sábado, 2 de janeiro de 2010

Filosofia Política


LOCKE E O CONCEITO DE TOLERÂNCIA
Rinaldo de França Lima[1]

Resumo: Tem o presente ensaio monográfico o objetivo de analisar o conceito de tolerância em John Locke, a partir de sua obra Carta acerca da Tolerância, escrita entre 1685 e 1686, e publicada na Holanda em 1689. É uma obra em que Locke defende que a tolerância é também uma questão política e não apenas religiosa, como pensavam alguns teóricos de então. O método utilizado foi o da atenta leitura e exegese do documento.

Palavras-chave: tolerância – poder – sociedade – magistrado – ateísmo.

“Sendo, porém, os homens tão desonestos que a maioria prefere usufruir dos frutos do trabalho de outros homens, em lugar de trabalhar para se prover do necessário, segue-se que, para proteger suas posses, riqueza e propriedade, como ainda sua liberdade e vigor corporal, que são seus recursos para subsistirem, os homens são obrigados a entrar em sociedade uns com os outros, de modo que, por meio da assistência mútua e combinação de forças, cada homem possa assegurar-se da propriedade de coisas que são úteis à vida”.
John Locke. Carta acerca da tolerância, p. 21.

A) Introdução

A interpretação de textos ligados à Ética e a Filosofia Política pode ser mais bem trabalhada se tiver um vínculo mais estreito com a História. A Inglaterra setecentista, país de longa tradição política e religiosa, começa por vivenciar situação inusitada bem antes com Henrique VIII (1491-1547), que passa para a História como o rei da birra. Era de fundamental importância para este rei um segundo casamento em que a nova esposa pudesse lhe dar um filho varão. Como não conseguia um entendimento com a Igreja Católica para um eventual divórcio, ele funda a Igreja Anglicana, nacionalizando os bens da Igreja Católica, e por fim se casa com Ana Bolena (1501-1536), em busca de seu intento. Ana Bolena foi a segunda esposa de Henrique VIII e mãe da rainha Isabel I da Inglaterra. Seu casamento com Henrique VIII causou grande polêmica tanto do ponto de vista político como do ponto de vista religioso, tendo como conseqüência a criação da Igreja Anglicana, conforme dito acima. Importante notar que, mesmo após a nacionalização dos bens da Igreja Católica, os costumes e ritos católicos são mantidos. Obviamente, haverá grande resistência por parte dos católicos aos anglicanos. Afinal, não se muda de crença de um povo ou nação de um momento para outro.
Mas, que ligação pode haver entre Henrique VIII e John Locke, mais de cem anos depois? Em História nada acontece por acaso. A História, tal qual a natureza, também não dá saltos. Política e religião, quando pretendem disputar o poder acabam por causar mudanças não raro danosas para a história das sociedades. E é nessa esteira de acontecimentos históricos e, quase sempre inevitáveis, que surge o pensador inglês de Wrington, o qual passará para a história do pensamento ocidental como um dos maiores pilares da filosofia política.
John Locke (1632-1704), tido como o primeiro liberalista, ou seja, um dos fundadores da doutrina, percebe bem cedo que o atraso econômico da Inglaterra em relação à França está diretamente ligado às guerras de religião. Médico, filósofo e ideólogo do liberalismo, Locke é considerado o principal representante do empirismo britânico, juntamente com Berkeley e Hume, e um dos principais teóricos do contrato social.
Locke vai separar os poderes político e religioso, utilizando-se de vários argumentos. Ele também se utiliza amiúde de argumentos bíblicos, tentando convencer o leitor de que a intolerância religiosa é absurda e danosa.
A obra Carta sobre a Tolerância é escrita entre 1685 e 1686, e publicada na Holanda em 1689. Nesta obra, John Locke defende que a tolerância é também uma questão política e não apenas religiosa, como pensavam alguns teóricos de então.
De acordo com as conclusões de Santos[2], “a Carta sobre a tolerância (...) começa com uma crítica: aquele que luta pelo poder, mas não tem caridade, brandura e boa vontade para com o outro, não pode ser considerado um cristão”. Ou seja, “a máxima cristã é não fazer ao outro o que não deve fazer consigo próprio”, passagem bíblica que Immanuel Kant mais tarde vai utilizar na forma do seu imperativo categórico mais conhecido.
Ainda de acordo com dos Santos[3], o início da Carta tem como cerne um argumento bíblico de forte apelo emocional. Ou seja, aqueles que desejam a salvação têm que preocupar-se mais em erradicar seus próprios vícios do que “destruir seitas”. O segundo argumento de Locke é o de que sem a tolerância religiosa os homens não estarão de acordo com as Escrituras, e que ninguém tem o direito de perseguir seus semelhantes quando eles escolhem suas próprias seitas.

B) A obra

John Locke escreveu a Carta acerca da tolerância num momento histórico em que as perseguições religiosas não estavam apenas circunscritas às esferas católicas da contra-reforma, mas também aos protestantes ortodoxos, notadamente calvinistas puritanos. John Locke coloca na Carta como símbolo da verdadeira profissão de fé a tolerância religiosa. O filósofo apresenta, com argumentação bíblica, a incoerência existente entre aqueles que, prevalecendo-se do que chamam boa religião, de um lado perseguem aqueles que não professam o credo de sua preferência e por outro lado, fazem vista grossa para seus próprios vícios, forjando a salvação das almas dos outros, esquecendo-se das suas. Diante de tal situação, Locke aponta que a religião que se encontra assentada em aparências, não pode ser a mesma religião professada pelo Cristo, o que denota um reino que não é o de Deus, mas outro reino.
Locke considera a tolerância entre os cristãos como o primeiro sinal de uma verdadeira religião. Ele considera ainda que todos os conflitos e disputas religiosas são apenas estratégias de dominação do que intenções religiosas propriamente ditas. O verdadeiro papel da religião consiste em regular a vida dos homens de acordo com a caridade e a piedade, diz ele.
Nosso filósofo procura demarcar as fronteiras entre o poder político e o poder religioso. Cada um desses poderes tem a sua função específica. Ao poder político cabe a tarefa de procurar manter unida a comunidade civil, objetivando-lhe a preservação e melhoria dos bens dos seus cidadãos. A propósito dessa importante defesa dos bens dos cidadãos, vejamos o que diz Russel[4] :
“A propriedade ocupa lugar preeminente na filosofia política de Locke, e é, segundo ele, a principal razão para a instituição do governo civil: A grande e principal finalidade da união de homens em comunidades, e de se colocarem sob um governo, é a preservação de sua propriedade, para o que, no estado de natureza, faltam muitas coisas.”.
Este é o Estado básico para Locke, que denomina de bens civis não apenas os bens materiais, mas principalmente a vida, a liberdade, a saúde e a liberação da dor. Em poucas palavras, Locke quer dizer que todo o poder do governo civil diz respeito apenas aos bens civis dos homens, e que nada tem a ver com o outro mundo.
O governante tem a obrigação de fornecer aos seus governados os bens e valores acima, mas, em contrapartida, cabe aos governados obedecerem às leis emanadas do poder público. Caso contrário, o Estado reveste-se do legítimo poder de usar a força necessária para restabelecer a ordem. Todavia, Locke deixa bem explícito que os poderes do Estado devem se restringir unicamente à esfera civil e, em hipótese alguma tal poder deve estender-se à salvação das almas. Mas, pode o Estado intervir quando houver tentativa de tumulto à ordem pública por parte do poder religioso, situação em que o Estado pode usar sua força coercitiva.
Entretanto, ter o poder civil nas mãos não implica em haver desumanidade. O Estado deve e pode utilizar-se de seus argumentos persuasivos em busca de manter a paz social. Ou seja, pode valer-se do recurso do esclarecimento como argumento persuasivo, todavia o castigo corporal jamais deve servir como meio de convencimento.
Locke defende a liberdade total de escolha de religião, argumentando que ninguém nasce com uma religião, nem herda de seus antepassados. E que qualquer um, não encontrando na religião em que se encontra as razões de que precisa para professá-la, tem o direito de abandoná-la e filiar-se a outra religião.
A seguir, Locke passa a discutir em que consiste o poder religioso e a que leis está sujeito. Ele vai estabelecer uma analogia com o poder público e suas leis, argumentando que nenhuma sociedade, seja ela qual for, política, religiosa, até tribal - penso eu - , não se mantém se não tiver leis: se estiver completamente sem leis se dissolverá imediatamente e morrerá. Todavia, esta união, no que tange às religiões, terá que ser espontânea, e livre de qualquer força coercitiva, argumentando Locke que o direito de formular as leis não cabe a ninguém em particular, mas àquela sociedade constituída.
Locke está sempre se valendo de argumentos bíblicos para continuar expondo que cada um tem o livre direito de escolher seu credo religioso. Diz ele que desde o princípio houve muitas discordâncias entre os que afirmavam que Cristo havia estabelecido que outros o sucederiam indefinidamente, o que nos reforça o direito de poder escolher nossa própria religião.
No que tange às leis e castigos aos membros da sociedade que se desviarem dos caminhos previstos pela congregação, Locke diz que não pode haver castigos para membros de uma sociedade que se funda sobre bases livres. O máximo a que se pode chegar é às admoestações e conselhos, como conseqüência das confissões desses crentes. Mas, se mesmo assim, não houver recuperação moral, simplesmente corta-se o vínculo entre o corpo, no caso a Igreja, e o indivíduo tido como irrecuperável.
A seguir, Locke vai tratar dos deveres de cada um no que tange à tolerância. Nesta questão, Locke permanece firme em suas convicções do que sejam as atribuições do poder do magistrado e do que sejam as do poder religioso, delimitando com rigor cada um desses domínios. Começa dizendo que nenhuma igreja está obrigada a manter em sua comunidade um elemento que não queira seguir suas determinações. A pena máxima que lhe caberia aplicar seria a excomunhão. Ainda assim, tal castigo não pode ser acompanhado pela expropriação de seus bens, sendo a posse destes garantida pelo Estado. Podemos perceber nitidamente que Locke supervaloriza o homem, o que vai ter enorme influência nas constituições de países democráticos, a exemplo dos Estados Unidos da América onde o pensamento de Locke está estampado inclusive com citações suas.
Locke defende que o dever de tolerância dos clérigos deve restringir-se unicamente aos domínios da Igreja, não lhes cabendo qualquer interferência em outras áreas da sociedade civil, visto que “a própria Igreja está totalmente apartada e diversificada da comunidade e dos negócios civis”[5].
Neste ponto, Locke utiliza-se de duas palavras que norteiam seu pensamento acerca da tolerância: coerção e persuasão. No primeiro caso, afigura-se uma situação de constrangimento em que se quer forçar alguém a seguir determinado credo; no segundo caso, a situação inverte-se: o magistrado utiliza-se do seu poder de persuasão, possibilitando que os homens possam chegar a situações de equilíbrio e harmonia, de forma que todos possam conviver em paz.
Em que pese o grande teórico do liberalismo defender a tolerância entre todos os credos religiosos, ele faz restrição aos ateus em sua Carta. Entretanto, Locke é coerente em seus argumentos, apresentando quatro situações em que a intolerância é plenamente justificada, conforme abordagem feita por Antônio Carlos dos Santos[6]:
“...a primeira, quando uma doutrina religiosa se torna incompatível com o bem comum ou ameaça a sociedade; a segunda, quando certa seita, contrária ao direito civil, se autodenomina responsável pelos rumos da sociedade política, destituindo as legítimas autoridades; a terceira, quando não se permite a interferência de qualquer magistrado nos assuntos religiosos; a quarta e última, é a que trata da firme oposição aos ateus.”
Voltaremos ao assunto mais adiante.
Após discorrer sobre o dever de tolerância dos que se distinguem do resto dos homens, Locke vai abordar os deveres do magistrado com respeito à tolerância, que a seu ver são deveras importantes. Locke começa por dizer que não será por meio de castigos que o magistrado deve convencer, mas por meio da caridade, que consiste em “ensinar, admoestar e persuadir”, mas o cuidado com a salvação de uma alma cabe tão somente a cada crente e não ao magistrado.
Ao se perguntar de que modo alguém pode ter segurança sobre os meios para se chegar ao céu, Locke responde que nem o magistrado nem o leigo sabe mais do que o outro, ou melhor, que nenhum dos dois sabe. Diz ele que “o único e estreito caminho que conduz ao céu não é mais bem conhecido pelo magistrado do que pelos indivíduos”[7].
Locke, ao longo de todo o texto, está sempre enfatizando suas posições no que concerne à separação entre o poder civil e o poder religioso. Mesmo levando em conta que pode haver influência das convicções religiosas do magistrado sobre seus súditos, ainda que tal influência represente o lado mais sensato, ainda assim Locke continua defendendo a total liberdade do súdito de efetuar sua escolha religiosa unicamente de acordo com sua própria vontade. Como ele mesmo diz, mesmo que seja judiciosa a opinião do magistrado, “ainda assim quem não estiver profundamente convencido disso em seu próprio espírito não será salvo[8]”. E completa: “nenhum caminho no qual entra contra a sua própria consciência jamais o levará para a mansão dos abençoados[9]
Nosso filósofo defende a tolerância por parte do magistrado sobre a religião de forma incondicional, argumentando que essas pessoas se reúnem em assembléias com o único propósito de salvar suas almas, não representando ameaça alguma ao poder civil. De sorte que essas devem ser deixadas em paz com o culto que bem lhe aprouver. Para ele, todas as igrejas buscam a mesma coisa e não deve haver nenhuma intolerância a respeito.
Para melhor compreensão sobre a questão da tolerância, Locke vai abordar dois aspectos fundamentais. O primeiro é a forma externa e os ritos; o segundo, as doutrinas e os artigos de fé. Assim, diz ele: “A única função da igreja consiste na salvação das almas, e não afeta de modo algum a comunidade, nem qualquer membro dela, se esta cerimônia ou aquela é praticada[10]”. O que Locke, provavelmente, está querendo dizer é nada mais nada menos do que: “Dê-lhes a liberdade de escolher sua religião e deixe-os lá no seu cantinho, que não farão mal algum”. Ou seja, apenas precisam ser tolerados.
Retomando a questão atinente às doutrinas e os artigos de fé, Locke vai colocar que em determinadas situações, nas quais um ritual venha a contrariar o que a lei estabelece, o magistrado poderá intervir, não permitindo tais transgressões. Cita como exemplo uma situação em que se queira fazer sacrifício de vidas humanas, de crianças, por exemplo. Diz ele, “como tais coisas não são legais na privança do lar, ou na vida social, não o são igualmente no culto ou numa reunião religiosa[11].”
Dando seguimento ao raciocínio acima, o filósofo nos diz que o poder civil se assemelha em toda parte, e a religião de cada príncipe é ortodoxa para si mesma. E mais adiante repete o que vem dizendo ao longo da Carta, que ninguém deve ser despojado de seus bens terrenos por motivo religioso.
Neste ponto da Carta, Locke procura narrar a origem do cristianismo no seu estado mais puro. Exemplifica através de uma situação em que um povo (cristão) procura guarida numa nação pagã. Esse povo sofrido tem suas necessidades básicas de alimentação e moradia atendidas. Mas, nem sempre tudo vai continuar de forma tão pura e desinteressada. A princípio, sim. Porem, a junção desses dois povos, pagãos e cristãos, cria forte ligação e sua doutrina se propaga rapidamente por todo o império (romano).
Aos poucos, os cristãos crescem em número, criam força política, e o príncipe, para atender aos seus interesses pessoais, acaba por se converter à nova religião. Aos poucos, as leis desses povos pagãos que acolheram os cristãos primitivos, são revogadas dando lugar às leis do sistema que agora exerce a supremacia do poder. E o que se segue é a expropriação das propriedades e costumes desses pagãos. O que Locke quer mostrar é que o zelo da igreja, combinado com os interesses do Estado não é em nada compatível com o bem estar social de um povo.
Na condição de filósofo contratualista que é, Locke estabelece uma linha de nítida demarcação entre as coisas da vida terrena e as coisas da vida eterna. Diz ele, em outras palavras, que cada uma deve cuidar da parte que lhe cabe, não havendo lugar para intromissão na área da outra. Uma não pode se misturar com a outra. Os homens, para Locke, tendem a não ser bons, mas egoístas e, visando seus próprios interesses, valem-se do expediente de apropriar-se do que não lhes pertencem, em vez de procurar ter seus bens pelo seu próprio esforço. Diz o filósofo que
“para proteger suas posses, riqueza e propriedades, como ainda sua liberdade e vigor corporal, que são seus recursos para subsistirem, os homens são obrigados a entrar em sociedade uns com os outros, de modo que, por meio da assistência e combinação de forças, cada homem possa assegurar-se da propriedade das coisas que são úteis à vida.”[12]
Eis, em resumo, a tese contratualista do filósofo inglês.
É importante enfatizar a diferença entre o contrato social na concepção de Hobbes e na de Locke. Hobbes acreditava que um contrato tácito existia entre o governante e os cidadãos em busca de um esforço, por quaisquer meios necessários, de impedir a civilização de voltar ao seu estado natural, ao qual Hobbes acreditava ser a anarquia selvagem. Locke, por seu turno, acreditava que o contrato existia para o bem maior da sociedade e para manter os direitos de todos os indivíduos.
Entretanto, Locke não defende uma tolerância total, mas limitada. No que tange à boa ordem da sociedade, garantida pelo Estado por meio do acordo tácito entre as duas partes – sociedade e Estado -, Locke vai defender que não será tolerado pelo Estado quaisquer manifestações que possam subverter e ordem e os bons costumes da sociedade, podendo o Estado, nestes casos, intervir energicamente e usar mesmo a força, se preciso for. Diz Locke que “não devem ser toleradas pelo magistrado quaisquer doutrinas incompatíveis com a sociedade humana e contrárias aos bons costumes que são necessários para preservação da sociedade civil[13]”.
O ponto seguinte, objeto da exclusão da tolerância em Locke, é aquele que se apresenta de forma velada, ou seja, numa situação em que, como diz o próprio Locke, “os homens se atribuem a si mesmos, e aos de sua própria seita, certa prerrogativa peculiar, contrária ao direito civil, mas disfarçada por palavras capciosas designadas a deitar poeira nos olhos das pessoas[14].” Dito de outra forma, aquelas seitas que se valem de estratégias escusas que visam deixar seus seguidores mergulhados na ilusão, como se estivessem com os olhos vendados e impossibilitados de enxergarem a verdade, não merecem qualquer tolerância por parte de Locke. Sobre esse ponto, assim escreve Locke: “a estes, digo, não cabe qualquer direito a ser tolerados pelo magistrado, nem tampouco aqueles que recusam ensinar que os dissidentes de sua própria religião devem ser tolerados[15]”. Em poucas palavras, Locke quer dizer que toda e qualquer religião que seja contrária ao direito civil deve ser combatida. Nenhuma seita pode ser contrária ao direito dos cidadãos. E jogar poeira nos olhos das pessoas para que elas não possam enxergar, nem pensar, para Locke é inadmissível.
O terceiro ponto discutido é conseqüência do anteriormente tratado. Ou seja, a essa igreja não cabe ser tolerada, uma vez que todos os súditos que dela fazem parte, acabam se tornando membros ou súditos de outro príncipe, constituindo-se, assim, numa espécie de poder paralelo, o que não condiz com as regras do bom viver em sociedade. Neste item da discussão, Locke destaca dois pontos importantes: (i) não admite que leis estrangeiras possam interferir nos assuntos internos de um povo; (ii) são as religiões diferenciadas em si mesmas. Uma religião, por mais estruturada que seja, não pode querer ou exigir de seus súditos obediência, passando por cima das leis inerentes à cultura local. Ou seja, uma pessoa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. A religião tem valores. E as pessoas acreditam nesses valores por elas escolhidos e que por vezes se chocam. Locke diz que cada um tem que ter a sua religião.
Para encerrar o quarto e último limite acerca da tolerância, Locke vai excluir os que negam a existência de Deus. Aqui Locke é radical e implacável com os ateus, dizendo que estes não devem ser de modo algum tolerados. Ressalto que Locke viveu numa época em que a Igreja exercia um papel de importância capital na vida de todas as pessoas, e acreditar em Deus significava a solidez das relações em sociedade. Ao contrário, tudo perderia a consistência e, em conseqüência, tendia a se fragmentar, a se dissolver. Sequer era admissível a supressão de Deus até no pensamento.
Locke exclui, como já dito, os ateus da tolerância de forma radical. A questão central de Locke é o que é ser ateu numa época de tanto rigor religioso. Era um perigo para a sociedade ter em seu seio um ateu. Para Locke, o ateísmo estava atrelado à libertinagem. Em conseqüência, o ateu era marginalizado, estigmatizado, visto que era uma pessoa que não seguia regras. E, se tendo regras pré-estabelecidas os homens naturalmente já tendiam a transgredi-las, sem regras seria o caos. Como o ateu não era um homem de cumprir pactos, não deveria ser tolerado.
Entretanto, Locke não condena o ateu no contexto do século XVII, mesmo representando ameaça à sociedade. Ele apenas quer dizer que o ateu, por não seguir as leis sociais, promove distúrbios, tornando-se um libertino. A idéia desse ateu libertino, como o próprio vocábulo sugere, é libertar-se de uma série de coisas, inclusive de Deus.

C) Conclusão

Ao final da Carta, Locke vai defender a total liberdade de culto entre todas as religiões. O que Locke quer defender é que “tudo o que a lei permite na vida diária deve ser permitido a qualquer igreja no culto divino”[16] Entretanto, tal liberdade de ação não inclui assembléias ou reuniões onde são tratadas ações que visem prejudicar as pessoas. Em tais situações, “deve ser punido da mesma maneira como se tivesse sido pregado na praça do mercado”.[17]
Conforme foi dito linhas acima, Locke escreva a Carta acerca da tolerância no último quartel do século XVII, e o que não podemos perder de vista é que sua análise no que concerne aos motivos que geram conflitos religiosos estiveram tão atuais como o são nos dias de hoje. E mais, o próprio Locke prognosticara que assim seria no futuro. “Possivelmente”, diz ele. Mas, poderíamos dizer que ele poderia ter suprimido o “possivelmente” lá mesmo nos setecentos.
Diz o filósofo que deveríamos buscar as causas em outras searas do que simplesmente atribuí-las à religião. Para ele, “não é a diversidade de opiniões (...), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que se tem manifestado no mundo cristão por causa da religião”[18].
Na verdade, Locke está colocando que todas as guerras religiosas se dão com um propósito de dominação imperialista, para usar um termo mais moderno. Ou seja, os governantes se utilizam da religião como pano de fundo para galgar o poder secular. E para alcançar seus fins, “o povo, que é sempre supersticioso e, portanto, cabeça vazia”[19], é a matéria prima que encontram com maior facilidade ao seu alcance.
Seguindo o raciocínio lockeano, esses líderes, “em oposição às leis do Evangelho e aos preceitos da caridade”, deliberam que os “cismáticos e hereges devem ser despojados de suas posses e destruídos, confundindo (...) duas coisas completamente diferentes: a Igreja e a comunidade (p. 28).” Se voltarmos nosso olhar para trás, não precisamos recuar muito. Basta que voltemos nossa atenção para a tentativa de dominação imperialista que os Estados Unidos da América procuram impor na região do Golfo Pérsico, notadamente no Iraque, onde a ocupação americana ainda se mantém. Os hereges, para esses imperialistas, são os homens, mulheres, velhos e crianças, sacrificados diariamente em nome de Deus. Para Locke, tudo poderia ser evitado se cada um deles “se confinasse dentro de suas fronteiras – um cuidando apenas do bem-estar material da comunidade, outro da salvação das almas – possivelmente não haveria entre eles nenhuma discórdia (p. 27).”
Para concluir, Locke condena os termos pejorativos, hereges e cismáticos, e a todos os que se opõem ao status quo religioso em todas as suas formas. Seu argumento é o de que existe uma acentuada relatividade nas religiões, e qualquer ato que venha discriminar ou ferir outrem a partir das opiniões religiosas, fere todos os princípios das Escrituras Sagradas, por afigurar-se como desumano, visto que em nada afeta o direito civil. E conclui dizendo que a intolerância que daí surge carrega consigo intenções que não são as verdadeiras intenções de uma religião pura, cristã enfim.

BIBLIOGRAFIA

LOCKE, John (1632-1704). Carta acerca da tolerância. Tradução de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. – 2. Ed. – São Paulo : Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores), pg. 152-177.
RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Tradução de Brenno Silveira. – Companhia Editoria Nacional. – São Paulo – 1968.
SANTOS, Antônio Carlos dos. Os filósofos : clássicos da filosofia. – v. I, de Sócrates a Rousseau / Rossano Pecoraro (org). Petrópolis, RJ : Vozes : Rio de Janeiro : PUC-Rio, 2008.


[1] Graduando na UFS em Filosofia, sexto período.
[2] SANTOS, Antônio Carlos dos. Locke. In: Os Filósofos: Clássicos da Filosofia, de Sócrates a Rousseau. Org. Rossano Pecocaro, Petrópolis, RJ, Vozes, Rio de Janeiro, PUC-Rio, 2008, p. 269).
[3] Idem, p. 270.
[4] RUSSEL, Bertrand. A filosofia política de Locke. In: História da Filosofia Ocidental. Trad. Brenno Silveira, 3 ed., Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1968.
[5] LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. Trad. De Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro, 2. Ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. 10) (Os Pensadores).
[6] Cf. op. Citada, p. 271.
[7] Cf. op. Cit. P. 13.
[8] Idem, p. 14.
[9] Ibidem, p. 14.
[10] Cf. op. Citada, p. 15.
[11] Idem, p. 17
[12] Cf. op. Citada, p. 21.
[13] Cf. op. Citada, p. 22.
[14] Idem, p. 23.
[15] Ibidem, p. 23.
[16] Cf. op. Citada, p, 26.
[17] Idem, p. 26.
[18] Ibidem, p. 27.
[19] Cf. op. Citada, p. 27.

GLOBALIZAÇÃO: AS CONSEQUÊNCIAS HUMANAS
Autor: Zigmunt Bauman
Resumo: Rinaldo de França Lima

Na obra, o autor trabalha variados enfoques dado ao tema globalização. O que para alguns representa um objetivo a ser alcançado, para outros representa uma tendência, tendência esta responsável por todos os males da humanidade. Todavia, independente de qualquer corrente de pensamento, todos concordam que a globalização é um processo inevitável e irreversível. O objetivo da discussão que o livro levanta é trazer à luz os fenômenos provocados pela globalização, como por exemplo, o espaço e o tempo, a noção do que é local e do que é global. O autor procura entender as tensões existentes em um contexto pós-moderno e a partir dele, sugere alternativas para se rever as concepções do mundo atual. Já no primeiro capítulo, ele nos chama à reflexão sobre a construção das grandes corporações e sua localização no tempo e no espaço e o conflito gerado pela falta da presença física dos investidores, os verdadeiros donos das empresas. Segue-se que os empregados não têm voz ativa na tomada de decisões, ou seja, todas as deliberações são tomadas pelos investidores ausentes, para os quais o que está em jogo é o acúmulo de capital, em detrimento do trabalhador, que é explorado em sua mão-de-obra. Assim, quando os investidores sentem que em determinado local onde estão, o faturamento não está correndo bem, mudam facilmente de local deixando os desempregados com a tarefa de “lamber as feridas”, para usar a expressão de Bauman.
No novo contexto mundial, a mobilidade tornou-se a ordem do dia, ou seja, um dos pontos mais cobiçados pelos donos do poder. Não existem mais atitudes de pressão ao capital, uma vez que a empresa perdeu seu vínculo com o local e, assim, tornou-se imune à pressão dos trabalhadores. Podemos entender melhor a situação quando imaginarmos como eram os movimentos grevistas num passado bem próximo e como são atualmente. Os sindicatos perderam força e o que podemos ver são greves que não raro acabam trazendo somente prejuízos aos trabalhadores. A assim, o capital procura lugares “mais pacíficos” quando ameaçado em seus objetivos. Nessas circunstâncias, as distâncias perderam sua importância, o que alguns estudiosos do assunto assumem como o fim da geografia em termos de espaço. As fronteiras desaparecem.
Para o autor, esse encurtamento das distâncias é um efeito da velocidade com que as informações viajam, e também dos meios de comunicação. Ele assinala que, com um crescente desenvolvimento de novas tecnologias, em vez de diminuir os espaços das diferenças sociais, acaba por causar um efeito contrário, ou seja, polariza a sociedade: os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres (como bem dizia um passageiro sucesso da música popular recente: “o de cima sobre e o de baixo desce”). Para os que estão no topo, a liberdade total de locomoção, para os outros resta apenas ficar observando, impotentes. Neste ponto, Bauman refere-se à necessidade que o ser humano tem de estabelecer padrões de comparação e medidas, de limites e de fronteiras, trazendo à luz a discussão da estrutura proposta pelos homens em padronizar os espaços geográficos e a partir deles construir um espaço homogêneo em que possa produzir e viver. Em outras palavras, o homem tem como característica seguir os caminhos da uniformidade, criando cidades com estruturas parecidas, aos olhos dele ideais para os padrões arquitetônicos vigentes. Outra canção popular falava em “galos, noites e quintais”, coisas que não se vêem mais. Inimaginável pensar nossas grandes cidades por este ângulo. Pessoas nas calçadas, conversando, trocando idéias, sendo felizes. Como bem retratou o quadro uma canção brasileira de 1969, parida através do gênio de Garoto, Vinicius de Morais e Chico Buarque de Holanda, que de forma melancólica e ao mesmo tempo poética assim descrevem uma cena tipicamente brasileira:
“São casas simples
Com cadeiras nas calçadas
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar”
Ressalta o autor que a cidade, antes criada para preservar seus habitantes dos invasores, agora serve para proteger o cidadão do seu “inimigo interior”. Os altos muros de pedra não estão mais para proteger as cidades, mas para isolar o homem que agora se protege dentro de sua casa. E o mais curioso é que nos dias atuais as pessoas se “encastelam” atrás de seus altos muros compactos e sem frestas e acreditam que assim procedendo estão simplesmente seguindo tendências da moda. A partir dessa nova organização social, o Estado ganha um novo sentido de visão, ao olhar de Bauman.
No terceiro capítulo, ele vai tratar da mudança e da nova perspectiva do Estado, estabelecendo uma nova relação com a economia, como conseqüência da velocidade dos novos acontecimentos. As empresas, em face da mudança de localidade, acabam pressionando o Estado, situação em que podem demitir pessoas em qualquer localidade sem prejuízo econômico, deixando para o Estado resolver as conseqüências nefastas deixadas como herança. Devido a esta situação, Bauman coloca que o Estado vem sofrendo um definhamento, sobrevindo uma forte tendência à eliminação do Estado-Nação, o que leva o autor a chamar o fato de uma nova desordem mundial. Para ele,
“a nova desordem mundial (...) não pode ser explicada meramente pela circunstância que constitui a razão mais óbvia e imediata da sensação de pasmo e perplexidade. (...) A imagem da desordem global reflete, antes, a nova consciência (...) da natureza essencialmente elementar e contingente das coisas que anteriormente pareciam tão firmemente controladas ou pelo menos, tecnicamente controláveis (BAUMAN, 1999, p. 65).
Em resumo, para o autor a globalização nada mais é do que o processo de desordem da economia e das relações sociais. Ela, a globalização, diz respeito a todos e leva a resultados inesperados. Não há como planejar os caminhos a serem seguidos.
Desta forma, Bauman vê a morte da soberania do Estado, o qual tem de abrir mão do seu controle para atender aos interesses da nova ordem, ou desordem, mundial. Nesse contexto, ao Estado restará a tarefa de manter os interessas das grandes corporações. E estas grandes empresas dispõem de toda a liberdade para executarem manobras econômicas que deixam o Estado impotente, ou seja, na condição de mero expectador do processo. A ordem do dia é atrair os investidores. O Estado treme só de pensar na fuga dos capitais para além de suas fronteiras. Na verdade, a promessa de que o livre comércio e o desenvolvimento econômico representariam uma diminuição das desigualdades sociais não passa de mera conversa para boi dormir. O que se constata, de fato, é um aumento cada vez mais evidente da riqueza dos ricos contra um aumento cada vez maior das necessidades dos pobres. Infelizmente, o que constatamos é um mundo econômico, tecnológico e científico extremamente desigual e excludente. Este novo mundo proposto é o mundo da fome, da pobreza e da miséria absoluta onde, segundo Bauman “800 milhões de pessoas estão em condições de subnutridas e 4 bilhões de pessoas vivendo na miséria”. Para o autor, a pobreza leva o homem ao processo de degradação social que nega as condições mínimas de dignidade da vida humana. O autor trabalha a idéia de como a queda do Muro de Berlim veio acelerar o processo da mundialização da economia. Segundo ele,
“com o Grande Cisma fora do caminho, o mundo não parece mais uma totalidade e, sim, um campo de forças dispersas e díspares, que se reúnem em pontos difíceis de prever e ganham impulso sem que ninguém saiba realmente como pará-las (BAUMAN, 1999, p. 66). Logo em seguida, completa: “... “Não há mais uma localidade com arrogância bastante para falar em nome da humanidade como um todo ou para ser ouvida e obedecida pela humanidade ao se pronunciar” (BAUMAN, 1999, p. 66).
Aqui o autor define o processo de globalização como um fenômeno “de caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo”.
No capítulo final, o autor cuida das questões sobre a lei global e a ordem local. Aqui ele nos transmite a idéia de que todos os processos mundiais têm as mesmas peculiaridades. Dito de outra forma, os métodos que todos os governos utilizam sobre os problemas locais levam aos mesmos objetivos, uma vez que todos aplicam as leis que garantem a classe média as condições mínimas, penalizando com leis severas as classes menos favorecidas. Mesmo que o Estado a cada dia venha perdendo força, como dito acima, para Bauman ele ainda se utiliza de mecanismos que minimizam alguns setores sociais, mas em contrapartida este mesmo Estado cria condições muito mais favoráveis para o mercado financeiro e para os investidores.
Há os leitores que criticam o autor, acusando-o de dar voltas para por fim resumir pensamentos em uma frase. Não concordo com esses leitores. A meu ver, Bauman é muito feliz em sua obra pela sua retórica, o que faz do seu trabalho um relato dramático e ao mesmo tempo poético de uma realidade que domina toda a humanidade. O que seria das teorias e das teses sociais se não houvesse textos tão contundentes e ao mesmo tempo belos como o a seguir?
“Os primeiros viajam à vontade, divertem-se bastante viajando (particularmente se vão de primeira classe ou em avião particular), são adulados e seduzidos a viajar, sendo sempre recebidos com sorrisos e de braços abertos. Os segundos viajam às escondidas, muitas vezes ilegalmente, às vezes pagando por uma terceira classe superlotada num fedorento navio sem condições de navegar mais do que outros pagam pelos luxos dourados de uma classe executiva – e ainda por cima são olhados com desaprovação, quando não presos e deportados ao chegar” (BAUMAN, 1999, p. 98).
Para ilustrar o acima exposto, recentemente houve um incidente (quinta-feira 6 de março de 2008), em que a Polícia Federal brasileira impediu a entrada de sete espanhóis que tentavam desembarcar no aeroporto internacional de Salvador, numa contrapartida à ação similar praticada em Madrid, no dia anterior, onde dois jovens mestrandos, Pedro Luiz Lima e Patrícia Rangel, ambos do Instituto Universitários de Pesquisas do Rio (IUPERJ), foram retidos e obrigados a retornar ao Brasil depois de passarem por constrangimentos.
Por fim, o livro traz como proposta uma reflexão teórica sobre as conseqüências do processo de globalização da economia mundial para a humanidade. Chama a atenção para pontos de fundamental importância como, por exemplo, a cada momento vemos situações de aumento de pobreza, redução das condições mínimas de sobrevivência. Na medida em que as grandes potências econômicas crescem cada vez mais, com esse crescimento vem a exploração que é própria do seu modelo desvinculado do local, tendo, na visão do autor, um alicerce para a manutenção da ordem global com a conseqüente precarização da vida humana no planeta Terra.


BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1999.

Nenhum comentário: