sábado, 2 de janeiro de 2010

Filosofia Moderna


07/01/2010
DESCARTES, Renê. OS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA. Lisboa, Guimarães Editores, 1998, pg. 25-45.
FICHA RESUMO DE CITAÇÕES
“Em que consiste a filosofia?” Descartes responde: “um perfeito conhecimento de todas as coisas que ao homem é dado saber”.
E, para que este conhecimento assim possa ser, torna-se necessário deduzi-lo das primeiras causas, de tal modo que, para conseguir adquiri-lo, e a isto se chama exatamente filosofar, cumpre começar pela pesquisa dessas primeiras causas, ou seja, dos princípios, os quais devem obedecer a duas condições: a) que se tornem tão claros e evidentes que ao espírito humano não seja permitido duvidar da sua verdade; b) que seja deles, [dos princípios] que dependa o conhecimento das outras coisas, de maneira que possam ser conhecidos sem elas.
“Qual a utilidade da filosofia?” Responde o filósofo: “Ser ela apenas que nos distingue dos selvagens e bárbaros, e que é cada nação tanto mais civilizada e polida quanto melhor aí os homens filosofam, e assim, o maior bem de um Estado é possuir verdadeiros filósofos”.
“Vale muito mais servir-nos dos nossos olhos para nos conduzirmos e gozar da beleza das cores e da luz, do que mantê-los fechados e, deste modo, seguir a alheia conduta (...), [pois] viver sem filosofar equivale (...) a ter os olhos fechados”.
“Não existe alma (...) que (...) não se afaste algumas vezes deles [dos objetos do mundo] para desejar um outro bem maior, ainda que ignore com freqüência, em que consiste (...). Este soberbo bem (...) não é outra coisa senão o conhecimento da verdade através das suas primeiras causas, isto é, a sabedoria, de que a filosofia é o estudo.”
“Em que consiste a ciência que possuímos, e quais sãos os graus de sabedoria a que se chegou?” Responde o filósofo: “O primeiro grau contém noções tão claras em si próprias que podem ser adquiridas sem meditação. O segundo compreende tudo o que a experiência dos sentidos nos permite conhecer. O terceiro, o que a conversa dos outros homens nos ensina. O quarto grau, a leitura (...) daqueles escritos por pessoas capazes de nos darem boas instruções, porque (...) toda a sabedoria que se alcança, só é adquirida por estes quatro meios (...). Um quinto grau (...) consiste em procurar as primeiras causas e os verdadeiros princípios donde se podem deduzir as razões de tudo o que se é capaz de saber.”
“Os primeiros e os principais [princípios] de que temos notícia são os escritos de Platão e de Aristóteles (...). O primeiro, seguindo as pisadas do seu mestre Sócrates, confessou ingenuamente que nada ainda encontrara de certo, tendo-se contentado em escrever as coisas que lhe pareceram verossímeis”. Quanto a Aristóteles, teve menos franqueza, e embora (...) não tivesse outros princípios que não fossem os do mestre, alterou intensamente a forme de os divulgar e propô-los como verdadeiros e seguros, embora não haja nenhuma aparência que os leve a considerar como tais”.
“Os que vieram depois [os seguidores de Platão e Aristóteles] acabaram mais depressa por seguir as suas opiniões do que investigar alguma coisa de melhor.”
“A maior parte daqueles homens que desejaram ser filósofos, seguiram cegamente Aristóteles, de maneira que, freqüentemente, corromperam o sentido dos seus escritos [Agostinho, Tomás de Aquino], atribuindo-lhe diversas opiniões que ele próprio não reconheceria como suas”.
“As conclusões que se deduzem de um princípio que não é evidente não podem ser evidentes (...). Quando guiados por maus princípios, tanto mais nos afastamos do conhecimento da verdade e da sabedoria, quanto mais nos esforçamos por cultivas e nos aplicarmos cuidadosamente a extrair deles as diversas conseqüências pensando que é isso filosofar (...), donde se conclui que aqueles que menos têm aprendido aquilo a que se chamou até agora Filosofia, são os mais capazes de aprender a verdadeira (...), o que prova que os verdadeiros princípios, pelos quais se pode alcançar o mais alto grau de sabedoria, que consiste no soberano bem da vida humana, são aqueles que expus neste livro”.
O nascimento do cogito: “Deste modo, considerando que aquele que pretende duvidar de tudo, não pode duvidar que existe, enquanto duvide, e que, o que assim raciocine, não podendo duvidar de si próprio, duvidando todavia de tudo o resto, não é aquilo a que chamamos um corpo, mas sim aquilo a que chamamos alma ou pensamento, considerei o ser, ou a existência de tal pensamento, como o primeiro princípio do qual deduzi muito claramente os seguintes: a) há um Deus, que é autor de tudo o que existe no mundo; b) há corpos extensos em comprimento, largura e altura e que têm diversas formas. É a partir desses princípios que Descartes deduz todas as outras coisas.
O método:
“Primeiro o percorram [o livro] completamente, tal como se tratasse de um romance, sem forçar demasiado a atenção, nem vacilar perante as dificuldades que se forem encontrando, para saberem, somente por alto, quais as matérias de que tratei”.
“Sendo os princípios claros e nada se devendo deduzir senão por meio de raciocínios muito evidentes, sempre se possui espírito suficiente para compreender as coisas que deles [dos princípios] dependem.


A ordem:
“...um homem que só possui ainda o conhecimento vulgar e imperfeito que se pode obter pelos quatro meios acima explicados deve, antes de tudo, tratar de formar uma moral [moral provisória] que seja suficiente para sem delongas, regular as ações da sua vida e por, sobretudo, ser nosso dever esforçarmo-nos por viver bem.”
“Cumpre-lhe, após isto, estudar a Lógica, não a das escolas, porque esta, falando com propriedade, é apenas uma dialética tendente a ensinar os meios de fazer compreender as coisas que se sabem [Descartes está criticando diretamente Aristóteles].
“Bom é se exercite o estudioso a praticar as regras referentes a questões fáceis e simples, como as das matemáticas. Então, desde que haja adquirido o hábito de encontrar a verdade em tais questões, deve começar a aplicar-se a verdadeira filosofia, de que a primeira parte é a metafísica”.
“...toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são formadas pela metafísica, o tronco pela física e os ramos que saem deste tronco, constituem todas as outras ciências que, ao cabo, se reduzem a três principais: a medicina, a mecânica e a moral, entendendo eu por moral a mais elevada e mais perfeita, a que, pressupondo inteiro conhecimento das outras ciências, vem a ser o último grau da sabedoria.”
“Com a Geometria pretendia eu demonstrar que encontrara várias coisas aí ignoradas e dar assim ocasião a acreditar que se podem descobrir ainda muitas outras a fim de incitar, por esse processo, todos os homens à investigação da verdade”.
“E dividi o livro em quatro partes, contendo a primeira os princípios do conhecimento, que é aquilo que se pode chamar a Primeira Filosofia, ou a Metafísica”.
“...quando se possuem verdadeiros princípios em filosofia, não se pode deixar, seguindo-os, de encontrar, por vezes, outras verdades; e para se demonstrar a falsidade dos de Aristóteles basta verificar que não se logrou atingir nenhum progresso por seu intermédio durante os séculos em que foram seguidos”.
A clareza:
“...nunca me atribuam qualquer opinião que não encontrem expressamente nos meus escritos”.
“Mas se, enfim, a diferença que observarem entre estes princípios e os de todos os outros (...) não haverá nenhum que não procure aplicar-se a estudo tão proveitoso, ou pelo menos que não favoreça e queira ajudar, com o máximo do seu poder, os que a isso se entregarem frutuosamente”.


07/01/2010
BANCON E A MODERNIDADE

Tópicos para Estudo de Prova

Desde o século IV d. C. até o século XV, a história do conhecimento seguiu duas grandes vertentes: de um lado o conhecimento dos mosteiros e do outro o conhecimento dos estudiosos livre-pensadores da natureza.
O nexo entre o método e a filosofia será a questão que norteará todo o curso de Filosofia Moderna. É com Bacon e Descartes que se abrem as portas para a modernidade (modernidade vem de modus). Como pressuposto metodológico, a história da filosofia enquanto núcleo de trabalho vai ser direcionado para o conhecimento racional. A filosofia vai se configurar como uma auto-reflexão do espírito de valor teórico e prático (visão de mundo, weltanschaung). A modernidade se instaura a partir de uma leitura do universo sustentada em critérios da física, da matemática e da geometria. Galileu dizia que o mundo era um livro escrito em linguagem matemática e em caracteres geométricos.
Francis Bacon e René Descartes são os primeiros a elaborar reflexões filosóficas que faziam eco aos resultados do conhecimento dos físicos e matemáticos da época. Bacon, ao contrário dos pensadores medievais que direcionavam a produção do conhecimento para contemplar a obra de Deus, defendeu a idéia, muito moderna, de que o produto da ciência deveria ser aplicado diretamente a serviço do progresso. Bacon transformou, assim, o conhecimento em algo útil, coisa estranha tanto para os gregos da antiguidade como para os teólogos medievais.
A filosofia é a ciência dos conceitos, ou seja, em vez de opiniões temos conceitos. Hegel, em Conceito da História da Filosofia, diz: “A Filosofia não contém nenhuma opinião, porque não existem opiniões filosóficas”. E acrescenta: “A Filosofia é a ciência objetiva da verdade, é a ciência da sua necessidade: é conhecer por conceitos, não é opinar nem deduzir uma opinião da outra (...) [pois] “o oposto da opinião é precisamente a verdade, e diante da verdade empalidece a opinião (...). É importante que citemos mais alguns conceitos hegelianos sobre a verdade, como os a seguir: “... para alcançar a verdade, importa renunciar à autonomia do pensamento e sotopor [privilegiar] a razão à cega fé autoritária”. E completa Hegel: “... a convicção individual é o fato último e absolutamente essencial que a razão e a sua filosofia, do ponto de vista subjetivo, reclamam para o conhecimento (Pensadores, pg. 390-391). Por fim, assim se reporta Hegel sobre o assunto: “... A verdade consiste no saber, mas que da verdade apenas se sabe aquilo sobre que se exerceu a reflexão, não por instinto natural; que a verdade não pode ser reconhecida por imediata intuição ou visão, ainda mesmo que esta seja exterior e sensível (...), mas unicamente por meio do trabalho do pensamento” (idem pg. 392).
Na Introdução à História da Filosofia (op. cit. pg. 381), destaque-se o texto a seguir: “A história da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional.”
A obra filosófica se auto-explica. Não se encontra no contexto filosófico os elementos que a compõe. O contexto propõe questões ao filósofo, para que ele possa exteriorizar sua obra. Heiddeger disse: “A vida do filósofo não interessa. O texto por si se explica. Do filósofo só preciso saber o nome em que ano ele nasceu e o ano em que morreu”. O contexto deve ser propositivo e nunca determinante.
Passemos agora a discorrer sobre alguns elementos que atestam o declínio da cultura medieval e o advento do espírito moderno:
1) 1453, Maomé II, e a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Os sábios gregos migram para Itália levando consigo os manuscritos dos gregos, notadamente os de Platão, Plotino e Aristóteles. É o que se convencionou denominar de Renascimento do Platonismo (elemento geopolítico);
2) a Reforma Protestante (elemento teológico), que surgiu da decadência da Igreja. Na Reforma é a Igreja medieval o ninho de superstição e heteronomias (segundo Kant, sujeição da vontade humana a impulsos passionais). As doutrinas em vigor vão ser questionadas, reformuladas. Santo Agostinho vai seguir uma perspectiva paulina. Vai decodificar a doutrina paulina da graça, que diz ser um dom que é distribuído injustamente. Ou seja, somos “ex-nihilo”, saímos do nada e como tal sempre nos falta algo. Agostinho usa esse esquema para explicar o mal, ou seja, que o mal é uma falta de densidade ontológica, uma privação do bem, que só aparece onde o bem não está. Com o pecado original, perdemos a capacidade de escolha (o livre-arbítrio). Ele diz que sobre a liberdade nós só temos ilusões, ou seja, a liberdade é ilusória. Agostinho é estrategicamente colocado de lado no episódio da doutrina das obras. Em São Paulo, a doutrina da graça remete o homem à sua interioridade, pela qual a lista dos que serão salvos fica nas mãos de Deus. Lutero traduz a Bíblia para o alemão. Foi quando as pessoas não precisaram mais de um intermediário entre elas e Deus. O movimento exige uma reforma em detrimento da fé. Agora, a relação do cristão com a Bíblia é direta. Ora, se eu não preciso de obras, também não preciso de igrejas. Tenho uma subversão da autoridade. E por último, a eliminação do elemento externo (ou seja, nada imagens, igrejas, altares etc.). Note-se que, com a subversão da autoridade, surge um caminho para a autonomia (o oposto de heteronomia). Observe-se, ainda, que o cristianismo fez uma distinção clara: demarcou o Novo e o Velho Testamento. O cristão quase não tem contato com o Velho Testamento, cujo Deus é vingativo, que castiga, enquanto que o Deus do Novo Testamento é mais amor;
3) Revolução Galilaica, cuja síntese científica congrega Giordano Bruno, Johannes Kepler e Nicolau Copérnico. O grande elemento nesse contexto é a destituição do modelo astrofísico aristotélico-ptolomáico, principalmente a Física de Aristóteles e a Astronomia de Ptolomeu. O modelo aristotélico é formado por esferas concêntricas, com uma centralidade de movimentos universais. Nele, os astros são formados por uma substância denominada éter (uma substância quintencenciária), que não era nem água, nem terra, nem fogo, nem ar, mas astros formados de matéria incorruptível. É, ainda, um modelo que estabelece um universo topográfico (topos = lugar) e hierarquizado (os mundos sublunares e os mundos supra-lunares). Ou seja, o universo é limitado.
Com Galileu, o telescópio representa o respaldo científico vindo da empiria. Ao descobrir as manchas solares, Galileu derruba de vez a tese aristotélica da perfeição dos corpos celestes. O universo agora só pode ser expresso em linguagem matemática, quantitativo. Com a revolução galiláica, perguntou-se como a humanidade pôde se enganar durante 15 séculos? O erro existiu porque faltou o método em ciência. Neste ponto, despontam duas vertentes científicas: a galiláica e a filosófica. Inaugura-se uma filosofia que vai se debruçar sobre a ciência. A filosofia abandona a religião e busca uma verdade metafísica.
Pergunta-se neste ponto quais as conseqüências filosóficas que esses três elementos trouxeram para a humanidade: 1) empirismo; 2) racionalismo. Foram essas duas vertentes que levaram a modernidade até o século XIX.
Após os prolegômenos, passemos a discorrer sobre a obra de Francis Bacon (1561-1626). Com Bacon, a natureza é separada da filosofia e da ciência. O que há de importante, interessante e novo em Bacon é o fato de sua filosofia não separar o espírito científico do espírito técnico. É exatamente nesse ponto que Bacon é singularmente moderno. Para ele, a ciência desemboca no poder e todo poder verdadeiro passa pela ciência. Para ele, o homem só pode vencer a natureza, obedecendo-a (Natura non nisi parendo vinatas). De fato, conhecer a natureza é conhecer as causas dos fenômenos (Vere scire per causas scire). E, como a relação causa/efeito é imediatamente transponível para uma relação meio/fim, podemos esperar transformar o efeito, caso modifiquemos a causa.
Como dito linhas acima, não há separação entre espírito e técnica em Bacon. Se há essa separação, teremos a retórica, uma dialética, uma ciência inócua. Se eu unifico ciência e técnica, tenho o poder. Tenho o uso da natureza em meu favor, tenho a verdadeira ciência, ou seja, a técnica e a ciência aplicadas. Precedentemente a Bacon, havia o que poderíamos chamar de antecipação da mente. A partir de Bacon, uma antecipação da natureza. No primeiro caso, verificava-se um uso exacerbado dos argumentos (retórica), opiniões elegantes e prováveis, tradição (antigos e a leitura dos mesmos pelos medievais); no segundo caso, temos a vitória sobre a natureza por meio da ação. Essa ciência que age se transforma em técnica. A verdade surge de forma mais clara e manifesta. Surgem os verdadeiros filhos da ciência.
Passamos agora a tecer comentários sobre selecionados aforismo extraídos do Novo Organum. Podemos conceituar um aforismo como sendo uma proposição concisa que encerra muitos sentidos em poucas palavras. Dito de outra forma, significa determinação, delimitação. Proposição que exprime de maneira sucinta uma verdade, uma regra ou uma máxima concernente à vida prática. No início, essa palavra era usada quase exclusivamente para indicar as fórmulas que exprimem de modo abreviado e mnemônico os preceitos da arte médica, por exemplo, os aforismo de Hipócrates.
Selecionamos a seguir alguns aforismos baconianos mais estratégicos:
a) acerca da Filosofia: XCV – a Filosofia até esse momento se divide em empíricos e dogmáticos;
b) bem-estar do homem, que depende de seu domínio sobre a natureza (CXVI (a Lógica deslocou os homens; criou um mundo que separou o homem do seu meio natural. Bacon propõe uma Filosofia pura e sem mesclas);
c) o conhecimento deve ser colocado a serviço do homem. O método atém-se aos fatos particulares. O modelo pretende ir direto às coisas, sem nenhuma modificação. É um método calcado na experiência:
d) mas não precisa ter uma utilidade imediata. É o conjunto do saber que deve ser visado. Bacon vai propor uma nova Filosofia; XCIX (sua metodologia é experimental, mas reverbera no intelecto (XCVI, XCIX, L, XXXVIII, XXXIX).
e) os sentidos devem ser coadjuvados pelos instrumentos: L (o experimento para guiar os sentidos para a investigação da natureza. O guia é o método, que dá a chave e interpretação das coisas;
f) teoria dos ídolos: Os ídolos como os erros da ciência. Bacon dizia que era preciso evitar quatro armadilhas. Era preciso escapar de quatro grandes riscos que poderiam levar o pesquisador a equívocos. Estes quatro fatores de risco Bacon chamou de Ídolos da Tribo, Ídolos da Caverna, Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro (XXXVIII até o XLIV)
O primeiro risco a ser evitado eram as falhas inerentes a natureza humana, falhas dos sentidos e do intelecto. Tudo pode não ser o que parece e devemos estar conscientes disso.
O segundo risco, Ídolos da Caverna, alerta-nos para nunca pressupormos nada, ou seja, nunca devemos fazer generalizações. Aqui, o pesquisador corre o risco de deixar se influenciar pelas suas idéias pessoais. Para Bacon, o conhecimento deve ser isento de subjetividade, e, por isso, o pesquisador deve estar sempre atento às distorções introduzidas pela sua personalidade.
A terceira ameaça, Ídolos do Foro, alguns chamam de Ídolos do Mercado, tem a ver com as coisas que nos seduzem, ou seja, na tentativa de entender as maravilhas do mundo, desenvolvendo-as por meio da linguagem, não fazemos justiça a elas nem somos capazes de compreendê-las completamente. Os Ídolos do Foro introduzem as falhas próprias do uso da linguagem e da comunicação entre os homens. Bacon propõe o rigor no uso de conceitos, sempre que possível sustentados matematicamente para evitar a multiplicidade confusa de significados. Tomemos como exemplo o rigoroso critério utilizado por Antônio Flávio Pierucci para desenvolver seu estudo sobre encantamento do mundo, a partir da obra de Max Weber.
Por fim, os Ídolos do Teatro. A filosofia é preventiva em contrapartida com o modelo aristotélico que mostra um mundo fictício, que engendra ilusões. Esses ídolos alertam para as distorções fruto do uso acrítico de falsas teorias, de falsos sistemas filosóficos aceitos pela tradição. Exemplo, idéias com pompas filosóficas – filosofia para principiantes, filosofia pra crianças, EAD, etc.
“Os ídola, os vários e vãos fantasmas que assediam e perturbam a mente, tiram vida não só dos estudos e da educação, mas da própria natureza humana”, diz Rossi (pg. 76). E acrescenta: “São estes mundos fantásticos e estas ímpias construções que devem ser destruídos, a fim de que o intelecto tenha novamente condições de espelhar a realidade e afim de que seja preparado o tálamo para as núpcias da Mente e do Universo” (Rossi, pg. 76).
“Na raiz da teoria baconiana dos ídola está a convicção de que a situação da mente diante das coisas não é de fato a que deveria ser de direito. A obra de liberação e de purificação das mentes, para Bacon, coincide, desse modo, com uma reforma da atitude do homem diante do mundo (...). A luta contra as falsas imagens presentes no homem parece um meio para realizar a divina promessa e levar a bom termo a obra da redenção” (Rossi, pg. 77).
No aforismo XIX abandona-se o método dedutivo e pede-se o método indutivo; XX (a dialética como sinônimo de lógica; XXI (intelecto regulado); XXII (a escolástica não conhecia a indução, nem a experiência, por isso vai direto às generalizações. A indução parte dos elementos particulares até chegar ao geral); XXXVI (a nova ciência propõe um trato direto com as coisas (a natureza). É uma relação homem x natureza sem intermediários. Estamos diante das verdades de fato, que pedem um método indutivo); CVI (a indução é um método que é paulatinamente acompanhado, até que pela totalidade da experiência possa-se chegar à generalização.
Nota: método indutivo – a indução é um processo de eliminação, que nos permite separar o fenômeno que buscamos conhecer (que se apresente misturado com outros fenômenos da natureza) de tudo o que não faz parte dele. Esse processo de eliminação envolve não só a observação, a contemplação do fluxo natural dos fenômenos, como também a execução de experiências em larga escala, isto é, a interferência intencional na natureza e a avaliação dos resultados dessa interferência. Cabe ao processo indutivo multiplicar e diversificar as experiências, alterando as condições de sua realização, repeti-las, ampliá-las, aplicar os resultados; verificar as circunstâncias em que está ausente e as possíveis variações do fenômeno. É um método que quer abarcar por completo a natureza. É como se dividisse a natureza em partes controláveis. Bacon sugere que para controlar a natureza, o homem precisa obedecê-la. Podemos comparar a natureza a uma máquina e suas leis representam o seu mecanismo. Por outro lado, a dedução parte de um princípio geral, um axioma fundamental que é aceito sem crítica e que possivelmente está fundamentado na fé ou na necessidade.
Bacon propõe, para o pensamento científico, seguir o caminho oposto: partindo das sensações e das coisas particulares, de observações específicas, encontrar leis intermediárias, que, combinadas, podem gerar leis cada vez mais gerais, axiomas gerais, ascendendo contínua e gradativamente, até alcançar os princípios de máxima generalidade. Tal axioma geral deve uma vez verificado mediante prova ou exame, corresponder aos fatos particulares dos quais foi extraído. Bacon estabeleceu, assim, um roteiro de ação que disciplinou as práticas e o sentido dos cientistas dos séculos XVII, XVIII e XIX.
Ao contrário de Francis Bacon, que subordina a razão à experiência, seguindo um caminho de caráter indutivo, Descartes submete a experiência à razão, obrigando um percurso dedutivo. Bacon e Descartes são os pilares do consenso moderno em torno de um modo de produzir conhecimento.
LXXXV – o modelo de máquinas a que a natureza é comparada é a do relógio. Aqui se funda o mecanicismo, que vai de Galileu até Bacon;
XLVI (um dos pontos nevrálgicos para a instauração da modernidade). Aqui se trata da magia supersticiosa. O mistério não se rende à lógica, não se rende à explicação. A crença no misterioso é a base de toda a superstição. Aqui Bacon efetua um corte e rompo com qualquer idéia mística, que possa atrapalhar. A chave do encantamento é a magia, que tenta explicar fenômenos naturais. Como exemplo Bacon cita o caso do naufrágio, os ex-votos. A magia transforma o mundo em um mundo cheio de encantamemento.
Nota: o racionalismo ocidental tem uma forte expressão na modernidade. É o processo de desencantamento que levou a que a desintegração das concepções religiosas do mundo gerasse na Europa uma cultura profana. A propósito de um mundo desencantado. O projeto de desencantamento do mundo começa com Bacon. Em Pierucci (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Weber), o desencantamento do mundo começa com os hebreus, que vão unificar as divindades num Deus único, que vai representar uma doutrina estável, mandamentos, liturgia, codificação etc. Já é um primeiro processo de desencantamento do mundo. Esse processo vai culminar com o desencantamento moderno. De acordo com Antônio Flávio Pierucci, Weber usa o termo “desencantamento do mundo” em dois sentidos: ora, o desencantamento pela religião, ora pela ciência (pg. 42), embora alguns autores têm preferido adotar uma nova tradução técnica para Entzauberung. Em vez de “desencantamento” (...), respeitáveis estudiosos hoje propõem o uso da palavra “desmagificação” (pg. 46).
Dado o caráter polissêmico do termo, Antônio Flávio Pierucci diz que “o sintagma, o nome, o termo desencantamento do mundo continua com sua carga nada negligenciável de sugestividade, continua a acolher e nutrir possibilidades inúmeras de metaforização, continua propenso à diluição dos seus contornos lógicos, convite, por outro lado, ao adensamento filosófico de seus conteúdos no trabalho de reflexão sobre os grandes dilemas existenciais postos pelo processo de racionalização especificamente ocidental”.
LXXXVII – temos a atitude prodigiosa de um lado e a filosofia do outro. Dessas atitudes vem o encantamento. Então, aqui se encontram as fantasias, influência dos astros, adivinhações, revelações, etc. Em consórcio com a Filosofia vem a ciência, onde vamos ter: objetividade, cálculo, racionalidade, realidade empírica, natureza. Isso representa um mundo de desencantamento. Cria-se um projeto moderno de filosofia e ciência. O problema não é acreditar em fantasias, mas quando isso é tomado como ciência em filosofia. Temos um projeto moderno ao qual Weber vai chamar de desencantamento do mundo.
Marx com sua crítica ao sistema capitalista, Nietzsche com sua reavaliação do cristianismo e Freud com a descoberta do inconsciente inauguraram uma crítica ao modelo de um mundo desencantado.
LXII – grave problema, que é a mescla entre Filosofia e Teologia, mais especificamente entre Aristóteles e a Escolástica. A Teologia vai estar amparada na veneração e na fé. Estamos no domínio da magia, do encantamento. Este é o grande problema que envolve Aristóteles, ou seja, ter sido o responsável por um longo inverno de 15 séculos de magia e encantamento.
Para entender a oposição de Bacon à Escolástica, servimo-nos de alguns textos auxiliares à disciplina, porém não menos importantes que o que vem conduzindo todo o semestre, que é o Novo Organum, de Bacon. Nos Discurso preliminar da Enciclopédia, D’Alembert faz alusão a Bacon como o mais eloqüente dos filósofos, o qual dividiu as ciências em diferentes ramos. O método de Bacon, em meio às sombras, ele consegue aclarar um dos setores mais importantes da ciência e da filosofia – a contraposição da Luz (razão) com a Sombra (não-razão, ou seja, encantamento, magia). Bacon faz uma interpretação realista do mundo, que até então percorrera uma trajetória de ignorância. De Bacon a Kant a crítica à Escolástica vai estar sempre presente.
LXIII – as categorias aristotélicas serviram para predicar. O mundo seria possível de ser predicado. Tal predicação atravessa o homem, que acaba por romper seus laços com a natureza. Bacon prefere os pré-socráticos aos filósofos posteriores, porque considerava aqueles mais ligados à natureza.
Retomando o tema referente à Escolástica, não nos esqueçamos de lembrar que é no seio da Escolástica que nasce a Universidade, é lá o seu reduto maior. Nasce a universidade católica, universal (unidade na diversidade). E como o espírito era universal, o primeiro princípio a ser adotado foi a língua, o latim. Mas, o que nos interessa aqui neste ponto é a figura do Professor de Teologia, que nasce dentro da universidade católica. As abadias não conhecem até então essa figura. Todavia, ele, o professor, tem uma missão importantíssima: a fundamentação da doutrina do ponto de vista científico. Nos séculos XI e XII essa ciência se reduz a um nome: Aristóteles, principalmente com as obras Física, Metafísica, Política, etc. Trata-se, inegavelmente, de um trabalho gigantesco, monumental, mas nem por isso sem distorções nem imune às críticas de seus sucessores. Aristóteles tem uma concepção do mundo como gerado. É um tempo cíclico e um eterno retorno. Pois bem, esse professor de teologia tem a missão de tornar científica a fé cristã. Ele precisa, entretanto, de um método, que pudesse ser desenvolvido mediante lições e questões formuladas, debatidas à exaustão e finalmente sintetizadas. Desta forma, o método desenvolvido pelos teóricos da Escolástica, citemos aqui dois nomes de capital importância, que são Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, são as suas famosas sumas teológicas, dispostas em questões (disputaciones ordinarie), cujos artigos mostram as questões suscitadas, os artigos a elas vinculados, uma conclusão antecipada de cada artigo, seguida de uma solução; por fim, vem uma resposta a cada objeção, fechando a questão.
O pensamento filosófico de Francis Bacon representa a tentativa de realizar aquilo que ele mesmo denominou de Instauratio Magna, ou seja, a Grande Restauração. A realização desse plano compreendia uma séria de tratados que, partindo do estado em que se encontrava a ciência da época, acabaria por apresentar um novo método que deveria superar e substituir o de Aristóteles. Esses tratados deveriam apresentar um modo específico de investigação dos fatos, passando, a seguir, para a investigação das leis e retornavam para o mundo dos fatos para nele promover as ações que se revelassem possíveis. Bacon desejava uma reforma completa do conhecimento. A tarefa era, obviamente, gigantesca e o filósofo produziu apenas certo número de tratados. Não obstante, a primeira para da Instauratio foi concluída.
Digna de registro será a citação feita por Paolo Rossi (ROSSI: 1992, pg.;78): “A Instauratio configura-se então para Bacon como a tentativa de reconquistar aquilo que o pecado nos arrebatou. Surge como um retorno a um passado distante e perdido, às antigas e felizes condições de vida; é um caminho difícil e lento para reconduzir o homem ao seu originário estado de perfeição.” Ou mais precisamente, “trata-se de substituir essas filosofias não por uma filosofia que pretenda ocupar o lugar daquelas movendo-se no mesmo terreno, mas por uma atitude nova diante da natureza, uma atitude que requer não só um novo método de transmissão do saber e de comunicação entre mentes, mas também um novo conceito de verdade, uma nova moralidade, uma lenta e paciente obra de refinamento e purificação do intelecto” (ROSSI, 1992, pg. 64). Estão nestas últimas palavras todo o projeto restaurador de Francis Bacon.
Em seu estudo acerca da oposição Aristóteles versus Escolástica, Rossi diz que Bacon desde os 16 anos “sentiu pela primeira vez um sentimento de decidida aversão pela filosofia de Aristóteles”. Para Rossi, “a idéia de que o gênero humano se perdeu a si próprio e avançou tateando, como um cego, pelo caminho difícil do saber é um dos elementos centrais da filosofia de Bacon” (ROSSI: 1992, pg. 63). A discussão ganha contornos mais acalorados quando Rossi, considerando o caráter religioso de Bacon, não se espanta quando o pensador compara Aristóteles ao Anticristo: “ Se há alguém em filosofia que veio em seu próprio nome, este é Aristóteles que em cada argumento só pediu conselho a si próprio, que desprezou de tal modo a antiguidade, que só se dignou a nomear algum dos antigos apenas para refutá-lo e insultá-los” (cit por Rossi, 1992: pg. 66). A filosofia escolástica parece a Bacon uma típica forma de impostura religiosa.
Bacon coloca sobre os ombros da Escolástica a responsabilidade histórica do processo de afastamento de Deus e das Escrituras à filosofia “contenciosa e desordenada de Aristóteles”, gerando uma situação extremamente danosa para o progresso do saber.
Os ataques ao binômio Aristóteles/Escolástica se sucedem em cascata de forma espetacular, se é que me é permitido chegar a tais exageros. Rossi fala do interesse de homens como John Colet, Thomas Morus e Tybdale, para os quais seria necessário um retorno à original pureza da fé cristã. “John Colet, segundo Rossi, falava da arrogância de Tomás de Aquino e via na sua obra uma tentativa de misturar a doutrina de Cristo com as filosofias profanas” (Rossi: 1992, pg. 70). Morus afirmava que era necessário voltar à compreensão dos textos de Agostinho e Jerônimo, de Ambrósio e Cipriano, entre outros, porque esses textos “e não naquelas insignificantes “questões” de moda estava solidamente presente a base da teologia cristã” (Rossi, 1992, pg. 70).
Para concluir, Rossi escreve: “A Instauratio configura-se então para Bacon como a tentativa de reconquistar aquilo que o pecado nos arrebatou. Surge como um retorno a um passado distante e perdido, às antigas e felizes condições de vida; é um caminho difícil e lento para reconduzir o homem ao seu originário estado de perfeição.” Eis, em poucas palavras, o grande projeto restaurador de Bacon.

Aracaju/Se, 14/05/09.

RECEPÇÃO DA CRÍTICA À OBRA DE HUME SOBRE A ORIGEM DA CRENÇA RELIGIOSA
Rinaldo de França Lima[1]

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo empreender uma curta análise da obra História Natural da Religião, de Davi Hume (1711-1776), dando destaque maior à crítica que referida obra recebeu à época de sua publicação. O método utilizado pelo autor deste ensaio foi o da leitura atenta do texto e das publicações auxiliares, tendo como cuidado maior não se distanciar do verdadeiro pensamento de Hume. Trata-se de uma das primeiras obras a se debruçar sobre o fenômeno da crença religiosa apenas como uma manifestação da natureza humana e não como uma conseqüência da existência de Deus. Trabalharemos neste ensaio monográfico o contexto e a recepção da obra por parte da crítica especializada de então.
Palavras-chave: Religião – Crença Religiosa – Crítica – Natureza Humana - Superstição.

“Não existe um absurdo teológico tão evidente que não tenha sido adotado, um dia ou outro, por homens dotados do mais vasto e mais refinado entendimento. Nenhum preceito religioso é tão rigoroso que não tenha sido adotado pelo mais libidinoso e mais dissoluto dos homens”.
(David Hume, História Natural da Religião, pg. 126.)


A) Introdução

David Hume (1711-1776), que juntamente com Berkeley e Locke compõe a tríade representativa do empirismo britânico, é um divisor de águas no que concerne ao estudo do fenômeno da crença religiosa. A obra que pretendemos analisar e, simultaneamente, apresentar algumas intervenções críticas, foi publicada pela primeira vez em 1757. Trata-se de uma das primeiras obras a se debruçar sobre o fenômeno da crença religiosa apenas como uma manifestação da natureza humana e não como uma conseqüência da existência de Deus. Trabalharemos neste ensaio monográfico o contexto e a recepção da obra por parte da crítica especializada de então.
Escocês de nascimento, Hume descende de uma família abastada de Berwickshire, nas proximidades de Edimburgo. Foi um pensador politicamente liberal, mas de religião calvinista.
Por volta dos 15 anos de idade seus interesses intelectuais se voltam para a filosofia. Foi nesta época que começou a fazer sérios questionamentos acerca da religião. Desde muito cedo, portanto, o jovem filósofo mostrara-se preocupado com temas como as provas da existência de Deus e também com o outro lado da moeda: o ateísmo. Ainda por esta época, Hume vai sofrer a influência do cético francês Pierre Bayle (1647-1706), celebrizado por sua obra “Pensées diverses écrites a um docteur de Sorbona e l’ocasion de la comete que parut au mois de décembre 1680”[2], para esclarecer que os cometas não constituem presságio de algum mal. Nesta obra, em outras palavras, Bayle procura explicar a aparição do cometa Halley em 1680 nos céus da França sob uma a perspectiva puramente natural, fenomenológica, e não do ponto de vista supersticioso. Obviamente, que a publicação, na verdade um artigo, causa forte rebuliço em toda a população. O evento – a publicação do artigo e não o cometa em si – caiu como uma bomba sobre os meios filosófico e religioso de então.

B) A obra – A crítica

Hume, em suas abordagens acerca das questões religiosas, sempre manteve uma postura de muita cautela. E tinha bons motivos para assim se comportar. Vivia-se uma época de acirradas perseguições religiosas, acompanhadas de inimagináveis rituais de tortura e muitas vezes culminando com a morte do supliciado. Muitos casos mereceram destaque em face das atrocidades levadas a cabo pelo Tribunal do Santo Ofício, desde cortar línguas, trabalhos forçados e por último a morte na fogueira. Para aqueles que tentavam escrever sobre ou contra concepções religiosas, cautela era a palavra de ordem. E Hume, inteligentemente, foi um mestre na arte de saber mostrar-se com muito cuidado nessas situações. Ele próprio se autocensurava, como o mostram suas cartas.
As primeiras críticas ao seu trabalho sobre a origem das religiões remontam ao seu Tratado da natureza Humana, publicado em duas etapas diferentes e antes dele completar 30 anos de idade - uma em 1739 e a outra em 1740. Tais críticas iniciais apareceram de forma anônima e chamava a atenção para um possível “efeito pernicioso sobre as opiniões ou a moralidade dos homens”, segundo citação de James Fieser[3]. Ainda de acordo com Fieser, “outra crítica julgava que a explicação da causalidade oferecida pelo Tratado tinha “anulado completamente o argumento a priori a favor da existência divina[4]”.
Em 1741 e 1742, Hume publica seus Ensaios morais e políticos, dos quais dois continham críticas discretas à religião: Da superstição e do entusiasmo e Dos partidos em geral. No primeiro, Hume mostra que as superstições religiosas e o fanatismo são imanentes à religião, sendo que o fanatismo está mais ligado às liberdades civis; no segundo caso, Hume tenta explicar o surgimento das guerras religiosas como conseqüência da intolerância injustificada e do dogmatismo excessivo das doutrinas.
A partir daí, a crítica de Hume à religião deixa de ser velada e passa a ser mais direta, o que torna suas obras mais visadas aos olhos de seus adversários. No ensaio Do caráter nacional, de 1748, Hume desfere violento ataque ao clero, acusando-o de ser uma profissão calcada na ambição, na vaidade e na vingança. Esta nota constitui-se num alvo predileto por parte da Igreja para empreender acirrados revides ao filósofo.
Entretanto, suas duas obras mais expressivas sobre religião são: História natural da religião e os Diálogos sobre a religião natural. A primeira, publicada em 1757, e os Diálogos, por sugestão de amigos que queriam manter Hume longe das controvérsias religiosas, ficaria inédito até 1779, ou seja, três anos após a morte do filósofo. As duas formam um todo e devem ser compreendidas conjuntamente. Na História natural da religião, Hume começa dando duas explicações distintas para o que se chama de crença religiosa. Ele diz que as pessoas tendem a ser levadas à crença religiosa por dois motivos: ou por argumentos racionais ou psicológicos, que são completamente independentes de qualquer fundamento racional, como, por exemplo, o medo.
Nos Diálogos sobre a religião natural, Hume examina a possibilidade de uma fonte racional para a crença religiosa, na forma de um diálogo entre dois teístas (Cleantes e Demea) e um cético (Filo), sendo este o personagem que empresta voz para as teses de Hume. Filo procura e praticamente destrói todos os argumentos sobre a existência de Deus, principalmente o Argumento do Desígnio, segundo o qual a existência do mundo pressupõe a existência de um criador supremo e divino, Deus. Assim, os Diálogos ocupam-se quase exclusivamente do argumento do desígnio a favor da existência de Deus. O argumento do desígnio, como veremos logo a seguir, é o seguinte: existe ordem, complexidade e estrutura da natureza. Estas características não seriam possíveis sem a existência de um criador inteligente. Logo, existe um criador inteligente, Deus. Em resumo, as duas obras constituem uma completa rejeição da crença religiosa. Desidério Murcho[5], ao resenhar a edição da História natural da religião, da Editora Gulbenkian, Lisboa, 2005, nos diz que é

“...é uma obra de menor interesse filosófico, mas de inegável interesse histórico, nomeadamente para os estudos religiosos. Trata-se de um dos primeiros estudos da religião comparada, estudo que se tornaria mais tarde muitíssimo popular. Nesta obra, Hume desenvolve o seu poder de observação e análise de pendor naturalista, comparando várias religiões, na altura documentadas, e procurando avaliar os seus pontos fortes e fracos. Lido conjuntamente com os Diálogos, esta obra oferece uma compreensão aprofundada das posições de Hume sobre a religião – posições que infelizmente nunca com toda a frontalidade, para não afrontar aqueles que a ele o afrontaram.[6]”.

Neste ponto, julgo pertinente, para efeito de melhor compreensão das obras citadas, dissertar algumas linhas acerca do Argumento do Desígnio, dogma sobre o qual se debruçou Hume com o fito de rejeitar e anular, em face da sua fragilidade. Comecemos pelo ponto inicial, Deus. Se Ele existe, há um propósito para a vida humana e podemos até ter a esperança de uma vida após a morte. Mas, se ele não existe, é preciso que criemos um mecanismo que dê algum sentido à nossa vida. O teísmo é uma perspectiva segundo a qual existe um Deus onipotente, onisciente e benevolente. Esta é em geral uma visão aceita por cristãos, judeus e muçulmanos e é o ponto de partida para boa parte dos filósofos da religião.
O Argumento do Desígnio, também chamado de Argumento Teleológico, afirma que se olharmos para o mundo que nos cerca, não podemos deixar de ver que tudo se encaixa de forma precisa. Ou seja, tudo dá a impressão de ter sido feito por um grande artífice divino e projetado para um fim. Trata-se de um argumento que obtém, a partir de um efeito, a causa. É um argumento por analogia, ou seja, se duas coisas são semelhantes em alguns aspectos, muito provavelmente o serão em outros. É o que Hume vai denominar de Princípio do Fechamento. Dito de outra maneira, se o Sol nasceu há bilhões de anos todos os dias, provavelmente nascerá amanhã, mas eu não posso ter certeza absoluta que tal fenômeno irá acontecer. Hume vai mostrar que o argumento defendido pelos contendores teístas do diálogo é fraco e não se sustenta.
As armas de Hume contra o Argumento do Desígnio são muito fortes nas duas obras citadas, a História e os Diálogos. A principal objeção feita pelo nosso filósofo é a de que o tal argumento se baseia numa analogia fraca. Tenhamos em mente que a teoria de Darwin sobre a seleção natural fornece ao fenômeno uma explicação alternativa que é amplamente aceita. A teoria de Darwin enfraquece o Argumento do Desígnio de tal forma que o impede, assim, de ser uma prova da existência de Deus.
Enfim, o Argumento do Desígnio é totalmente incapaz de servir de apoio ao monoteísmo, ou seja, a existência de um Deus único. Em segundo lugar, não dá nenhuma sustentação para a tese de que o projetista maior era onipotente. Em poucas palavras, o Argumento do Desígnio não pode provar a existência do Deus dos teístas.
Finalmente, sobre benevolência e onisciência, a idéia mais aceita é de que o mal que há no mundo estaria na origem de um Deus com essas características. Ou seja, um Deus onisciente que saberia que o mal existe, e que, portanto, poderia evitá-lo; e um Deus benevolente que não iria deixar que o mal existisse. E, no entanto, o mal existe.
Quando os Diálogos foram publicados, em 1779, as reações foram controversas. Os amigos e admiradores consideraram-na uma obra habilmente acabada. Entretanto, seus detratores a rotularam como sendo um perigo para a religião. Numa resenha dos Essays on suicide and the Immortality of the soul, de 1783, lê-se o seguinte trecho, conforme cita James Fieser[7]:

“Os princípios que o Sr. Hume tenta defender são desprezíveis e perniciosos, tendo uma tendência para afrouxar os laços da sociedade, para subverter o fundamento da religião, para rebaixar a natureza humana, para extinguir toda nobre emulação, para denegrir toda a criação, e para frustrar nossas mais sublimes intenções e esperanças”.

Hume tinha três grandes objetivos na sua História Natural da Religião. O primeiro era estabelecer que o politeísmo foi a primeira religião dos homens; o segundo, estabelecer “quais são os princípios que engendram a crença original, e quais são os acidentes e causas que regulam sua operação[8]”, conforme cita Fieser em seu ensaio. Hume, segundo esse autor, entra num longo debate sobre as causas da crença religiosa; o terceiro objetivo de Hume é fazer uma comparação entre politeísmo e monoteísmo, e demonstrar que um não é superior ao outro. Ou seja, cada um tem suas vantagens e também desvantagens.
Ainda de conformidade com Fieser, há quem sustente que Hume “tinha um plano oculto quando comparou o monoteísmo e o politeísmo, esperando simplesmente solapar o primeiro ou colocá-lo contra o último[9]”. Importante notar que nas últimas seções da História Natural Hume faz uma separação entre a crença religiosa e a moralidade, defendendo que o ateísmo é moralmente preferível ao teísmo. Diz-nos o filósofo que “a conduta virtuosa não é mais que aquilo que devemos à sociedade ou a nós mesmo[10]”. Nesta frase não são poucas as inferências que qualquer leitor pode extrair. O próprio Hume, sempre tão cuidadoso e discreto em seus pareceres, não poderia ter sido tão sutil e ao mesmo tempo tão claro.
Após a publicação da História natural, três resenhas de revistas literárias da época se destacaram. A “Monthly Review” começa elogiando Hume, mas diz que o filósofo prejudica a autoridade da religião, na medida em que faz alusões indiretas e falsas insinuações “que somente enchem a mente com as desconfortáveis flutuações do ceticismo, e a melancolia da infidelidade[11]”, conforme citado por Fisier. Entretanto, a resenha é concluída em termos mais amenos acerca de Hume, quando diz que a obra

“está cheia de reflexões inteligentes, e observações justas, sobre a natureza humana: misturadas com uma grande parcela daquele espírito cético que é tão evidente em todas as suas obras, e com algumas insinuações, habilmente ocultas, contra a religião cristã”.

A segunda resenha, desta feita uma publicação da “Critical Review”, uma espécie de concorrente da anterior, é mais áspera em seu julgamento a respeito do pensamento do nosso filósofo na obra sob referência. Diz a publicação que a obra foi “escrita com um grande grau de prudente circunspecção”, mas que no fundo “revela suficientemente aquela divergência cética das opiniões aceitas”. E conclui o resenhista com uma advertência, dizendo que “autores de reconhecida e distinta habilidade como o Sr. Hume, devem sempre ser lidos com atenção e cuidado, em especial sobre assuntos dessa natureza, porque onde existe um poder para agradar e persuadir existe também um poder para enganar e seduzir”. Vejamos a conclusão da resenha, conforme cita Fieser[12]:

“...não nos deparamos com aquela inovação, ou força de argumento que esperamos de um autor de tão distinta capacidade. Nem podemos na realidade perceber [...]para que fim ou propósito esta dissertação foi escrita. Um defeito da parte do autor na organização de suas noções, e como falta de método e coerência é também visível do começo ao fim, ocasionado talvez por alguma castração do original.”

Por fim, uma terceira resenha, publicada numa revista de curta duração, a “Literary Magazine”, também apresenta as suas acerbas críticas sobre a obra. Esta publicação dá conta de que Hume, não sem propriedade, apresenta na obra poucas posições relevantes, ou nenhuma, as quais são encontradas em outros escritos sobre o tema. Para este resenhista, as explicações psicológicas de Hume acerca das religiões são expostas numa perspectiva apenas provável, todavia diz que os talentos de Hume podem sim ser empregados a serviço da religião.
Outras críticas se sucederam às três resenhas linhas acima mencionadas, dão conta de que o alvo comum a todas era a tese de Hume, segundo a qual o politeísmo teria sido a religião original dos homens. Alguns críticos o acusavam de ir além dos limites da liberdade de expressão. Outros o atacavam em face de sua afirmação segundo a qual “os antigos eram demasiado ingênuos para desenvolver um conceito de monoteísmo a partir do desígnio natural”, para utilizar as palavras de Fieser. Voltaire também contesta Hume, posicionando-se em situação totalmente inversa, ou seja, para este pensador as pessoas “começaram adorando apenas um Deus, e que depois a fraqueza humana adotou vários outros”. De acordo com Fieser, Voltaire não identifica diretamente Hume como seu alvo, mas começa mencionando “outro sábio, muito mais filósofo, que é um dos metafísicos mais profundos dos nossos dias, de fortes razões para provar que o politeísmo foi a primeira religião dos homens[13]”.
Muitos outros críticos somam-se aos anteriormente citados, conforme diz James Fieser. Caleb Fleming “critica a afirmação de Hume de que a religião é fundada em princípios da imaginação, como opostos a provas racionais de um único criador[14]”. Este crítico conclui que Hume desmascarou de forma admirável a superstição. Outro crítico, James Chelsum, acusa Hume de ser um declarado “defensor da razoabilidade e mesmo da probabilidade dos sistemas da antiga mitologia pagã”. Mas, segundo James Fieser, é William Warburton[15], um dos principais teólogos da época e também um dos mais perspicazes e diretos críticos do filósofo. Destaque-se que a obra Renarks constitui-se na crítica mais ácida à História natural da Religião.
Hume faz referência a Warburton em sua autobiografia, salientando que a recepção à História natural da religião foi tão medíocre que, mesmo ante toda a arrogância de seu detrator, ainda assim sentia algum consolo. Entretanto, Fieser não concorda que a História natural tenha tido uma repercussão tão inexpressiva, como achava Hume, considerando as três resenhas que apareceram em apenas dois meses.

C) Conclusão

Por fim, passadas as reações do século XVIII à obra do pensador escocês, no século seguinte, dadas as transformações do pensamento científico e filosófico no que concerne à religião, as reações à obra de Hume também mudaram, e os novos leitores lançaram-lhe novos olhares, novas leituras foram feitas, e suas obras passaram a ser mais valorizadas. A História se encarregou de coroar quem de fato fez jus aos louros da vitória. E se volvermos nosso olhar para o passado, é inegável que David Hume teve um projeção incomparavelmente superior a William Warburton.
Na História natural da religião, em verdade Hume trata da gênese e das causas que dão origem ao fenômeno da origem da crença religiosa; trata igualmente das suas conseqüências sobre a vida e a conduta dos cidadãos e também das variações cíclicas entre o politeísmo e o monoteísmo. Foi Hume um dos primeiros pensadores a examinar a crença religiosa como um manifestação da própria natureza humana, como ficou explicitado nas primeiras linhas deste trabalho, e não como uma pressuposição na existência de Deus. Para Hume, enfim, a experiência religiosa é ditada pelas paixões. E é o desconhecido que gera nas mentes humanas o medo do futuro. São as situações de medo que, inegavelmente, levam as pessoas à condição de exacerbada superstição.
As convicções de Hume, bem como seus argumentos sobre sua tese segundo a qual o politeísmo foi a religião primitiva dos homens, são fortes, consistentes de forte poder de convencimento do leitor. Em seu livro Obras sobre religião[16], Hume afirma que “se consideramos os avanços da sociedade desde as suas rudes origens a um estado de maior perfeição, o politeísmo e a idolatria foram, e não poderiam ter deixado de ser, a primeira e mais antiga religião da humanidade.” E completa dizendo que quanto mais recuamos no passado, mais vemos a humanidade imersa no politeísmo e na idolatria. E vai mais além argumentando que
“parece ser impossível que o teísmo tivesse podido ser a primeira religião da raça humana, e que depois, devido à sua corrupção, tivesse originado o politeísmo e todas as várias superstições do mundo pagão. Quando é óbvia, a razão impede essas corrupções; quando é abstrusa, mantém os princípios completamente afastados do conhecimento do vulgo, que é o único responsável pela corrupção de qualquer princípio ou opinião[17].”

O homem primitivo era um caçador e coletor de alimentos para a sua subsistência. E os resultados de sua empresa viriam, não raro, de forma adversa ao que ele esperava. Ou seja, poderia lhe ser favorável, ou não. O medo constante das intempéries pairava sobre aquelas cabeças primitivas como uma nuvem de desespero que cerceava suas expectativas de prazer e satisfação de suas necessidades básicas. Desta forma, esses selvagens viviam receosos de fazer alguma coisa que pudesse contribuir para que as coisas dessem errado. Era natural naqueles homens saber que um longo período de bonança poderia ser sucedido por outro período de calamidades, como enchentes, secas, terremotos, etc. e foi nesse cenário de insegurança e pavor que as formas primitivas de religião começaram sua evolução.

OBRAS CONSULTADAS

1. HUME, David. História da religião natural. Tradução, apresentação e notas de Jaimir Conte. – São Paulo: Editora UNESP, 2005.
2. HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. Tradução de José Oscar de Almeida Marques ; Prefácio de Michael Wriglei. – São Paulo : Martins Fontes, 1992. – (Clássicos).
3. MURCHO, Desidério. Resenha a Diálogos sobre a Religião Natural e Obras sobre Religião. Disponível em: http://criticanarede.com/html/rel_dialogos.html - Acesso em 19 ago 2009.
4. FIESER, James. História natural da religião, de David Hume, introdução do Editor. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser4.pdf . Acesso em: 20 nov. 2009.
[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Sergipe.
[2] Pensamentos diversos escritos a um doutor da Sorbonne por ocasião do cometa que apareceu no mês de dezembro de 1680.
[3] James Fieser é professor de filosofia da Universidade do Tenessee.
[4] FIESER, James. História natural da religião, de David Hume, introdução do Editor. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser4.pdf . Acesso em: 20 nov. 2009.
[5] Professor de Lógica e Metafísica do Departamento de Filosofia da Universidade de Ouro Preto/MG.
[6] MURCHO, Desidério. Diálogos sobre a Religião Natural e Obras sobre Religião. Disponível em http://criticanarede.com/html/rel_dialogos.html - Acesso em 19 ago 2009.
[7] Cf. matéria citada, p. 6.
[8] Cf. matéria citada, p. 8.
[9] Idem, p. 9.
[10] HUME, David. História natural da religião, p. 118.
[11] Idem , p. 10.
[12] Cf. matéria citada, p. 10.
[13] Cf. matéria citada, p. 11.
[14] Idem, p. 12
[15] Nascido em Newark, Inglaterra, e morre em 1779.
[16] Tradução de Pedro Galvão, retirado de Obras sobre a Religião Natural, de David Hume – Lisboa: Gulbenkian, 2005. Disponível em: http://criticanarede.com/html/rel_hume2.html , Acesso em 19 nov 2009.
[17] Idem.

PARA ENTENDER O ARGUMENTO DO DESÍGNIO
1. Deus
Se Deus existe, há um propósito para a vida humana, e podemos até ter esperança de vida eterna. Se não, é preciso criar por nós mesmos algum sentido para nossa vida.
O ponto de partida para boa parte da filosofia da religião é uma doutrina mais geral sobre a natureza de Deus conhecida como teísmo. É o ponto de vista segundo o qual existe um Deus onipotente, onisciente e benevolente. Em geral, é a visão sustentada por cristãos, judeus e mulçumanos.
2. Argumento do Desígnio
É o mesmo que Argumento Teleológico, que afirma que, se olharmos para o mundo natural à nossa volta, não poderemos deixar de notar como tudo nele se adéqua à função que executa: tudo traz a evidência de ter sido projetado para um fim. Trata-se de um argumento que obtém, a partir de um efeito, a causa. É um argumento por analogia: se duas coisas são semelhantes em alguns aspectos, muito provavelmente serão semelhantes em outros.
Existem fortes argumentos contra o Argumento do Desígnio, a maioria levantada pelo filósofo David Hume (1766-1776) em seus póstumos Diálogos sobre a religião natural e na Seção XI de seu livro Investigação sobre o entendimento humano.
3. Críticas ao Argumento do Desígnio
Uma objeção ao argumento é que ele se baseia em uma analogia fraga. A teoria de Charles Darwin fornece ao fenômeno uma explicação alternativa amplamente aceita. A teoria de Darwin enfraquece o Argumento do Desígnio. Ela impede o Argumento do Desígnio de ser uma prova conclusiva da existência de Deus.
4. Limitações à conclusão
Primeiro, o argumento é completamente incapaz de servir de apoio ao monoteísmo; segundo, não corrobora necessariamente o ponto de vista de que o projetista (ou projetistas) era(m) onipotente(s). Sozinho, o Argumento do Desígnio não pode provar a existência do Deus dos teístas, apenas a de algum tipo de deus inespecífico.
Finalmente, sobre benevolência e onisciência, é idéia comum que o mal que há no mundo atesta contra um deus com essas qualidades. Um Deus onisciente saberia que o mal existe; um Deus onipotente seria capaz de impedi-lo de ocorrer; e um Deus benevolente não ia desejar que ele existisse. Mas o mal existe.
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