terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Momento Filosófico

Nesta seção estão incluídos alguns momentos filosóficos. São pequenos trechos que normalmente contemplam citações e momentos relacionados com a filosofia. Fazem parte de uma coletânia originada de e-mails que mando para um seleto grupo de amigos, uns estudantes de filosofia, outros apenas amantes.

15/02/2011
O texto abaixo é um resumo do capítulo 9 da obra OS CÃES FILÓSOFOS: História da Filosofia de Resistência, de autoria do filósofo brasileiro Hélio Soares do Amaral. A obra “consiste em narrar as origens e o desenvolvimento da filosofia de uma linhagem intelectual que ousava pensar com independência, à moda de cães, face ao racionalismo socrático." ("orelhada" minha).
Lembro que o movimento dos cínicos começou com Antístenes, Diógenes e Cratês. Neste capítulo, o autor (Hélio Soares do Amaral) traça um perfil do Nazareno (Jesus), que a muitos pode não agradar. Mas...

“O perfil de Jesus é assombroso.
A narrativa do autor que se intitula Mateus – apropriação indébita do Apóstolo de mesmo nome – de que Maria foi fecundada por Deus esconde uma acusação de que Jesus ouviu a vida inteira de que a gravidez de sua mãe fora adúltera para os padrões ortodoxos.
As expressões “filho unigênito de Deus”, “primogênito entre as criaturas” são jargões evangélicos ou epistolares – propaganda – para o serviço da fé.
Então, o que fez o Nazareno para merecer origem tão prodigiosa? A crer pelos irmãos e pela mãe, nos textos canônicos, nada.
Jesus recusa-se a deixá-la entrar [a mãe] no recinto em que está falando.
Em outras oportunidades Jesus irrita-se quando uma mulher diz “abençoado o ventre que te trouxe” (Lc 11,27) e se queixa da rejeição da “própria família” e em sua “própria casa” (Mc. 6,4). “Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai...não pode ser meu discípulo” é uma bofetada.
Com o aparecimento do título Kristós, dado pelos kristianoi – cristãos = ungidos – de origem cipriota em Antioquia, ficou sendo Jesus Cristo até hoje.
Se se der crédito ao evangelho de João (2,4), Jesus não “perdoara” a mãe por ocasião das Bodas de Caná: “o que temos eu e tu com isto, mulher?”. O mesmo evangelho refaz a situação pondo Maria ao pé da cruz num episódio claramente inventado, pois que os discípulos, todos, fugiram e as mulheres acompanhavam de longe, não havendo testemunhas oculares já que a vítima morria solitária, de acordo com a lei vigente.
Parece que a morte na cruz reconciliou a família, post factum . Tiago [“meio-irmão”] está à testa da comunidade herdeira, de Jerusalém, dois anos depois, tendo sido sucedido por um primo de Jesus, Simão, até o ano 107.
O período de vida de Jesus conhecido, o da pregação, foi curto. Uns estudiosos dão-lhe alguns meses de vida pública, outros, dois anos e três meses mais ou menos.
Os aprendizes de Jesus adotaram os hábitos e o costume dos filósofos cínicos de ir dois a dois, evitando aglomerações.
Jesus tinha um irmão importante em Jerusalém, Tiago o Justo, citado com João Batista em Josefo [Flávio Josefo]. O irmão mais velho de Jesus tinha amigos poderosos em Jerusalém. Parece que o avô de ambos, Joaquim, era rico.
Neste perfil de Jesus tem importância uma família especial, a dos irmãos Maria, Marta e Lázaro, em Betânia, nas proximidades de Jerusalém.
De Jesus se disse que fundou uma religião, o cristianismo. Não, o cristianismo foi obra coletiva, foi forjado nas koinonias, thissoi e collegia. A Jesus coube a invenção de determinada espécie de vida e de costumes cotidianos para agir como disciplina da vontade, para afastar o tédio.
Jesus foi um nó com milhões e milhões de conexões."

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
AMARAL, Hélio Soares do. Os cães filósofos: História da filosofia de resistência. In: Cão Divino no Bosque de Adônis (PP. 49-58). – São Paulo: Annablume, 2006. 170 p.


27/01/2011
"Uma das características definidoras da filosofia analítica [é] a preocupação com a análise do significado de conceitos como forma privilegiada de tratamento das questões centrais da experiência humana(...). Na fase inicial da filosofia analítica acentuou-se a ruptura com a tradição, tratando-se do que se poderia chamar (...) de fase de quebra de paradimas, a fase revolucionária em que a filosofia que emerge se volta contra a tradição anterior então em crise.
Em seguida, a filosofia analítica entra (...) em sua fase de ciência normal, constituindo uma tradição se não hegemônica pelo menos em larga escala dominante nos países de língua inglesa. A nova tradição (...) tende a favorecer a exegese textual de seus textos fundadores e o comentário a eles.
Uma tradição filosófica se mantém viva quando se renova, quando é capaz de gerar novos problemas, quando seus problemas e o modo de tratamento deles permanecem atuais, quando encontra bons leitores e intérpretes que a levem adiante.
A filosofia está sempre em permanente discussão com o seu passado, e a filosofia analítica não é uma exceção, mesmo que por vezes não tenha admitido isso, considerando-se livre dos pressupostos da tradição. Contudo, reconhecer sua herança é tão importante para uma corrente filosófica quanto é para os filósofos de uma determinada corrente evitar falar apenas para eles mesmos, devendo buscar sempre ampliar o círculo de seus interlocutores, única forma de renovar-se e permanecer relevante para o debate contemporâneo."

Caros amigos, o texto acima é um compacto de um artigo publicado pelo Danilo Marcondes na revista FILOSOFIA ESPECIAL, ano II, numero 9, sob o título Maturidade Pluralista, no qual discorre sobre filosofia analítica. Prestem atenção nos dois últimos parágrafos. São importantes para entendermos o quanto é importante o debate amplo em todos os segmentos da filosofia. Danilo Marcondes é doutor pela University of Saint Andrews na Grã Bretanha, professor titular de filosofia da PUC-Rio e professor adjunto de Filosofia da Universidade Federal Fluminense, trabalha sobretudo com filosofia da linguagem de tradição analítica, principalmente a pragmática.

25/08/2010
Por considerar bastante interessante a participação do "Kalós" Guilherme no MF abaixo, achei por bem publicar seu texto na íntegra:
"Essa discussão do Onfray sobre a hegemonia da tradição metafísica nos currículos de filosofia e mesmo da 'oficial' história da filosofia, de influência notadamente platônica e hegeliana, é muito interessante. Recentemente (já há alguns poucos anos), o Onfray se empenhou em 're-contar' a história da filosofia, trabalhando até hoje para construir o que ele chamou de Uma CONTRA-história da filosofia.

Nesta obra, além de uma crítica acerca do lugar na metafísica na tradição filosófica, Onfray passa a re-compor a história da filosofia a partir dos autores 'esquecidos' pela 'história oficial' da filosofia, ou seja, a partir de autores tidos pela nossa tradição como 'menores', como os cínicos, materialistas, sofistas, ateus, libertinos, etc... Onfray nos conta uma outra história da filosofia, seguindo movimento inverso da tradição hegemônica que perdura até os nossos dias, analisando não somente a importância destes autores, como também os motivos que levaram os gigantes da filosofia a os relegarem ao ostracismo.

Independente de se acreditar ou não no argumento de Onfray, penso que pelo menos a discussão é muito interessante (aliás, pelo menos ponderar sobre os argumentos, é parte fundamental do nosso métier...)!

A quem interessar possa, a coleção chama-se, em português, Contra-história da filosofia, e está sendo publicada pela editora Martins Fontes. Já foram traduzidos 3 volumes para a nossa língua dos 5 já publicados na França (até onde eu acompanhei; mas soube por um colega que o sexto volume já foi publicado na França; eu não confirmo a informação...). Para quem souber ler em francês, no Brasil não é difícil de encontrar também os volumes 4 e 5 (estão disponíveis para venda em grandes livrarias - ex.: livraria saraiva, livraria cultura). O projeto do Onfray é de publicar aproximadamente 9 volumes (salvo engano...)."

13/08/2010
"...pressuposto que se é uma pessoa, tem-se também, necessariamente, a filosofia de sua pessoa: no entanto, há uma diferença relevante. Em um são suas lacunas que filosofam, em outro suas riquezas e forças.

Toda a filosofia que coloca a paz mais alto do que a guerra, toda ética com uma convicção negativa do conceito de felicidade, toda metafísica e física que conhecem um termo final, um estado terminal de qualquer espécie, todo preponderante desejo estético ou religioso por um à-parte, um além, um fora, um acima, permitem que se pergunte se não foi a doença aquilo que inspirou o filósofo. (...) Eu me perguntei se (...) a filosofia até agora não foi em geral somente uma interpretação do corpo e um mal-entendido sobre o corpo. Por trás dos mais altos juízos de valor (...) estão escondidos mal-entendidos sobre a índole corporal, seja de indivíduos, seja de classes, ou de raças inteiras.

...Em todo filosofar até agora nunca se tratou da "verdade", mas de algo outro, digamos saúde, futuro, crescimento, potência, vida...

Nós filósofos não temos a liberdade de separar entre alma e corpo, como o povo separa, e menos ainda temos a liberdade de separar entre alma e espírito. Não somos rãs pensantes, nem aparelhos de objetivação e máquinas registradoras com vísceras congeladas - temos constantemente de parir nossos pensamentos de nossa dor e maternalmente transmimtir-lhes tudo o que temos em nós de sangue, coração, fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino, fatalidade.

FONTE:

NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Coleção "Os Pensadores" - Prefácio da Segunda Edição (1886) - Ed. Nova Cultural - São Paulo.

16/07/2010

Título Original: Freud - EUA 1962

Atores: Montgomery Clift, Susannah York, Larry Parks, Susan Kohner, Eileen Herlie, Fernand Ledoux, David McCallum, Rosalie Crutchley, David Kossoff, Joseph Fürst, Alexander Mango, Leonard Sachs, Eric Portman

Diretor: John Huston

Sinopse: A Versátil, sob licença da Screen Media Ventures, apresenta o inédito Freud, Além da Alma, aclamado clássico do mestre John Huston sobre a vida de Sigmund Freud (1856 - 1939). Esta caixa com 2 DVDs traz o filme em versão integral e muitos extras, incluindo um depoimento do Prof. Renato Mezan (PUC), um dos maiores especialistas brasileiros na obra de Freud, e o documentário Freud em Viena.
O roteiro cobre o período da vida de Freud desde sua graduação em Medicina na Universidade de Viena até o desenvolvimento de suas primeiras teorias psicanalíticas, relacionando suas descobertas acerca do funcionamento do inconsciente humano às suas experiências pessoais. Ao tratar uma jovem histérica e sexualmente reprimida, Freud (o astro Montgomery Clift em grande atuação) formula o conceito do Complexo de Édipo.
Com ótimos diálogos e direção magistral de John Huston, Freud, Além da Alma é uma excelente introdução às idéias do criador da Psicanálise.
O filme começa com um texto que eu considero emblemático. Nele, John Houston associa o nome de três dos maiores gênios da história da Humanidade, Copérnico, Darwin e Freud, tecendo uma introdução que vale a pena ser lida. Vejamos...

"Desde tempos antigos houve três grandes mudanças na idéia do homem sobre si mesmo. Três grandes choques abalaram nossa vaidade.
Antes de Copérnico (1473-1543), achávamos que éramos o centro do universo. Que todos os corpos celestiais giravam em redor da nossa Terra. Mas o grande astrônomo desbancou esse conceito e fomos obrigados a admitir que nosso planeta é um dos muitos que giram em redor do Sol e que há outros sistemas solares além do nosso, em mundos infinitos.
Antes de Charles Darwin (1808-1882) o homem acreditava que era uma espécie única separada do reino animal. Mas o grande biólogo nos fez ver que nosso organismo físico é produto de um vasto processo evolutivo, cujas leis são iguais para nós ou para qualquer outro animal.
Antes de Sigmund Freud (1856-1939) o homem acreditava que o que dizia e fazia era produto apenas de seu desejo consciente. Mas o grande psicólogo demonstrou a existência de outra parte de nossa mente que funciona no maior segredo e que pode governar nossas vidas. Esta é a viagem de Freud a uma região quase tão obscura quanto o próprio inferno, o inconsciente humano, e de como ele acendeu uma luz."

10/05/2010
“...um é maníaco! Tem mania de grandeza! E o outro é um depressivo! E as duas tendências modernas que dominam o pensamento filosófico do século XIX até pelo menos metade do século XX são os filhotes de Kant e Hegel.”
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“Hegel nunca discute com ninguém, ele simplesmente coloca as perguntas numa outra faixa e despreza aquilo que os caras estão discutindo.”
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“...a filosofia é Platão e Aristóteles, tem que decorar o que eles ensinaram, depois os outros que vêm em seguida são gorilas, os outros são micos, a proporção é essa, então, você tem que pegar os dois, aprender com eles, e depois você vai ver os restantes. Se você não faz isso você não entende que está trabalhando dentro de uma área que já foi demarcada por Platão e Aristóteles. Você está trabalhando dentro de temas que eles inauguraram, com métodos que eles inauguraram. E que você pode ir além deles com a condição de que você os absorva. Se você não fez isto, você vai fazer burrada, não tem jeito, e é o que esses caras fazem, eles têm um conhecimento insuficiente de Platão e Aristóteles, muito insuficiente. Então, eles achavam que Platão e Aristóteles eram aquilo que os professores deles estavam ensinando. É a mesma coisa você ler o livro da Marilena Chauí, você acha que você conhece Espinosa, é a mesma coisa. Então, é claro que não é assim.”
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“...o Arthur O. Lovejoy tem razão quando ele diz que a história da filosofia inteira é um conjunto de notas de rodapé a Platão e Aristóteles.”
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“...o tamanhico do mundo na concepção de Descartes, Kant ou do próprio Hegel comparado com a abertura para a realidade que tinha um Platão e Aristóteles chega a ser cômica. Então, o Kant com o seu conjunto de precauções, conjunto quase obsessivo de precauções, e Hegel com a sua ambição ilimitada, comparados com os antigos, esses aí se tornam cômicos; melhor, não tinha que ter nenhum desses problemas, tudo isso já está resolvido há muito tempo. Isso tudo são falsos problemas, encarados de uma maneira falsa, que vai dar um resultado falso e só vai produzir o mal.”

FONTE:
CARVALHO, Olavo de. Kant e Hegel – Origem do positivismo e marxismo. História Essencial da Filosofia – Aula 28 – pg. 22-24.


06/04/2010.
Proponho-me aqui a reproduzir uma das mais belas cenas já apresentadas no cinema sobre um diálogo entre dois dos maiores nomes da filosofia moderna, dois vultos que fazem parte dos pensadores que colocaram o planeta na Modernidade. Trata-se do diálogo entre Pascal e Descartes, extraído do filme de Roberto Rossellini “Blaise Pascal”, uma co-produção Itália/França, de 1972, que traz Pierre Arditi no papel-título. De acordo com a ficha, “o filme apresenta uma cinebiografia do filósofo, teólogo e matemático francês Blaise Pascal (1623-1662). Na obra, Rossellini acompanha a trajetória de Pascal, dos 17 anos até sua morte precoce, mostrando seus célebres estudos de Matemática e Geometria, incluindo a criação da primeira calculadora mecânica; seus trabalhos revolucionários sobre o vácuo, os fluidos e a pressão atmosférica; sua relação com o Jansenismo e a concepção de suas principais obras filosófico-religiosas. Com austeridade, ternura e realismo, Rossellini realizou um filme de extrema beleza sobre os conflitos religiosos e filosóficos de um personagem histórico fascinante.
A cena tem lugar no Convento dos Mínimos, onde o Sr. Descartes vai falar para uma seleta platéia. Estamos no ano de 1639.

- Como um homem que caminha sozinho e nas trevas, resolvi ir com cautela e lentamente e com tanta introspecção, que avançava muito pouco. Isso me protegia, no mínimo, de cair em erro. Então decidi não aceitar como verdadeiro nada que não parecesse como tal à minha consciência de modo evidente. E assim que a idade me permitiu escapar da autoridade dos mestres, abandonei o estudo das Letras e resolvi não procurar outra ciência senão aquela que se escondia em mim mesmo e no grande livro do mundo. No curso de minhas viagens, percebi que poderia parecer que havia mais verdade nos raciocínios das pessoas sobre seus próprios problemas do que nos pensamentos de um homem de letras fechado em um gabinete. Aprendi também a não crer em nada com firmeza excessiva. E durante nove anos vaguei por toda parte do mundo tentando erradicar todos os erros que tinham se insinuado em meu espírito. Foi então que comecei a descobrir os fundamentos de uma ciência admirável. Aprendi a conduzir meus pensamentos em ordem, começando pelas questões mais simples, mais fáceis de conhecer, para chegar gradualmente ao conhecimento dos mais complexos. Tomei como modelo, portanto, aquele sistema de raciocínios tão simples e fáceis que os matemáticos usam habitualmente. Aprendi também a corrigir com esse sistema os erros dos nossos sentidos, os da visão, por exemplo, que nos indicam erradamente que a Terra é imensa e a Lua e o Sol maiores que as outras estrelas. Quando decidi publicar alguns livros queria ser incluído no número dos escritores mais simples, escrevendo em francês e não em latim, em uma língua com a qual os camponeses, melhor que os filósofos, pudessem julgar a verdade. Sabem que vivo muito pouco na França e menos ainda em Paris, onde vejo tantas pessoas que se enganam em suas opiniões e em seus cálculos, que parece até uma doença universal. Todos parecem importar-se apenas com o próprio proveito. Mas agora percebo que isso não é uma verdade completa. Pois vocês estão aqui, meus amigos, você, meu caro Mersenne, cuja amizade me conforta e demonstra que afinal não sou completamente estrangeiro em meu próprio país.
(Aplausos).
(Neste momento, Padre Mersenne apresenta-lhe Blaise Pascal):
- Eis aqui um jovem que, entre nós, o ouviu com a maior atenção.
- E quem é ele? – pergunta Descartes.
- É o filho de Étienne Pascal. Ele nos maravilhou com seus trabalhos e suas idéias e mais ainda com suas interessantes experiências sobre o vácuo – responde-lhe Mersenne.
- O que acaba de dizer – continua Pascal – me perturbou, pois percebi que tomei uma estrada diversa da sua. Sinto-me assustado.
- Contaram-me do interessante diálogo que manteve com o Padre Noel, da Companhia de Jesus – diz Descartes.
- Sim, sim. É verdade. Repeti tais idéias também em outras ocasiões.
- Não concorda comigo, hein?
- Bem, sim, devo confessá-lo!
- Nesse caso, ficarei grato de ouvir suas explicações.
- Disse que aprendeu a conduzir seus pensamentos em ordem, começando pelos problemas mais simples para chegar, pouco a pouco, aos mais complexos. Para edificar sua bela construção, são necessários, porém, fundamentos cuja solidez não dê margem a dúvidas. O único fundamento que nos propõe se baseia no discernimento de sua razão que, parece-me claro, simboliza toda a razão humana. Mas, a razão me parece um fundamento pouco confiável, visto o posto que ocupa no mundo. Ela (está?) certo que ela existe, mas mal situada entre o que é infinitamente pequeno e o que é infinitamente grande como o senhor descreveu, decepcionado com a inconstância das aparências, incerta em seus limites. Como não é a razão, mas uma intuição sutil que nos diz que existem três dimensões no espaço, considero que não é por meio do raciocínio mas por intuição brutal e por ruptura que conseguimos partilhar algumas certezas. E as dimensões de nosso espaço não podem ser medidas. Elas não têm quantidade, são ilimitadas e infinitas pela qualidade que têm. Ora, ouvindo-as, poderíamos acreditar que passo a passo, aumentando sem cessar seus conhecimentos os homens entenderão um dia todo o mecanismo do mundo da mesma forma que um expectador que está nos bastidores de um teatro consegue ver o carro do herói sendo alçado nos ares. Mas o universo infinito, no qual estamos, nunca deixará de ser infinito e nossos conhecimentos não deixarão de ser finitos e limitados apesar das coisas novas que irão sendo acrescentadas. O método de pesquisa de que falou, por exemplo, medir a distância que nos separa deste a outro ponto. No entanto, são incapazes de avaliar a qualidade do percurso. O espírito geométrico pode sustentar fortemente alguns princípios, mas não é capaz de captar a diversidade de tudo que nos circunda. Pode, efetivamente, distinguir todos os tons da voz? Os modos de andar, de tossir, de assoar-se, de espirrar? Pode distinguir as frutas e dentre elas as uvas e, nestas, a moscatel? Parte dos argumentos mais simples para chegar aos mais complexos. Mas, não deveríamos, antes, partir dos mais complexos para descer aos mais simples? Estamos pouco seguros de nossos passos e vivemos entre uma infinidade e um abismo de quantidades. Uma infinidade e um abismo de movimentos. Uma infinidade e um abismo de tempos. Por que não podemos aprender a nos conhecer de modo mais justo e formar reflexões que, a meu ver, valem mais do que toda a geometria? O senhor fala de um método, sem dúvida, mas para se dar conta do infinito é preciso uma infinidade de métodos. E Deus não seria o único que pode conhecê-los, dado que só Ele é infinito?
- Sim, são objeções brilhantíssimas, senhor, que já me vieram à mente, mas que expulsei. Mas pode ser que a verdadeira fineza esteja justamente em não querer usar finezas.
(Agora Descartes já está de pé, ensaiando retirar-se). “Guardarei a lembrança de seu discurso”. (E se despede com um ligeiro cumprimento).
(Aplausos para Descartes).
(Padre Mersenne acompanha Descartes até a porta e retorna para falar com Pascal, que lhe diz: “É um grande homem.”


11/02/2010
Amigos do saber, vejam o pequeno texto a seguir. É uma fotografia de toda a história da política no Ocidente. É como se você em apenas um olhar vislumbrasse um quadro no qual o artista transmite um pensamento, uma idéia.

"Quem acompanhe a história das idéias políticas em contraponto com a história das ações políticas e não como uma sucessão de teorias a boiarem no céu das idéias puras, verificará que jamais houve no Ocidente uma só doutrina, monárquica ou republicana, revolucionária ou reacionária, escravagista ou libertária, que não fosse absorvida para servir de pretexto e reforço na luta pelo Império. Tão forte é o magnetismo da idéia de Império, que as outras orbitam em torno dela como satélites, cuja oposição aparente mascara apenas o fato de girarem em torno de um mesmo eixo, de servirem a um mesmo propósito e senhor. Teocracia e monarquia, república e democracia, nacionalismo e internacionalismo, revolução e reação, capitalismo e socialismo, e todas aquelas outras bandeiras em nome das quais os homens matam e morrem, quando vistas já não desde o ponto de vista das motivações subjetivas que movem os seus mártires, mas desde a perspectiva dos resultados reais a que servem na escala dos séculos, já não são mais que os estandartes das divisões, batalhões e esquadrões em que se esconde o descomunal exército empenhado num só objetivo: a formação do Império. Os pensadores políticos e religiosos do Ocidente não criaram uma só idéia que, mais dia menos dia, não servisse a incentivar ou a legitimar a luta por essa finalidade. Em toda a variedade de processos e mutações que constitui a história do Ocidente, essa é a única constante."

Sigo com uma nota de rodapé que o autor acrescenta ao texto acima:

"Prevendo objeções levianas que nossos acadêmicos semiletrados não deixarão de apresentar, esclareço que não estou com isso inventando uma 'teoria da História', que substituísse o conceito de 'Império' aos 'três estados' de Comte, à luta de classes, ao determinismo geográfico e a outras forças às quais os teóricos atribuíram o papel de 'motores' do acontecer histórico. A dominância da idéia de Império não é uma teoria: é um fato, e um fato específico da História do Ocidente. Se fosse uma teoria, pretenderia ter um alcance genérico, um poder explicativo sobre o processo histórico em geral. Mas nada de similar a esse fato tipicamente Ocidental se observa no Oriente, onde a eclosão de um surto imperialista é antes uma exceção do que uma regra. Veja-se por exemplo o caso da China, poderosíssima e no entanto acomodada dentro de suas fronteiras durante milênios, só caindo na tentação imperialista ao contaminar-se de idéias Ocidentais. Veja-se o mundo islâmico, perpetuamente dividido em nações hostis e só de raro em raro tendo alguma iniciativa de unificação imperial, comichão passageira e mal sucedida. Não, senhores: o imperialismo não é uma pretensa 'lei histórica': é um fato ocorrido numa certa parte do mundo. Não pode refutar-se mediante argumentos teóricos; tem de ser discutido no terreno da narração histórica, que só o comprova."

FONTE:
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. É Realizações, São Paulo, 2004. Pg. 210.

03/02/2010
Meus caros, conforme o prometido vou fechar aqui este Momento com a segunda parte da citação do Olavo de Carvalho:

"O novo intelecutual abomina a universidade. O motivo é claro. Nascidas e formadas pela iniciativa independente de grupos de estudiosos, as universidades, aos poucos, conseguem conservar sua independência, ora aliando-se a um contra os outros, ora ao contrário, ora mandando ambas as autoridades às favas e promovendo arruaças estudantis que faziam tremer os poderosos de ambos os partidos. A longa disputa encerra-se na Renascença, com a vitória do Papa: as universidades tornam-se órgãos da Igreja. Vencidos, os reis, a classe aristocrática, começam a formar, fora da universidade, seu próprio quadro de intelectuais. Os novos pensadores, que empinam o nariz ante o ensino universitário - Maquiavel, Descartes, Montaigne - não são franco-atiradores: são funcionários da corte ou membros da classe aristocrática. Expressam o despeito dos rejeitados pelos vencedores do dia."
FONTE:
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. É realizações, São Paulo, 2004, pp. 165-166.


03/02/2010
Entender um contexto histórico é de fundamental importância para a compreensão dos conceitos filosóficos. O nascimento e desenvolvimento da Universidade sempre exerceu um fascínio e curiosidade sobre todos nós da comunidade acadêmica. Olavo de Carvalho, grande pensador brasileiro contemporâneo, traça um perfil do universitário medieval, e em seguida do renascentista, de forma bem interessante. Vejamos o que ele escreveu no O Jardim das Aflições, p. 165:

"Este [o intelectual medieval] era na essência um universitário, um membro da orgulhosa casta acadêmica que, escorada no aplauso das hordas de estudantes, desafiava os reis e o Papa. A casta era internacional, formada de homens que abandonavam seu torrão natal para instalar-se nos grandes centros universitários onde se falava uma língua supranacional, o latim, e onde conviviam em pé de igualdade franceses, irlandeses, italianos, saxões, totalmente esquecidos de suas diferenças de origem. Para o letrado, o amor à pátria era um atavismo condenável, um resíduo de mundanismo, do mesmo modo que toda nostalgia do passado, da origem familiar, da paisagem natal: Nada se pode fazer, escrevia Hugo de S. Vitor, pelo aluno que tem saudades da cabana onde nasceu.
O novo intelectual é, ao contrário, um membro ou servidor da casta palaciana. Vive na corte, já não entre seus colegas de ofício, unidos pelo comum desprezo às suas origens nacionais e de classe, mas entre príncipes e duques, damas e pajens, soldados e cortesãs. Sua atmosfera verbal já não é a seca terminologia técnica da dialética escolástica, mas a da conversação amena e elegante em língua nacional, recheada de floreios bajulatórios. A diferentes classes sociais, correspondem diferentes mestres: os medievais tinham encontrado os seus em Platão e Aristóteles: o humanista vai inspirar-se em Ovídio, Horácio, Virgílio, e sobretudo em Quintiliano. O codificador da retórica antiga vai adquirir, aos olhos da nova classe, uma autoridade que nem Aristóteles pudera alcançar na Idade Média. Está acima da crítica, e qualquer discussão pode ser cortada pela raiz mediante a fórmula: C'est assez que Quintilien l'ait dit...[É suficiente o que Quintiliano disse]."

07/01/2010
“O número de balelas que circulam a respeito da Inquisição é assombroso. Elas constituem um capítulo importante do fabulário popular – do ‘senso comum’, diria Gramsci – que sustenta a crença na superioridade do mundo moderno e de seus intelectuais. Eis algumas:
1 - A Inquisição atrasou o desenvolvimento científico, proibindo a circulação dos livros que traziam novas descobertas.
Comentário - A Inquisição examinava apenas livros de interesse teológico direto, que nada poderiam acrescentar ao desenvolvimento da ciência moderna. Basta examinar o Índex Librorum Prohibitorum para verificar que nele não consta nenhuma das obras de Copérnico, Kepler, Newton, Descartes, Galileu, Bacon, Harvey e tutti quanti.
2 – Giordano Bruno foi um mártir da ciência, condenado pela Inquisição por defender teorias científicas.
Comentário - Ele não foi condenado por defender teorias científicas, mas por prática de feitiçaria, que na época era crime (...). Para completar, a pesquisa histórica mais recente revelou que Bruno esteve muito provavelmente envolvido em atividades de espionagem contra a Igreja Católica.
3 – A Inquisição instituiu a perseguição aos judeus.
Comentário – As matanças de judeus, promovidas por devedores espertos ou por monges fanáticos, eram um hábito consagrado na Península Ibérica.
4 – A Inquisição instituiu a tortura generalizada.
Comentário – A tortura era considerada um procedimento legítimo e praticado em toda parte desde a Grécia antiga.
5 – O processo de Galileu foi um caso de perseguição inquisitorial.
Comentário – Bem ao contrário, o processo foi uma pizza, uma farsa concebida pelo Papa – padrinho de Galileu – para que seu protegido se livrasse de um grupo de inquisidores fanáticos mediante uma simples declaração oral sem efeitos práticos, após a qual ele pôde continuar divulgando suas idéias sem que ninguém voltasse a incomodá-lo.
6 – A Inquisição espanhola foi um momento culminante da violência institucionalizada, comparável ao comunismo e ao nazismo.
Comentário – Conversa mole. A Inquisição espanhola mandou executar, no total, não mais de 20 mil pessoas em quatro séculos, isto é, em média, quatro por ano.

FONTE:
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. De Epicuro à Ressureição de César: Ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. É Realizações Ltda. – 2 ed., São Paulo, 2004. – Pg. 35 (Nota de Rodapé).


06/01/2010
"...dos três regimes antigos, o primeiro - a monarquia - aparece dividido em dois no Espírito das Leis, sendo que um deles, a monarquia limitada, recebe elogios, e outro, o despotismo, críticas; e os dois outros regimes da tradição reduzem-se a gêneros do terceiro regime de Montesquieu, a república, que pode ser aristocrática ou democrática."
"Montesquieu não é apenas um precursor da reflexão política do século XIX: é-o também da mais recente, de uma que ainda hoje está por se completar."
"Um princípio, diz ele, é necessário para dar vida a cada estrutura de governo: na república será a virtude, na monarquia a honra, e no despotismo, o temor."
"...nenhuma forma de governo - por dura que seja como a despótica - pode sobreviver sem um aval que lhe seja dado pelas paixões dos governados (...). Não há Estado, governo ou sociedade sem um contrato pelo qual, em algum momento, os homens teriam avalizado o poder que sobre eles seria exercido."
"Montesquieu, porém, não é contratualista,"
(Renato Janine Ribeiro ao apresentar O Espírito das Leis, de Montesquieu).

FONTE:
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O Espírito das Leis. Tradução: Cristina Murachco. - 3ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2005. - (Paidéia).

Nota: os "momentos" abaixo já haviam sido postados por e-mail e, posteriormente transpostos para esta seção todos de uma só vez.

I
"...detesto o vulgo, a multidão não me contenta. Somente uma coisa me fascina: aquela em virtude da qual me sinto livre na sujeição, contente no sofrimento, rico na indigência e vivo na morte. Aquela em virtude da qual não invejo os que são servos na liberdade, sofrem no prazer, são pobres nas riquezas e mortos em vida, porque trazem no próprio corpo os grilhões que os prendem, no espírito o inferno que os oprime, na alma o erro que os debilita, na mente o letargo que os mata. Não há, por isso, magnanimidade que os liberte nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciência que os avive."

(Giodano Bruno, 1548-1600, acusado de heresia e preso pelo Santo Ofício, reconhece os seus erros e parece livrar-se da fogueira. Mas, a pedido do papa, as autoridades venezianas, depois de alguma hesitação, o entregam ao tribunal da Inquisição de Roma. Fica encarcerado durante sete anos, negando-se a abjurar suas doutrinas, das quais não se retrata. Foi queimado em 1600.

II
"É muito difícil entender o que é falado. A cada passo, em nossa experiência diária, tomamos consciência disto. Frequentemente, depois de conversar por horas a fio com alguém, e de nos explicar e reesplicar por meio de expressões como "Não era bem isto que eu queria dizer", "o senhor não me entendeu", "não me exprimi com clareza", concluímos silenciosamente: "Quantos mal-entendidos em meio a tantas palavras!". É curioso. Parece que não deveria ser assim. Falamos a mesma língua. Usamos palavras que ambos conhecemos. E, a despeito disto, as significações não foram comunicadas. Por que? É que os sentidos não podem ser comunicados diretamente. Como bem observou Wittgenstein, "uma palavra tem o sentido que alguém lhe deu". "O sentido de uma palavra é o seu uso na linguagem". Para se entender não basta ler ou ouvir. É necessário descobrir o código segundo o qual as palavras são usadas".

(Rubem Alves, ao apresentar A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO, de Feuerbach, Papirus, Campinas, SP, 1988).

III
"Quando o regente, por economia, vendeu a metade dos cavalos que ocupavam as estrebarias reais, François observou como teria sido mais sensato demitir metade dos burros que ocupavam a corte real. Por fim, todas as coisas espirituosas e maliciosas cochichadas em Paris eram atribuídas a ele; e o seu azar foi que entre elas estavam dois poemas acusando o regente de desejar usurpar o trono. O regente enfureceu-se; e encontrando-se com o jovem certo dia, no parque, disse-lhe: 'M. Arouet, eu aposto que posso vos mostrar uma coisa que nunca viu'. 'O que é?' 'O interior da Bastilha.' Arouet o viu no dia seguinte, 16 de abril de 1717".

(Contexto: com a morte de Luís XIV, o Luís que o sucedeu era bastante jovem, tendo ocupado o comando da França um regente. Wil Durant está se referindo ao jovem de 21 anos, François Marie Arouet, que passou a adotar o pseudônimo de Voltaire - não se sabe bem porquê - durante os nove meses em que permaneceu na Bastilha).

IV
"Em 1715, orgulhoso de seus 21 anos, [Voltaire] foi para Paris, bem a tempo de presenciar a morte de Luís XIV. Como o Luís que o sucedeu era demasiado moço para governar a França, e muito menos Paris, o poder caiu em mãos de um regente; e durante esse quase interregno, a vida correu solta na capital do mundo, e o jovem Arouet correu com ela. Em pouco tempo, adquiriu a reputação de um jovem brilhante e imprudente. Quando o regente, por economia vendeu a metade dos cavalos que ocupavam as estrebarias reais, François observou como teria sido mais sensato demitir metade dos burros que ocupavam a corte real. Por fim, todas as coisas espirituosas e maliciosas cochicadas em Paris eram atribuídas a ele; e o seu azar foi que entre elas estavam dois poemas acusando o regente de desejar usurpar o trono. O regente enfureceu-se; e encontrando-se com o jovem certo dia, no parque, disse-lhe: 'M. Arouet, eu aposto que posso vos mostrar uma coisa que nunca viu'. 'O que é?' 'O interior da Bastilha.' Arouet o viu no dia seguinte, 16 de abril de 1717."

Fonte:
DURANT, WILL. História da Filosofia. Editora Nova Cultural. - São Paulo/SP, 1996, p. 203 (Os Pensadores).

V
Extraí de uma tradução portuguesa de Pedro Galvão, retirado de Obras sobre a Religião Natural, de David Hume (Lisboa: Gulbenkian, 2005), algumas proposições que julgo importantes repassar. Vejamos:

"É uma incontestável questão de fato que, há cerca de mil e setecentos anos atrás, todos os seres humanos eram politeístas."
"Quanto mais recuamos no passado, mais encontramos a humanidade imersa no politeísmo."
"Os seres humanos dos tempos antigos, desde a época que a escrita e a história alcançam, parecem ter sido todos politeístas."
"Parece certo que, segundo o progresso natural do pensamento humano, a multidão ignorante tem de aceitar uma noção servil e familiar dos poderes superiores antes de alargar essa concepção a esse Ser perfeito que ordenou toda a estrutura da natureza."
"A mente avança gradualmente do inferior para o inferior."

Fonte: http://criticanarede.com/html/rel_hume2.html

Nota: Normalmente, os pequenos excertos que envio ao grupo tem alguma relação direta com assuntos vistos durante o curso. Entretanto, se a algum membro da comunidade o assunto for estranho ou não interessar, basta desconsiderar.
VI
"A mais segura caracterização genérica da tradição filosófica européia é que ela consiste numa série de notas de rodapé a Platão."

(Alfred North Whitehead, Process and Realitu: Na Essay in Cosmology; N. York, Free Press, 1978, p. 39, citado por Roberto Bolzani Filho).

VII
"O modo de conhecimento dessa realidade se expressa também na célebre alegoria da Caverna, que apresenta o processo de conhecimento das formas como um voltar-se para a luz da verdade, abandonando-se a escuridão ilusória do interior da caverna, onde sombras são erroneamente tidas como reais, para gradativamente, mediante um processo de reconhecimento das distintas formas de ser, alcançar-se a contemplação daquela forma suprema.
Os livros centrais de A República (V, VI e VII)(...) contêm análises sobre a realidade e o modo de seu conhecimento(...). No Protágoras (...) um Sócrates ainda relativamente jovem dialoga com o já famoso sofista, a respeito da possibilidade do ensino da virtude. Sócrates inicialmente defende que ensinar virtude não é possível, enquanto seu interlocutor advoga a tese contrária. No fim do diálogo, uma aporia se instala: ambos acabam invertendo suas posições, e Sócrates constata que, antes de responder à questão sobre se a virtude pode ser ensinada, seria preciso responder à pergunta "o que é a virtude", aquela mesma questão fundamental que nos outros diálogos, como vimos, costumava propor."

(Roberto Bolzani Filho, na Introdução de "A República").

Obs: Por que escolhi esse pequeno excerto? Em conversa com um amigo do grupo (Alberto) fiz uma rápida exposição sobre mito da cerverna de Platão, mas para melhor ilustrar, com palavras mais bem trabalhadas, escolhi o texto acima.

VIII
"É preciso ler essas páginas [A República] em que se descreve a cidade justa, também com os olhos voltados para o contexto político da época - é preciso imaginar certas teses ali defendidas como propostas que Platão poderia considerar como aplicáveis numa cidade, ainda que de forma sempre imperfeita. Ao mesmo tempo que prescreve um ideal. A República comenta um estado de coisas vigente que certamente está na origem da reflexão do filósofo e que ele aspira, de algum modo, reformar(...). A República é a primeira das utopias políticas."

(Roberto Bolzani Filho, na introdução de A República, Matins Fontes, São Paulo, 2006).

IX
"No fim do século XII e no princípio do século XIII, a geografia do além se transforma. Entre o Paraíso e o Inferno introduz-se um além duplamente intermediário, porque não durará mais do que o tempo da história e será absorvido pela eternidade: o Purgatório, onde os pecadores, depois da morte, podem expiar e reunir o restante de sua dívida penitencial, antes de ir ao Paraíso, pelos próprios sofrimentos sufrágios dos vivos."

(LE GOFF, Jacques, La Naissance du Purgaitore, cit. em São Luís - Biografia, Rio de Janeiro, Record, 2002).

X
"...a metafísica de Platão, sua etérea doutrina das formas, ao estabelecer uma distinção ontológica entre os seres inferiores, sensíveis, e seres superiores, eternamente idênticos e inteligíveis, possibilita uma via para a supressão desse estado de coisas, que, a seus olhos, a sofística contribuiu para sedimentar, ensinando que qualquer tese, se bem defendida, mediante os mais eficazes preceitos de retórica, pode parecer ser o que não é.
...........
Platão acaba por estabelecer em A República uma estratégia associação entre a democracia e aquilo que, para ele e para muitos, está visceralmente ligado a ela: a sofística e a retórica.
...........
(...) Após construir sua cidade (...) Platão nos oferece (...) uma pequena história ideal do inevitável processo de degeneração a que ela estaria sujeita e da relação entre as tradicionais formas de governo que a ela se seguiriam, num processo crescente de corrupção, a cada uma delas correspondendo um tipo de alma."

(Roberto Bolzani Filho, na introdução de A República, de Platão. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006).

XI
ARISTÓTELES, Metafísica. Por: Giovanni Reale.

Ficha de Citações

Prefácio

“Platão (...) me ajuda muito mais a compreender Aristóteles do que Tomás de Aquino, porque Tomás o repensa teoreticamente em nova ótica e em nova dimensão.”

“...a Metafísica de Aristóteles nasce de uma contínua discussão com o mestre e com a Escola dos Platônicos, tendo como pano de fundo justamente as doutrinas não-escritas.

“Em quase todos os livros da Metafísica, encontramos uma espécie de luta de dois gigantes, com todas as conseqüências que daí derivam.”

“...quem se dispõe a ler a Metafísica de Aristóteles sem possuir conhecimentos sobre Platão e sobre o platonismo corre o risco de compreender Aristóteles pela metade.”

“No que se refere ao pensamento de um filósofo grego, particularmente o pensamento metafísico, só o método analítico não pode levar a conclusões definitivas.”

“Platão (...) afirma, na República, que só quem sabe olhar para o todo, ou seja, para o conjunto, com um olhar sinótico, é dialético, ou seja, filósofo (...), enquanto quem não sabe fazer isso, não o é”.

“O pensamento humano (...) não pode prescindir da metafísica, porque são de matriz metafísica as idéias com as quais as ciências constroem seus paradigmas científicos e as teologias buscam exprimir racionalmente os conteúdos da fé.”

“...a Metafísica de Aristóteles é uma verdadeira mina para a reconstrução do pensamento dos filósofos anteriores e contemporâneos ao próprio Aristóteles.”

“Aristóteles não escreveu seus tratados de metafísica para publicá-los, mas para ter apontamentos e material para suas lições e para seus alunos, dentro do Perípato.”

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