aspecto da crença:
“A verdade ou falsidade de uma crença depende sempre de algo que está fora da própria crença. Se eu acredito que Carlos I morreu no cadafalso, acredito em verdade, não por causa de qualquer qualidade intrínseca da minha crença, que possa ser descoberta examinando apenas a crença, mas por causa de um acontecimento histórico que se deu há dois séculos e meio. Se eu acredito que Carlos I morreu na cama, acredito falsamente: nenhum grau de vivacidade da minha crença, ou cuidado na formação da crença, impede que seja falsa, uma vez mais por causa do que aconteceu há muito tempo, e não por causa de qualquer propriedade intrínseca da minha crença. Logo, apesar de a verdade e a falsidade serem propriedades das crenças, são propriedades que dependem das relações das crenças com outras coisas, e não de qualquer qualidade interna das crenças.”
Bertrand Russel, Os Problemas da Filosofia, 1912, trad. De Desidério Murcho, Cap. 12, 6.

Vimos até aqui que a crença verdadeira não é suficiente para o conhecimento. Lembremos de Platão, no diálogo Ménon, quando nos coloca o seguinte dilema: “Não compete a uma pessoa investigar o que sabe nem o que não sabe. Não investiga o que sabe, pois já o conhece. E para tal não há necessidade alguma de investigação. E também não investigaria o que não conhece, pois não sabe o que vai investigar”.
O terceiro elemento da ATC é a justificação, que para Feldmann é o foco de grande parte da obra em análise. Ele fala que a justificação ocorre em graus. Coloca, ainda, que podemos estar justificados em crer em alguma coisa sem, no entanto acreditar nessa coisa. Mostra que o que está justificado para uma pessoa pode mudar com o tempo. Chama a atenção para um ponto importante: não devemos confundir “estar justificado” em acreditar em alguma coisa com estar apto a mostrar que se está justificado em crer em tal proposição. É o que Feldman classifica como conhecimento aparente e conhecimento verdadeiro.
Até aqui vimos que o fato de alguém ter uma crença verdadeira não significa que tenha conhecimento. Mas para haver conhecimento, não basta termos uma crença verdadeira. A nossa crença tem de estar plenamente justificada. Portanto, é condição sine qua non para o conhecimento que a justificação é uma condição para o conhecimento. Com segurança podemos afirmar que ter justificação para acreditar em algo é ter bons motivos em favor da verdade dessa crença. Tomemos como exemplo a seguinte situação: alguém que acredite que o planeta Vênus é azul porque sonhou com isso, não pode ter justificação para acreditar nisso, entretanto, se essa pessoa acredita que Vênus é azul porque leu em algum livro, e não tem razões para duvidar da confiabilidade do livro, então essa pessoa tem uma justificação para crer que o planeta Vênus é azul. Portanto, uma crença está justificada quando há boas razões a favor de sua verdade.
Apesar de para uma crença estar justificada ser preciso haver boas razões em favor da sua verdade, não é necessário que a pessoa em causa saiba explicar com pormenores que razões são essas. Afinal, a maioria de nós tem justificação para acreditar que dois mais dois são quatro, sem procurar saber detalhes de somenos importância. Isso significa que a crença de um indivíduo pode estar justificada sem que, no entanto essa pessoa precise justificar pormenorizadamente. O que tem relevância é que a sua crença esteja justificada e não que a saiba justificar adequadamente. Portanto, uma crença está justificada quando há bons motivos em seu favor.
Ter justificação para acreditar em alguma coisa não garante a verdade dessa crença. Apenas demonstra que há boas razões em seu favor. Quando existem bons motivos em favor de uma determinada verdade de uma crença, é racional ter essa crença, mesmo que ela seja falsa. Se ter uma justificação para crer em algo não garante que essa crença seja verdadeira, então a crença justificada também não pode ser suficiente para o conhecimento. Segue-se que a crença justificada não é suficiente para o conhecimento. Vamos imaginar o exemplo a seguir: Ptolomeu tinha boas razões para acreditar que a Terra estava parada, mas em realidade não sabia disso. Pessoas diferentes estão em diferentes estados de conhecimento. E no estado de conhecimento em que se encontrava Ptolomeu, havia, uma justificação para que ele acreditasse que a terra estava parada no universo. Todavia, os estados de conhecimento das pessoas não são perfeitos e por isso pode haver boas justificativas para se acreditar em coisas falsas.
O terceiro elemento da ATC é a justificação, que para Feldman é o foco de grande parte da obra em análise. Ele fala que a justificação ocorre em graus; coloca, ainda, que podemos estar justificados sempre em alguma coisa sem, no entanto acreditar nessa coisa. Mostra que o que está justificado para uma pessoa pode mudar com o tempo. Chama a atenção para um ponto: não devemos confundir “estar justificado em acreditar em alguma coisa” com “estar apto a mostrar que se está justificado em crer em tal proposição”. É o que Feldman classifica como conhecimento aparente e conhecimento verdadeiro. Conclui o autor neste segundo capítulo que o conhecimento, baseado na Análise Tradicional de Conhecimento da Perspectiva Standard, pressupõe crença, verdade e justificação, mas não encerra aí a discussão, deixando para os capítulos seguintes a continuação do tema.
Até agora pudemos ver que são três as condições necessárias para que uma proposição seja dada como conhecimento. Primeiro teremos que acreditar nela; tem que ser verdadeira e por fim tem que ser justificada. Vimos também que, isoladamente, nenhuma dessas condições é suficiente para que algo seja dado como conhecimento. Mas se as três forem satisfeitas simultaneamente, podemos mensurar se algo é conhecimento. Apesar de, separadamente, nenhuma das três condições ser suficiente para o conhecimento, tomadas conjuntamente parecem ser suficientes. Por exemplo, se Pedro acredita que vai ser aprovado na faculdade, se tiver boas razões para acreditar que vai passar e se realmente ele vai passar de ano, então é porque o Pedro sabe que vai passar de ano
Continuando o presente relatório, e relembrando que a Perspectiva Standard dava como conhecimento a crença verdadeira e justificada, desafortunadamente, para ela, surge em 1963 Edmundo Gettier, um filósofo americano que com apenas duas laudas de um inédito trabalho refutou a ATC, demonstrando com apenas dois contra-exemplos que o conhecimento não se resume apenas em crença, verdade e justificação. Feldman utiliza alguns contra-exemplos baseados nos apresentados por Gettier, como O das Dez Moedas, O caso Nogot/Havit e A Ovelha no Campo, nos quais procura esgotar todas as possíveis situações de prova de que o conhecimento não pode se basear unicamente na crença, na verdade e na justificação.
Vimos que a definição tradicional do conhecimento foi originalmente exposta por Platão, mas somente no século XX é que veio à tona a discussão sobre vários contra-exemplos que iam de encontro ao velho conceito. E foi justamente Edmund Gettier que apontou vários contra-exemplos, os quais mostram que podemos ter uma crença verdadeira justificada sem que tal crença seja conhecimento.
Nos três exemplos dados pelo autor, em todos a conclusão é verdadeira, mas por coincidência. São situações em que não compete aqui um detalhamento maior, entretanto vamos criar uma nova situação, similar aos casos acima mencionados. Suponhamos que Pedro vai a uma festa onde deverá se encontrar com Joana. O Pedro acredita que Joana vai levar em sua bolsa o livro O Discurso do Método. Até aqui está tudo normal, a crença de Pedro está justificada, ele acredita que Joana levará o livro. Agora vem a parte mais importante do argumento. Suponhamos que Joana decide não levar o livro para a festa, tendo em vista sua bolsa já se encontrar bastante cheia, entretanto ela acaba esquecendo-se de tirar o livro da bolsa. Portanto, a Joana tem o livro na bolsa, o que faz com que a crença de Pedro esteja justificada como verdadeira. Em resumo, em todas as situações Pedro tem uma crença verdadeira justificada e, de acordo com a definição tradicional do conhecimento, Pedro sabe que Ana está com o livro. Mas será que Pedro sabe disso? Afinal de contas a Joana havia mudado de idéia e só levou o livro porque se esqueceu de tirar, pelo que a crença do João é verdadeira, mas por mera coincidência. E uma crença que só é verdadeira por coincidência não pode ser considerada conhecimento. Logo, os contra-exemplos demonstrados mostram que é possível ter crenças verdadeiras justificadas, mas que não são conhecimento, o que contradiz a definição tradicional de conhecimento. Portanto, a definição tradicional de conhecimento está errada, ou seja, a crença verdadeira justificada não é suficiente para o conhecimento.
Ainda assim, os contra-exemplos do estilo-Gettier não são casos de crenças verdadeiras justificadas, posto que eles não são casos de crenças justificadas, e, logo, não refutam a Análise Tradicional do Conhecimento, visto que são casos em que estão sustentados, como vimos, no fator sorte. Enfim, o caminho para se chegar ao conhecimento é árduo e sem fim. Quanto mais duvidamos, mais chances temos de saber se uma determinada crença pode ser justificada ou não.
Para concluir este bloco, o autor vai pôr em pauta a defesa da Análise Tradicional, argumentando que uma maneira de fazê-lo é rejeitar a Falsidade Justificada. Exemplifica com alguns casos como O Caso Típico, O Caso Incomum, em todos os exemplos sempre mostrando que é frágil qualquer argumento que tenha a pretensão de colocar um ponto final na questão do conhecimento.
A seguir, Feldman vai tratar da Teoria sem Bases Falsas, demonstrando que “as crenças que têm bases falsas não são sequer justificadas”. E que ter “todas as bases verdadeiras é uma condição adicional para o conhecimento, mas não para a justificação”. Ou seja, o conhecimento não pode depender de quaisquer bases falsas.
O ponto seguinte a ser tratado é a Teoria sem Anuladores. Mais uma vez, omitimos os exemplos do livro tendo em vista não caber como para do resumo da obra. No caso específico da TA, Feldman nos diz que “alguém tem conhecimento quando não há verdades que anulem a sua justificação. Portanto, a proposta é” acrescentar à ATC o requerimento de não exista anulador. Mas, aqui como em todos os casos, sempre haverá um complicador, e a TA não escapa à regra. Para ele, alguns desses anuladores podem nos enganar, ou seja, nós de fato conhecemos coisas, mas não as conheceríamos se tivéssemos sabido sobre seus anuladores. E conclui: “nós temos sorte de não sabermos sobre os anuladores”.
Ao final do bloco, Feldman coloca a sua proposta. É enfático quando diz que “é seguro dizer que não existe uma solução amplamente aceita para o problema de Gettier levantado à Análise Tradicional do Conhecimento”, acrescentando que tal problema permanece irresolvido. Defende que “nenhuma modificação relativamente pequena da ATC irá produzir uma análise correta do conhecimento. Enfim, ao longo deste trabalho foram questionadas quais as condições para o conhecimento, e foi respondido que o conhecimento é crença verdadeira justificada e mais alguma coisa, ou seja, uma quarta condição para o conhecimento. Só que esta quarta condição continua uma incógnita. E para encerramento do bloco, vale destacar as palavras do autor, as quais são bastantes elucidativas para o tema em foco”:
“A teoria sem bases falsas e a teoria sem anuladores não têm sucesso. O que parece ser crucial é que a justificação não depende essencialmente de alguma coisa falsa. Embora esta idéia não tenha sido formulada em todos os detalhes, ela nos dá uma formulação útil. Logo, nossa resposta para a (Q1) é que o conhecimento requer crença verdadeira justificada que não dependa essencialmente de uma falsidade.”
Como uma homenagem àquele que primeiro trouxe à luz uma definição tripartite para o conhecimento, reproduzo um pequeno trecho da obra de Platão, o Teeteto:
Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não nos contradizermos?
[...]
Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é infalível e tudo o que dela resulta é belo e bom.
[...]
Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem como a crença verdadeira não é conhecimento.
Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?
Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais indivíduos, com a sua arte produzem convicção, não ensinando, mas fazendo as pessoas acreditar no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra, sejam capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou qualquer crime a ouvintes que não foram testemunhas do crime?
Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.
Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto: Sem dúvida.
Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de fatos que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses fatos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correta?
Teeteto: Com certeza.
Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é que se trata de duas coisas distintas.
Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão (logos) é conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do conhecimento [...].
Platão, Teeteto, trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri, 201ª-c.

BLOCO III - (Teoria do Conhecimento de Sócrates a Edmund Gettier)

“As verdades científicas não são simpáticas ao vulgo. Os povos, senhor, vivem de mitologia. Eles tiram da fábula todas as noções de que precisam para viver. Não precisam de muitas; e algumas simples mentiras são suficientes para dourar milhões de existências”.
Les vedetes scientifiques ne sont pás synpathiques au vulgaire. Les peuples, monsieur, vivent de mythologie. Ils tirent de La fable toutes les notions dont ils ont besoin pour vivre. Il ne leur en faut pas peaucoup; et quelques simples mensonges suffisent à dorer des millions d’existences.
(ANATOLE FRANCE (1844-1924), O Anel de Ametista, VII.)
Como matéria para desenvolver a última parte de meu trabalho sobre o curso que ora se finda, escolhi um tema que está intimamente ligado ao que apresentei no bloco anterior, principalmente com a sua parte final, a definição tripartite do conhecimento do Teeteto, diálogo narrado por Platão e cujos interlocutores são de um lado Sócrates e do outro seu discípulo Teeteto. O porquê da escolha de por aí começar é simples: a partir de Sócrates pouco mudou, mesmo porque não há muito que mudar. Julgo, neste primeiro momento do trabalho, reproduzir a cena onde se verifica o ponto chave da definição socrática, para maior clareza de quem vai ler o presente trabalho.
Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não nos contradizermos?
[...]
Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é infalível e tudo o de que dela resulta é belo e bom.
[...]
Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem como a crença verdadeira não é conhecimento.
Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?
Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais indivíduos, com a sua arte produzem convicção, não ensinando, mas fazendo as pessoas acreditar no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra, sejam capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou qualquer crime a ouvintes que não foram testemunhas do crime?
Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.
Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto: Sem dúvida.
Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de fatos que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses fatos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correta?
Teeteto: Com certeza.
Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é que se trata de duas coisas distintas.
Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão (logos) é conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do conhecimento [...].
Platão, Teeteto, trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri, 201ª-c.
O Teeteto começa com a questão: “O que é o conhecimento?” Sócrates desempenha o papel do condutor de um diálogo que procura fazer com que Teeteto produza uma resposta para a questão formulada. Neste primeiro momento, Sócrates procura aquilo que é comum a todos os tipos de conhecimento. Num momento seguinte, o jovem e brilhante matemático propõe que o conhecimento é a percepção das coisas sensíveis, ou seja, conhecer algo é tomar contato com esse algo por meio dos sentidos, ao que Sócrates intervém dizendo que os sentidos de pessoas diferentes são percebidos de maneiras diferentes. Por exemplo, uma leve brisa para uma pessoa pode representar um frio intenso para outra pessoa. Objeta Sócrates que apenas o que é verdadeiro pode ser conhecido. Dito de outra forma, aquilo que me parece a mim, é verdadeiro para mim, ou seja, se eu acredito em algo, acredito que esse algo é verdadeiro. Por essa perspectiva, Teeteto pode continuar defendendo que a percepção é conhecimento. Mas, será que todo conhecimento é percepção? Vejamos: eu posso aprender, por exemplo, que a estátua do Cristo Redentor fica na cidade do Rio de Janeiro, porque estive lá e vi, mas mesmo quando fecho os olhos e a vejo, ou volto para minha cidade, continuo sabendo que o Cristo Redentor fica no Rio de Janeiro. Logo, a minha memória é um exemplo de conhecimento sem percepção. O argumento de Sócrates para contrapor a definição de Teeteto, ele busca na vulnerabilidade da tese de Protágoras segundo a qual cada homem pode ser a medida do que é, mas ao mesmo tempo ele não pode ser a medida do que será. Para Sócrates, a tese de Protágoras dependeria do fluxo universal de Heráclito que é, também inconsistente: se a própria percepção sensível estará em fluxo, um caso de visão poderá tornar-se de repente não-visão; um de audição em não-audição. Ou seja, se considerarmos que conhecimento é percepção teremos que admitir que conhecimento é também não-conhecimento, o que derruba a tese de que conhecimento é percepção.
Obrigado a abandonar a tese de que o conhecimento é percepção, Teeteto apresenta um novo elemento: que o conhecimento consiste nos juízos que a alma reflete, no que Sócrates aprova, momentaneamente, a sugestão. Entretanto, o conhecimento não pode ser definido por esse prisma, posto que há juízos falsos tanto quanto há juízos verdadeiros. Logo, tal tese também não se sustenta. Sócrates argumento que é possível possuir conhecimento sem o ter na alma numa ocasião determinada, como pode ser o caso de alguém possuir uma vestimenta e não usá-la. Para Sócrates, há uma dificuldade na tese de que o conhecimento é o juízo verdadeiro, rebatendo com o seguinte argumento: se um juiz consegue persuadir um corpo de jurados inteiro, produzindo um veredicto tal que a todos convença, os jurados podem ser convencidos, entretanto podem desconhecer os fatos. Neste ponto, Teeteto modifica seu juízo, de modo que o conhecimento passe a ser uma crença (ou juízo) verdadeira e justificada.
Sócrates passa a enumerar três formas distintas segundo as quais uma crença poderia ser justificada. A mais evidente das três seria a situação em que alguém que não seja mudo ou surdo pode formular um juízo, mas neste caso, como distinguir o que é falso do que é verdadeiro? A segunda maneira resume-se em: ter uma crença verdadeira acerca de um dado objeto é ser capaz de fazer de tal objeto uma análise detalhada? Para Sócrates, o conhecimento de algo pressupõe reduzi-lo aos seus elementos mais simples. Diante de tal dificuldade, argumenta que, apesar de o conhecimento dos elementos ser necessário ao conhecimento do todo, ainda não é o suficiente. Por último: uma pessoa que tenha uma crença justificada acerca de algo, deverá ser capaz de produzir uma exposição minuciosa que só se aplique ao objeto em questão.
Ao fim do diálogo, Sócrates concluiu que a terceira definição que Teeteto elabora do conhecimento não é melhor que as anteriores, mas que avançou muito. Portanto, a definição de conhecimento como crença verdadeira justificada foi aceita por muitos filósofos até os nossos dias.
Tem que haver uma fronteira que delimite o que seja conhecimento científico do que seja conhecimento das coisas cotidianas. Sob essa perspectiva, o conhecimento deverá ser buscado tomando-se como base todas as imposições céticas menos radicais; por outro lado, se considerarmos o conhecimento das coisas cotidianas, evidentemente que uma escala gradativa deve ser observada, sem, no entanto, se deixar de ter em mente que se deve chegar ao mais alto grau possível de veracidade.
É praticamente impossível estabelecer uma noção de conhecimento hoje, que seja totalmente diferente, em sua essência, do que estabeleceram os antigos. O exemplo maior é o Teeteto, no qual Sócrates lança mão de sua definição tripartite do conhecimento a partir de um diálogo com um discípulo.
Precedendo à conclusão do presente trabalho, permito-me uma citação que julgo pertinente, em se tratando da seriedade com que o tema conhecimento deve ser tratado. O trecho a seguir foi elaborado por Nietzsche, extraído da obra Filosofia na Época Trágica dos Gregos, parágrafo terceiro, citado em Os Pré-Socráticos:
“O pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas, dos conhecimentos importantes e grandes (...). Mas o conceito de grandeza é mutável, tanto no domínio moral quanto no estético: assim a filosofia começa por legislar sobre a grandeza, a ela se prende uma doação de nomes.” “Isto é grande”, diz ela, e com isso eleva o homem acima da avidez cega, desenfreada, de seu impulso ao conhecimento. Pelo conceito de grandeza, ela refreia esse impulso: ainda mais por considerar o conhecimento máximo, da essência e do núcleo das coisas, como alcançável e alcançado”“.
Assim, desde Platão, o ofício do filósofo que lida com epistemologia ou teoria do conhecimento é o de criar condições para a melhoria das justificações. Esses filósofos resolveram dar um passo a mais na tentativa de aperfeiçoar a definição do conhecimento, dizendo que além da crença verdadeira justificada, o conhecimento carece, ainda, de que a justificação seja irrevogável. Tal caráter de irrevogabilidade seria a pedra de toque, que por sua vez seria a certeza de que a crença que temos em mãos é verdadeira ou falsa. Até então, a definição neoplatônica era aceita sem maiores problemas, entretanto, surge Gettier que, com um paper de apenas três páginas deixa toda a comunidade filosófica em rebuliço. A seguir, transcrevo pequeno texto de Paulo Ghiraldelli, extraído de seu blog, conforme referência bibliográfica no final deste trabalho:
“Essa virada de Gettier na filosofia, que poderia ter alimentado o cético, acabou não alimentando tanto quanto à primeira vista poderia parecer. Pois o que ocorreu foi que todos os filósofos começaram a deixar de lado a definição que apela para justificações, e passaram a buscar definições de conhecimento a partir de causas. Em vez de ter o enunciado, e então buscar justificações, agora, para se ver se há ou não conhecimento, toma-se o enunciado em questão para investigar o que o produziu. Estamos hoje no meio de investigações no campo da teoria do conhecimento que nos levam a causas – são as teorias causais do conhecimento que ganham espaço hoje em dia. E esse campo só se abriu para tais perspectivas, ao menos com tal clareza filosófica, há poucas décadas.”
De Sócrates a Gettier, o que podemos inferir é que não houve nada que pudesse ser posto como definitivo para “fechar” a questão da definição do conhecimento, mesmo porque não há como. O conhecimento tem que ser efetivamente uma via tortuosa, difícil e longa, cujo infinito será sempre inalcançável. E por mais que, além dos três componentes essenciais (crença, verdade e justificação), coloquemos mais componentes, como é o caso dos contra-exemplos apresentados por Edmund Gettier no terceiro quartel do século XX, a Análise Tradicional do Conhecimento vai permanecer vigente, haja vista que os contra-exemplos apresentados são situações plausíveis, é bem verdade, porém são todas sustentadas no acaso, na coincidência. Portanto, não podem “selar” a questão do conhecimento. Tampouco a Análise Tradicional do Conhecimento fecha a questão. Em suma: continua o conhecimento em sua longa caminhada pelos escaninhos das cabeças pensantes, contemplando a todos com o fascínio da sua conquista por parte de nós homens. Em não sendo assim, o que seria de todos nós se o conhecimento de tudo fosse alcançado? É este o sentido da vida: a busca incessante pelo saber verdadeiro, que se traduz, ao fim, no bem maior que toda humanidade almeja: a felicidade.
BIBLIOGRAFIA
FELDMAN. Richard. Evidentislism. Oxford University Press. USA, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. In Filosofia na Época Trágica dos Gregos, parágrafo terceiro. Os Pré-Socráticos, Abril S.A. Cultural e Industrial, 1 ed. Agosto 1973. São Paulo.
KENNY, Anthony. A definição de conhecimento no Teeteto. Retirado de História Concisa da Filosofia Ocidental (Temas de Debates, 1999). Disponível em http://criticanarede.com/termos.html. Visita em 10/08/2008.
GHIRALDELLI JR., Paulo. O que é conhecimento? Disponível em http://ghiraldelli.wordpress.com/2007/11/19/205/ . Visita em 12/08/08.

Kalós Kai Agathós



Por que Kalós Kai Agathós? Vejamos o que diz o articulista Yurij Castelfranchi.

Yurij Castelfranchi, professor adjunto do departamento de sociologia e antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Possui graduação em Fisica (Università degli Studi La Sapienza, Roma, Itália), mestrado em Comunicação da Ciência (SISSA - International School for Advanced Studies, Trieste, Itália). Na Itália, foi docente de Ciência e Sociedade, Teorias da Comunicação da Ciência, Jornalismo científico e ambiental. Coordenou o curso de mestrado em Comunicação da Ciência na SISSA. É autor de 5 livros, 2 dos quais com tradução e diversos idiomas. Foi pesquisador no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP, docente de jornalismo científico, vice-diretor da JCOM - Journal of Science Communication, colaborador da Organización de Estados Iberoamericanos para la Eduación, la Ciencia y la Cultura (OEI). Atua principalmente nos seguintes temas: sociologia da ciência e da tecnologia, comunicação pública da ciência, jornalismo científico e ambiental, percepção pública da ciência e tecnologia, controvérsias sociais sobre C&T.(Texto informado pelo autor).

OS OBLIQUOS CAMINHOS DO BELO.

É curiosa a história da representação do belo no ocidente. Considerado fundamental em todas as épocas, o belo sempre desafiou artistas e filósofos com sua inefabilidade. As estátuas de Policleto, os templos das acrópoles gregas, os retratos de Leonardo, as mulheres de Rubens ou de Gauguin, representaram o belo. Mas um belo profundamente diferente a cada momento.

Muitas épocas tentaram definir um padrão de beleza, que a época subseqüente rejeitava ou transformava profundamente. Um acorde musical considerado demoníaco na Idade Média, é hoje usado e percebido como belo no blues e no jazz. Intervalos musicais dissonantes e de uso limitado na época de Mozart, são hoje típicos (e perfeitamente afinados) na música popular e comercial ocidental. Para Pitágoras, belas eram as proporções matemáticas entre números inteiros, que podiam representar até a música divina das esferas celestes. Para alguns dos artistas da Grécia clássica, belas eram as formas arquitetônicas que reproduziam a proporção áurea. Templos eram construídos com largura e altura em proporção “Pi”, que vale cerca de 1,618 e é presente em algumas estruturas biológicas (como a espiral da concha do molusco náutilo).

Porém, se hoje estamos acostumados a pensar que muitos conceitos “universais”, tais como verdade, beleza, natureza, são vagos, construídos socialmente, enraizados nas culturas e relativos a estas, o belo foi, em muitos momentos históricos, definido e considerado algo objetivo e absoluto. Para gregos e romanos, belo, verdadeiro e bom eram três valores supremos. Para os gregos antigos, o bom cidadão da pólis tinha de ser um homem “kalós kai agathós”, ou seja belo e virtuoso. Homem “belo” (kalós) era não só o de formas proporcionais, forte, são. “A antiga noção de belo”, explica Luciano Migliaccio, professor de história da arte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas, “é um conceito normativo que responde a uma praxe técnica. O kalós grego (do verbo kaleo, chamar) é o que nos atrai, que suscita desejo. Nas artes figurativas, belo é o produto que imita melhor a natureza em seu processo criativo, correspondendo à norma geométrica e proporcional que governa, por exemplo, a construção do corpo humano. O belo, então, é concebido como um processo de adequação do produto humano ao pensamento divino, e governa o processo de criação na arquitetura, nas artes figurativas, como também na música”.

De acordo com Herbert Dieckmann (no Dicionário de história das idéias), em épocas pré-modernas a beleza era considerada como algo de existência objetiva e características universais. Platão, por exemplo, pensava que as representações materiais do belo compartilhavam da Beleza Absoluta, entidade que existia no mundo das idéias e era portanto absoluta, universal, não relativa, dotada da propriedade de “reconciliar o finito com o infinito” e que se manifestava “na proporção, na simetria, na medida e na harmonia das partes em relação com o todo”. Proporções e simetria ligavam então a beleza com o Bem, enquanto o belo revelava o Ser e era então ligado também à Verdade. A Verdade era garantia da Beleza.

Também para Aristóteles o belo respondia a normas objetivas. Porém, diferente de Platão, para o filósofo o belo não era definido e julgado em relação ao Ser e ao Verdadeiro, mas em termos de perfeição das formas, ou seja baseado em critérios objetivos não metafísicos. Suas componentes eram ordem, simetria, definição. Na Idade Média, Plotinos e Santo Agostinho retomaram as concepções de Platão e desenvolveram uma teoria do belo que dominou até o Renascimento. “O antigo conceito grego de beleza”, confirma Migliaccio, “influenciado em maneira substancial por Aristóteles, foi retomado no Renascimento junto com conceitos de origem platônica muito vivos no pensamento cristão. O belo era visto como reflexo da inalcançável transcendência divina”. Assim, menciona o historiador como exemplo, Michelangelo, em um soneto, pergunta ao amor se a beleza da mulher amada é percebida pela sua imagem ou se, na verdade, a beleza não seria uma imagem interior que, através do rosto da amada, remete à transcendência divina. “O artista tende para a segunda resposta: Michelangelo é o campeão de uma estética do sublime, ou seja, do belo como alusão ao transcendente, ao incompreensível, algo que só pode ser percebido através da forma criada. Se pensarmos na cúpula de São Pedro em Roma, de Michelangelo, percebemos como, para ele, a beleza está no esforço de chegar ao inalcançável, ao sublime que não pode ser entendido pela razão, ao reflexo da idéia divina que se manifesta no mundo criado”.

Porém, a noção do belo como algo objetivo, seja porque remeter ao divino, ao mundo das idéias, ou porque está ligado a critérios e normas não metafísicas porém universais, não resistiu na era moderna. A partir do século XVIII (e já no final do XVII), a fugacidade, inefabilidade e, sobretudo, a subjetividade do belo se tornam presentes com força na consciência de artistas e filósofos. Muitos, a partir do empirismo e, mais profundamente, com o Romantismo, começaram a se perguntar, no momento de definir algo ou alguém como belo, se estavam vendo em tal objeto ou pessoa caraterísticas que efetivamente possuíam, ou se estavam atribuindo tais características a eles. A passagem entre a antiga concepção objetivista de belo para a nova, subjetivista, marcou o abandono da busca para uma definição essencialista de belo.

“A beleza”, escreve Dieckmann, “já não é mais uma essência, uma característica objetiva, ou uma relação. Sua fundação está na resposta de nossos sentimentos, emoções, ou em nossas mentes”. Assim, o filósofo e matemático Blaise Pascal já dizia: “a própria moda e os países determinam aquilo a que se chama de beleza”. E David Hume concluia que “a beleza não é uma qualidade das coisas por si mesmas. Ela existe meramente na mente que as contempla, e cada mente percebe uma diferente beleza”. O prazer, continuava Hume, não somente é um necessário assistente da beleza, mas, sim, constitui sua própria essência. “Beauty”, passaram a dizer muitos, transformando o conceito em aforismo, “is in the eye of the beholder” (a beleza está no olhar de quem a contempla). Sucessivamente, na estética de Immanuel Kant, “belo é tudo quanto agrada desinteressadamente”.

Se a definição do belo aparecia então em discussão, ligada aos sujeitos tanto quanto aos objetos, também nas artes sua representação mudava. Se Leonardo da Vinci ainda declarava que a representação do belo era a “lei suprema da arte”, o escritor e crítico literário italiano Francesco de Sanctis, no século XIX, respondia que “a matéria da arte não é o belo ou o nobre, tudo é matéria de arte, tudo o que é vivo”.

“Em nossa civilização”, completa Migliaccio, “belo é uma noção cultural e histórica. A virada acontece com o movimento romântico. Baudelaire, em seus escritos sobre a arte, fornece uma boa definição moderna do belo: belo é um conceito eterno (todas as culturas dão valor a algo que consideram belo, ideal, desejável), porém tal conceito se realiza historicamente, em forma diferente em cada civilização”. Cada sociedade atribui beleza a produtos e qualidades diferentes. “Belo, então, é um conceito histórico realizado na arte”, continua o historiador da Unicamp. “História do belo e história da arte se identificam, por exemplo, na estética de Hegel, momento capital da reflexão sobre o tema. Romantismo e simbolismo identificam o belo com a expressão sincera e espontânea do sentimento individual por meio da criação da forma. Se aproximam, assim, ao conceito platônico de Michelangelo, porém buscando o transcendente na própria arte”.

Não surpreende então que poetas como Paul Valery possam brincar: “a definição de belo é fácil”, disse o francês, “é aquilo que desespera”. E não surpreende que, no século XX, um artista futurista como Filippo Marinetti pudesse dizer que “a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova, a beleza da velocidade”, acrescentando: “um automóvel de corrida com o seu capô ornado com grossos tubos semelhantes a serpentes de sopro explosivo …, um automóvel que ruge e parece correr sobre a metralha, é mais belo do que a Vitória de Samotrácia”.

Outro ponto de virada na concepção e representação do belo, continua Luciano Migliaccio, é dado pelas vanguardas históricas, particularmente o dadaísmo e o surrealismo. “Na civilização industrial, a beleza não está só nos produtos da arte tradicional”, explica. “O desejo de beleza, de algo que consideramos desejável, se reflete no design de um carro, em um maço de cigarros ou nos produtos da tecnologia”. Na arte neo-dadaísmo e pop da década de 1960, comenta o pesquisador, a noção de arte e de beleza tradicional são postas em crise. São procurados novos parâmetros estéticos da civilização industrial, por meio da experimentação de novas linguagens, da crítica da idéia de autor, de pintura, de expressão. “Um exemplo disso é a recuperação do ready-made por Duchamp, que é um artista central para entender o novo conceito de beleza”. Tal busca não cessa de ser uma busca do sublime, do incompreensível, “porque depende, em boa parte”, conclui Migliaccio, “dos horizontes ainda incompreensíveis da ciência e da tecnologia, hoje capazes de manipular a própria criação natural”. A beleza, concluiria talvez ainda hoje Simone de Beauvoir, ainda é mais difícil de contar do que a felicidade.