tag:blogger.com,1999:blog-47123996457305907532024-02-19T12:47:34.439-03:00kalós kai agathós (belo e bom, moralmente)Este espaço tem a pretensão de ser um abrigo para meus devaneios e viagens através dos meandros da Filosofia. Estará sempre em construção,posto que atingir os limites do conhecimento jamais será possível. Nem arriscaria dizer que pode haver um início, quanto mais limites!Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.comBlogger18125tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-54556419844642903022010-12-10T11:20:00.003-03:002010-12-13T17:15:35.846-03:00Filosofia no BrasilEXISTE OU NÃO FILÓSOFOS E/OU FILOSOFIA BRASILEIROS?<br />
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Resumo: Com o presente e curto ensaio monográfico eu pretendo demonstrar que existem filósofos brasileiros; existe uma filosofia feita no Brasil e de qualidade reconhecida; que não existe uma filosofia genuinamente brasileira dentro dos modelos tradicionais, mas que o quadro vem mudando nos últimos tempos e podemos vislumbrar um futuro promissor para a história do pensamento brasileiro. O método que utilizei foi o da simples pesquisa de nomes de peso na história da filosofia brasileira, aliado ao meu próprio modo de filosofar, que é o de fazer anotações no meu dia a dia.<br />
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INTRODUÇÃO<br />
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Engana-se quem pensa que não há filosofia no Brasil e, em conseqüência, que não há filósofos. Não se pode falar de uma tradição, eminentemente brasileira, num país tão jovem quanto o Brasil. Seria, talvez, um contrassenso exigir de nosso país uma filosofia nos moldes da grega, alemã, inglesa ou francesa, quando forçosamente temos que considerar a história milenar dessas civilizações. Não estariam os nossos teóricos exagerando ou exigindo de nós brasileiros, do ramo, uma produção filosófica própria além daquela que podemos efetivamente oferecer? O pensamento de uns não pode ser tomado de forma dogmática e... Ponto final. Não! Ninguém é detentor da verdade. Uma pessoa não pode conhecer todas as pessoas que pensam, escrevem e publicam num país. Muito menos conhecer todas as obras publicadas.<br />
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NOMES DE PESO NA HISTÓRIA DO PENSAMENTO BRASILEIRO<br />
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Muito embora não possuamos uma tradição filosófica intrinsecamente brasileira, o pensamento filosófico brasileiro já começa a tomar corpo a partir do século XVIII, passando por sucessivas mudanças até chegar aos dias atuais. Sabe-se, por exemplo, que durante todo o século XIX uma doutrina foi difundida no Brasil, abrigando grandes nomes, a exemplo de Benjamin Constant, Miguel Lemos e Teixeira Mendes, o positivismo. Por volta da metade do século XIX, correntes evolucionistas e culturalistas encontraram aqui no Brasil renomados representantes, como por exemplo, Tobias Barreto e Silvio Romero, ambos naturais do Estado de Sergipe, sendo o primeiro partidário do culturalismo e o outro do evolucionismo de Spencer. Daí, podemos inferir que um pensamento não nasce adulto, pronto. Tal analogia pode ser aplicada tanto ao pensamento de um indivíduo, quanto ao pensamento evolutivo de uma sociedade, no caso em estudo a sociedade brasileira. Ele precisa de tempo para ser maturado.<br />
Da lavra de Tobias Barreto (1839-1889) podemos citar suas “Obras Completas”, editadas pelo Instituto Nacional do Livro, nas quais estão inclusos os seguintes títulos: “Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica” (1875), “Brazilien wie ES ist” (1876), “Ensaio de pré-história da literatura alemã”, “Filosofia e Crítica”, “Estudos Alemães” (1879), “Dias e Noites” (1881), “Polêmicas” (1901), “Discursos” (1887) e “Menores e Loucos” (1884).<br />
De Silvio Romero (1851-1914), entre outras obras, merece destaque: “A filosofia no Brasil”, obra que viria causar grande polêmica com seu condiscípulo Souza Bandeira. Infelizmente, não tive como ir além na pesquisa sobre Souza Bandeira, visto que o autor pesquisado não dá mais detalhes sobre o personagem. Para habilitar-se à cadeira de Filosofia do Colégio Imperial Pedro II, Sílvio Romero defendeu a tese “Da interpretação filosófica na evolução dos fatos históricos”, tendo logrado aprovação. Em 1894 publica obra de crítica ao positivismo, intitulada “Doutrina contra Doutrina” e no ano seguinte publicou os “Ensaios de filosofia do direito”.<br />
Um nome não pode deixar de ser citado: Raimundo de Farias Brito, tido como um dos filósofos brasileiros de grande prestígio e originalidade. Nascido em São Benedito, Ceará, em 1862, entre várias de suas obras podemos destacar “A Filosofia como Atividade Permanente do Espírito Humano” e “Finalidade do Mundo”, obras onde o autor demonstra um incansável esforço em busca da verdade. Entretanto, em sua época eram escassos os leitores para assuntos filosóficos, fato que se prolonga até os nossos dias, o que não significa que não tenhamos filósofos no Brasil e, mais, que esse quadro negativo venha experimentando uma evolução positiva a cada dia. E se não existem leitores, ou autores, que se disponham ao debate, que culpa tem o filósofo? O filósofo existe, é óbvio, já o debate...! É outra história! Podemos não ter, como dito linhas acima, uma filosofia genuinamente brasileira, mas filósofos temos, sem dúvida. <br />
Para Farias Brito, a Filosofia é um trabalho constante que o espírito assume no sentido de ver o mundo em sua totalidade, dentro da qual a consciência desenvolve sua atividade. Para ele, consciência e espírito se identificam. É missão da Filosofia, segundo esse filósofo, trazer à luz o que está encoberto sob o manto da ignorância e se apresenta ao homem como um mistério. Podemos não esclarecer tudo, mas temos obrigação de pelo menos tentar esclarecer o melhor que pudermos. Em síntese, procura esse pensador desenvolver uma investigação de caráter próprio acerca dos principais temas filosóficos atrelados aos problemas existenciais: a verdade, a vida, a dor, a morte. Segundo Farias Brito, a moral é a finalidade última da filosofia. A filosofia, enfim, precisa atender as inquietações inerentes ao ser humano.<br />
Outro nome igualmente importante surge no início do século XX: Leonel Franca, considerado um dos mais expressivos do pensamento filosófico brasileiro desse período. Desempenhou importante papel na restauração e renovação do pensamento tomista, frente às questões advindas das doutrinas materialista e espiritualista. Nascido em São Gabriel, Rio de Janeiro, em 1893, foi um sacerdote católico e professor brasileiro. De suas obras podemos destacar como as mais importantes: “Noções de História de Filosofia” (1918), “A Igreja, a Reforma e a Civilização” (1922) e “Pensamentos Espirituais”, publicados postumamente em 1949.<br />
Dom Luciano José Cabral Duarte, aracajuano nascido em 1925, é arcebispo emérito de Aracaju, e merece entrar nesta lista de homens do pensamento brasileiro. De D. Luciano cito apenas uma obra: “La Nature de l’intelligence dans de thomisme e dans La philosophie de Hume” , tese de doutorado em Filosofia apresentada na Sorbonne. O texto completo está disponível na Internet no site “books.google”, em francês, e tem 387 páginas.<br />
Antônio Paim, baiano, nascido em 1917, tem lugar de honra nesta galeria, pela importância de seu trabalho na arte do pensamento. Sua obra de vulto, “Bibliografia Filosófica Brasileira”, em dois volumes, foi publicada em parceria com Miguel Reale. Paim tem desenvolvido amplo trabalho de pesquisa e reedição de textos na área de filosofia brasileira, ou filosofia no Brasil, como queiram. O conteúdo de sua atividade de pesquisa pode ser resumido em três itens: a) Estudo da Filosofia Brasileira; b) Estudo do Pensamento Político Brasileiro; c) Estudo das Idéias Morais no Brasil.<br />
Parafraseando um renomado historiador, cujo nome me foge à memória neste momento, recordo que dizia ele que o homem, por onde quer que ele passe, aí estaria a sua história, bem assim ocorre com o filósofo, o pensador. Dito com outras palavras, todo homem e toda mulher que possa pensar logicamente e que tenha como expor seus pensamentos de forma sistematizada, ordenada e produtiva, será um filósofo em potencial. Aí estará sua filosofia. Ou seja, se um homem consegue ordenar seus pensamentos e emitir juízos, então se tem aí um possível filósofo. Em qualquer lugar do mundo, todo homem e toda mulher pensa. E todos pensam de forma similar. O pensar de um homem brasileiro não é diferente do pensar de um Sócrates, de um Nietzsche, de um Freud, de um Darwin, etc. O que faz a diferença é o como ele ordena seus pensamentos, e o que pode oferecer em benefício dos seus semelhantes.<br />
Para alguém defender que não existem filósofos ou filosofia no Brasil, seria preciso conhecer, amiúde, todas as obras do gênero publicadas, o que é tarefa das mais difíceis. Cobra-se tanto uma filosofia brasileira, genuinamente brasileira, o que pode parecer conter aí um certo exagero. Afinal, o Brasil é um país jovem, não possuidor da tradição dos alemães, ingleses ou franceses. Mas, será que num país onde a distância entre a fala e a escrita se amplia cada vez mais, não poderia ser este um dos motivos a impedir o desenvolvimento de uma filosofia genuinamente brasileira, tão cobrada? E mais, com os altos custos para o leitor brasileiro, não seria esse outro motivo impeditivo aos nossos filósofos de incrementar publicações? Certamente, outros motivos existem, entretanto sair numerando-os não acrescenta muito a este trabalho. <br />
Outro ponto merece ser tratado com cuidado: os assuntos mais quentes, digamos assim, já podem ter sido discutidos exaustivamente ao longo dos séculos. E o Brasil, por suas peculiaridades históricas, e também por ser um país jovem, talvez não tenha condições, ainda, de, pelas lentes dos seus filósofos, enxergar motivos para levar adiante um projeto filosófico mais arrojado. Afinal, o pensamento humano já está praticamente, se não todo, “mapeado”, mas isso não significa que algo novo não possa surgir. Mas, como fazer isso? Buscando dentro de si próprio os seus limites. E como chegar a esse ponto? Com a reflexão. A reflexão pode ser, portanto, um ponto de partida para o filosofar. Filosofar é, a partir de uma reflexão profunda, defender uma perspectiva nova. Em qualquer lugar do mundo há filósofos. Viver já é uma condição para ser filósofo. Pensou, filosofou! Tudo começou quando o homem, ainda em projeto, ergueu os olhos para os céus e perguntou a si mesmo sobre os limites do universo. Este foi o início de todo o filosofar.<br />
O que o Brasil precisa é procurar mudar esse quadro, não de uma hora para outra, mas num processo de longo prazo. Muita coisa precisa ser repensada, muitas questões de política no interior das corporações universitárias precisam ser revistas. Paradigmas precisam ser mudados. As novas cabeças pensantes estão em todas as partes, só precisam ser corretamente orientadas a pensar por si. <br />
Nenhum pensamento nasce adulto, pronto. Ele é como uma criança. Nasce pequenino e com o passar do tempo vai sendo moldado de forma a se tornar maduro e bom, pelo menos no campo filosófico, que é o caso ao qual me proponho aqui. Assim também é com os homens. É através de seus pais e educadores em geral que ele vai se aperfeiçoando, sem, no entanto, chegar ao fim de um caminho, posto que o caminho para o conhecimento não conhece limites. Cabe, então, às gerações futuras, dar a esse pensamento as nuances que ele vai precisar, e, assim, evoluindo sempre, esse pensamento “perde”, de algum modo, a sua paternidade”, passando a fazer parte de uma espécie de “patrimônio da humanidade” do pensamento. Entretanto, deve-se procurar manter fidelidade sempre ao seu autor.<br />
Ainda que nossos “filósofos brasileiros” não se considerem como tais, uma coisa é certa: é possível, sim, fazer filosofia no Brasil. Não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, conforme dito linhas acima. Se os filósofos brasileiros da atualidade, frise-se bem, da atualidade, não se consideram como filósofos, o problema é mais sério do que se imagina.<br />
Conforme dito linhas acima, não se pode conhecer todos os pensadores de um país para se afirmar não existir aí filósofos ou filosofia. Em nosso país, uns nomes estão tão esquecidos que precisam mesmo de um verdadeiro “filósofo arqueólogo” para descobrir que velhas ossadas um dia puderam abrigar cérebros que produziram grandes obras. Olavo de Carvalho, nascido em Campinas, São Paulo, em 1947, além de ser um dos pensadores brasileiros mais respeitados, vem empreendendo um trabalho extraordinário no sentido de resgatar do esquecimento um nome que representa um marco na história da filosofia brasileira: Mário Ferreira dos Santos, nascido em Tietê, São Paulo, em 1907 e morto em 1968. Até o final dos comentários acerca desse pensador, as palavras de Olavo de Carvalho vão merecer destaque, visto que, sem elas, na íntegra, quaisquer outras palavras não teriam o mesmo efeito.<br />
Mário Ferreira dos Santos ocupa no Brasil “uma posição similar à de Giambatista Vico na cultura napolitana do século XVIII ou de Gottfried Von Leibniz na Alemanha da mesma época: um gênio universal perdido num ambiente provinciano incapaz não só de compreendê-lo, mas de enxergá-lo”. Conta Olavo de Carvalho que ninguém poderia suspeitar que, “num escritório modesto da Vila Olímpia, na verdade uma passagem repleta de livros entre a cozinha e a sala de visitas, um desconhecido discutia em pé de igualdade com outros grandes filósofos de todas as épocas, demolia com meticulosidade cruel as escolas de pensamento mais em moda e sobre seus escombros erigia um novo padrão de inteligibilidade universal”.<br />
Olavo de Carvalho vem empreendendo um criterioso trabalho editorial para republicação das obras de Mário Ferreira, com a revisão de todas as publicações primeiras, visto que estas foram, para usar suas palavras, “um desastre editorial completo”. Mário Ferreira, diz Olavo, “foi um filósofo na acepção mais técnica e rigorosa do termo, um dominador completo das questões debatidas ao longo dos milênios”. Mario Ferreira, continua Olavo de Carvalho, certa feita “fazia uma conferência quando, de repente, pediu desculpas ao auditório e se retirou, alegando que “tivera uma idéia” e precisava anotá-la urgentemente. A idéia era nada mais, nada menos que as teses numeradas destinadas a constituir o núcleo da sua “Filosofia Concreta”, por sua vez o coroamento dos dez volumes iniciais da sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas. É de bom alvitre explicar, de forma resumida, o que significa de fato a Filosofia Concreta de Mário Ferreira dos Santos. Ela é “construída geometricamente como uma seqüência de afirmações auto-evidentes e de conclusões exaustivamente fundadas nelas – uma ambiciosa e bem sucedida tentativa de descrever a estrutura geral da realidade tal como tem de ser concebida necessariamente para que as afirmações da ciência façam sentido.” E para finalizar, Olavo de Carvalho escreve: “a filosofia de Mário descerra diante de nossos olhos, de maneira diferenciada e meticulosamente acabada, um edifício doutrinal inteiro que, em Pitágoras – e mesmo em Platão – estava apenas embutido de maneira compacta e obscura”.<br />
Dada a importância da descoberta do Olavo de Carvalho, é imprescindível fechar essa parte do trabalho com uma citação emblemática do próprio Olavo: “Não tenho a menor dúvida de que, quando passar a atual fase de degradação intelectual e moral do país e for possível pensar numa reconstrução, essa obra, mais que qualquer outra, deve tornar-se o alicerce de uma nova cultura brasileira. A obra, em si, não precisa disso: ela sobreviverá muito bem quando a mera recordação da existência de algo chamado “Brasil” tiver desaparecido. O que está em jogo não é o futuro de Mário Ferreira dos Santos: é o futuro de um país que a ele não deu nada, nem mesmo um reconhecimento da boca para fora, mas ao qual ele pode dar uma nova vida no espírito.” <br />
O próprio Olavo de Carvalho é autor da obra Introdução à Teoria dos Quatro Discursos (Rio, Topbooks, 1997), na qual defende que o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diferentes: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica). Segundo o autor, “há nas obras de Aristóteles uma idéia medular, que escapou à percepção de quase todos os seus leitores e comentaristas, da Antiguidade até hoje. Mesmo aqueles que a perceberam – e foram apenas dois, que eu saiba, ao longo dos milênios – limitaram-se a anotá-la de passagem, sem lhe atribuir explicitamente uma importância decisiva para a compreensão da filosofia de Aristóteles.” Se um trabalho dessa envergadura não é fazer filosofia no Brasil, o que vem a ser?<br />
A lista não se esgota aqui, ficando a conclusão deste trabalho para mais adiante. Todavia, os poucos nomes aqui apresentados como sendo homens do pensamento, filósofos em suma, constituem, por si mesmos, um forte argumento para provar a existência de filósofos brasileiros. E, em conseqüência, de filosofia no Brasil.<br />
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CONCLUSÃO<br />
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Diante de tudo o que acima ficou explicitado, apresenta-se mais plausível inferir que o pensamento filosófico no Brasil vem sendo mais e mais ampliado ao longo dos tempos, alargando seus limites. E, muito embora ainda não possamos falar de uma “Filosofia do Brasil”, já se pode considerar a filosofia no Brasil como sendo uma prática que se reveste de um interesse que vem crescendo dia a dia. Por último, em resumo, pode-se concluir que temos filósofos no Brasil e, em conseqüência, filosofia no Brasil. Entretanto, a tão cobrada “filosofia genuinamente brasileira”, esta está gestando e deverá demorar algum tempo até que o país possa atingir uma maturidade e tradição esperadas.<br />
Nomes do pensamento contemporâneo brasileiro, a exemplo de Luiz Felipe Pondé, estão alertas para essa perspectiva de como se fazer filosofia brasileira, ou no Brasil. Posso exemplificar através de sua obra mais recente, publicada pela Leya, 2010: Contra um mundo melhor: ensaios do afeto, na qual o autor sai da sala de aula e vai às ruas levando ao público “não filósofo”, como ele mesmo chama, a sua filosofia do cotidiano. Só para ilustrar, eu destaco um pequeno trecho do livro: “Esboço uma filosofia do cotidiano. O que é uma filosofia do cotidiano? É uma filosofia que acompanha você no trabalho, na cama, entre as pernas, no carro, no hospital, no cemitério, no celular, no avião, no free shop, no amor, no ódio, no ciúme, na inveja, na gratidão.” (PONDÉ, 2010, 19) Luiz Felipe esqueceu de incluir nessa lista aquele momento em que você é um rei no trono do seu apartamento fazendo suas anotações filosóficas.<br />
A tese central de Palácios sobre o fato de não haver uma filosofia genuinamente brasileira é a falta de diálogo entre os “filósofos” brasileiros. Dito de outra forma, no Brasil um autor publica uma obra, mas não aparece ninguém para “responder”, caracterizando o “diálogo”. Alguns usam argumentos fúteis do tipo “é um texto pedregoso”, “muito longo”, etc., o que não parece espelhar a realidade. Outros fatores, talvez mais sérios, devem ser considerados, como por exemplo, as peculiaridades históricas do Brasil, a forma como a filosofia foi trazida para as universidades brasileiras, a acomodação própria do povo brasileiro, enfim, a nossa própria personalidade.<br />
Assim, diante do que ficou apreendido do texto de Armijos Palácios, pode-se inferir que existem, sim, filósofos no Brasil, muito embora nossos principais nomes, vítimas de uma herança maldita, se sintam em condição de inferioridade. E, em função dessa condição herdada, não tenha havido no Brasil a construção de uma filosofia genuinamente brasileira, visto não haver aqui uma tradição do debate, do diálogo filosófico. Não há respostas às publicações, com deveria haver. Há, sim, uma espécie de letargia onde nossos pensadores não se aceitam como filósofos, mas apenas como professores de filosofia. Talvez eles, na sua maioria, por exercerem apenas o ofício de reproduzir o pensamento alheio, especializando-se em um ou outro filósofo, estejam apenas sendo honestos consigo mesmos.<br />
REFERÊNCIAS:<br />
1. www.olavodecarvalho.org/livros/4discursos.htm - Visitado em 01/11/10;<br />
2. http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-3/mario-ferreira-dos-santos-e-o-nosso-futuro/ - Visitado em 05/11/10.<br />
3. ARMIJOS PALÁCIOS, Gonçalo. De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. Goiânia: Editora da UFG, 2004. 120 P. – Coleção Filosofia, 1 – Série Ensaios.<br />
4. PONDÉ, Luiz Felipe, 1959. Contra um mundo melhor: ensaios do afeto. In: Imperfeição. – São Paulo: Leya, 2020, 216 pp.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-14407009724724858322010-09-24T14:43:00.004-03:002010-09-24T14:50:47.407-03:00PENSÉESPENSAMENTOS<br />
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1. Os casamentos começam como fogueiras: umas são apagadas; as demais, inexoravelmente acabem em cinzas (17/09/2010).<br />
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2. Todo relacionamento é prisão: alguns são condicional; outros, prisão perpétua.<br />
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3. Deus: quero reformular meus conceitos sobre Deus. No momento em que penso em Deus, seja como for, como uma força, como uma idéia, neste momento ele existe em minha mente. Ele torna-se necessário nos momentos difíceis da minha vida, pois é nesses momentos que eu fico fragilizado. É aí que sinto necessidade dele. E não posso sentir necessidade do que não existe.<br />
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4. Se a mulher só tem um dia no ano (8 de março) tem uma explicação: não extinguir a espécie rosas do planeta (não entendi o que eu mesmo escrevi).<br />
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5. Pegue qualquer pensamento, por exemplo, “um carro está buzinando”. Aparentemente não há nada demais em um carro buzinar. Mas, aproveite para fazer um exercício mental a partir desse simples pensamento. Primeiro, ele lhe veio através do sentido da audição...<br />
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6. Um sujeito nasce lá num país nórdico, frio, propício ao desenvolvimento mais produtivo do intelecto. Esse sujeito tem mais chances de ser uma virtuose, como o foi Kierkegaard. Agora, passemos para cá, para debaixo da linha do equador, para um país tropical e vamos assistir aulas numa sala desconfortável, quente, com carteiras duras e, pior, depois de ter trabalhado de oito a dez horas. É um malabarismo intelectual assimilar os conteúdos. Exemplificando: eu assisti as primeiras aulas do “É preciso duvidar de tudo” nesse clima. Muito pouco pude reter, principalmente porque estava sem o texto. Mas, bastou apenas uma leitura do mesmo conteúdo, num momento de maior conforto, sozinho em casa, para ver que o aproveitamento foi bem melhor.<br />
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7. O pensamento de um homem assemelha-se a uma árvore, onde o tronco representa a sua tese maior de vida e os galhos as teses menores. Esta árvore pode ser de tamanhos variados. Pode até nem crescer até tornar-se uma árvore, permanecendo como um pequeno arbusto ou mesmo uma muda de grama.<br />
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8. Tudo começou quando o homem, ainda em projeto, ergue seu olhar para o céu e pergunta a si mesmo sobre os limites do cosmo.<br />
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9. Estou tentando criar meu próprio método para melhor assimilar minhas leituras. Não é fácil após a leitura noturna, por exemplo, deitar e recordar tudo o que foi lido. Assim, para facilitar meu aprendizado, resolvi adotar a seguinte técnica: ao final da leitura noturna, retornar ao texto lido e escolher um trecho que tenha sido grifado, uma tese, por exemplo. Após a escolha, ler algumas vezes até fixar. Em seguida, deitar e ficar refletindo sobre o tema, num exercício. Você vai ver que durante algum tempo, ou mesmo durante toda a noite, mesmo estando dormindo aquele pensamento fica em processamento.<br />
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10. “A justiça é uma virtude social, que forçosamente arrasta consigo todas as outras” (Aristóteles – 388 a. c).<br />
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11. “A alma humana está forçosamente sujeita às paixões”. <br />
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12. Pensar não é exatamente o mesmo que ler. Ler sem articular os sons das palavras produz um rendimento bem maior.<br />
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13. Um bom esposo mede-se pelo seu relacionamento com a sogra.<br />
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14. Meus pensamentos às vezes decorrem de outros que estou ouvindo ou lendo. Se estou ouvindo uma conferência, muitas vezes “pego” uma deixa e me desligo do palestrante e passo a anotar meu novo “filhote”. Nem sempre originalmente meu, mas é como se fosse, visto que todo pensamento neste mundo já está “mapeado”.<br />
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15. Todo homem e toda mulher que possa pensar logicamente e que tenha como expor seus pensamentos de forma sistematizada e produtiva é um filósofo em potencial. Dito de outra forma, se um homem consegue pensar de forma ordenada e emitir seus pensamentos, então tem-se aí um possível filósofo. Em qualquer lugar do mundo, todo homem pensa. E todos pensam de maneira similar. O meu pensar não é diferente do pensar de Sócrates, de Nietzsche, de Freud, de Darwin. O que faz a diferença é como ordenar os pensamentos.<br />
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16. Nem Deus sabe o que se fala tanto dele.<br />
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17. De alguma forma, tudo está no seu lugar. A gente tem mesmo é que se adequar.<br />
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18. De alguma forma, os filósofos não mudam nada. Só explicam. Ou, quando nada, tentam explicar.<br />
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19. Tudo é.<br />
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20. Deus é a negação de tudo.<br />
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21. Se Deus é a negação de tudo, logo Deus é pura matemática. Ou seja, qualquer coisa que você disser sobre Deus, basta negar.<br />
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22. Se Deus criou o homem livre, e deu-lhe o livre-arbítrio depois, fazendo com que ele caissem em tentação e pecasse, não teria Ele, Deus, visto somente depois que a obra (o homem) estava inacabada? Assim foi em todos os momentos da Criação, desde o primeiro dia: somente após o ato de criar cada coisa, a luz, por exemplo, é que Ele vai ver que a luz é “boa”. Da mesma forma, quando cria as atuas é que vê que “era boa”. Então, Deus criou tudo sem ter a certeza se o que iria criar seria bom. Ou seja, tudo foi por obra do acaso. Num passe de mágica.<br />
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23. O que caracteriza o filósofo é a inquietação. É o movimento do pensamento.<br />
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24. Um texto é como um bloco de mármore bruto. Por analogia, podemos tirar o excesso de um texto filosófico como se faz uma escultura em mármore, deixando-o enxuto, modelado, com uma forma mais inteligível. Eu procuro esculpir os textos que leio, tirando-lhe os excessos.<br />
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25. Se os gregos pudessem ter visto a Terra do alto, talvez a filosofia tivesse tomado outro rumo.<br />
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26. Se tudo se encontra no Google; se no Google você encontra Deus; e se Deus está no Google, é finito; e se é finito iguala-se ao homem nessa qualidade.<br />
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27. A felicidade é um atributo dos pobres.<br />
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28. Há momentos na vida, certamente os mais difíceis, em que ser ateu tem suas vantagens. De repente, ser ateu não pode ser tão ruim assim. Não ter religião – será que não tenho nenhuma? – não vai – penso – mudar em nada o meu modo de ser e de agir do ponto de vista ético ou moral.<br />
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29. Para mim, se eu morrer neste momento, não sendo eu um crente na figura de um Deus, numa eternidade, pouco vai me importar, pois se a eternidade existe, e certamente existe mas não necessariamente com entidades (pessoas) se reencontrando no Além, ou seja, se a vida após a morte existe de fato, isso pode ser maravilhoso; mas, se não existe essa tal vida após a morte, aqui neste plano terrestre encerra-se todo o ciclo de uma vida. Se existir, volto a dizer, terei toda a eternidade para me redimir da minha descrença.<br />
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30. O pensador francês Pierre Bayle em bom momento aparece em socorro daqueles que se dizem ateus. Eu concordo parcialmente com Bayle quando defende que não precisa o homem ser religioso para ser bom do ponto de vista ético e moral. Bayle acredita ser possível uma sociedade atéia, no que eu discordo em parte. O erro de Bayle está em generalizar. Uma sociedade atéia seria possível sim, a meu ver, mas desde que todos os seus membros fossem conscientes, ou melhor, que tivessem tido uma vida formada dentro dos padrões éticos e morais exigíveis para uma conduta que pudesse ser considerada dentro do que normalmente se espera de um homem.<br />
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31. Eu acredito que o homem, a partir do momento em que está um ser humano cônscio de suas responsabilidades sociais e humanas no seio da sociedade em que vive, não necessita de uma religião para lhe frear as atitudes. Um homem com caráter formado para o bem não vai precisar de nenhuma religião para viver honestamente. Nenhuma religião vai mudar sua conduta para melhor ou para pior.<br />
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32. Para Bayle, a religião não é necessariamente um pré-requisito para a boa conduta de um homem, no que concordo inteiramente. Quando o homem sedimenta todos os seus valores morais de forma que nada mais possa abalá-los, ou quando nada modificá-los, não será uma religião que irá fazer com que ele seja melhor ou pior. Quando o homem atinge esse ponto de sua existência, estará descompromissado de qualquer religião que possa lhe colocar amarras.<br />
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33. Neste momento, em que vivenciei a perda de um ente querido, fosse eu um crente, um religioso, possivelmente estaria chorando pelos cantos da casa, deprimido, sofrendo feito um cão danado. Mas não! Ocorre o contrário, pois, se sou descrente, só concluo que tudo acaba quando os olhos são definitivamente fechados. Aí, calcado nesses pressupostos, estou eu seguindo uma vida normal, sem dor, sem culpas. Assim, na medida em que as religiões aprisionam seus seguidores, na mesma proporção as irreligiões libertam os demais.<br />
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34. Nenhum pensamento nasce adulto. Ele é como uma criança: nasce pequenino e com o passar do tempo vai sendo moldado de forma a se tornar bom. Assim também é com os homens. É através de seus pais e educadores em geral que ele vai se aperfeiçoando, sem, no entanto, chegar à perfeição. Cabe, portanto, às gerações futuras dar a esse pensamento as nuances que ele vai precisar e, assim, evoluindo sempre esse pensamento “perde”, de algum modo, a sua “paternidade”, passando a fazer parte de uma espécie de “patrimônio da humanidade” do pensamento.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-45115511901023449772010-05-12T15:24:00.000-03:002010-05-12T15:24:22.611-03:00Conselhos aos iniciantesEsta seção tem por objetivo repassar para aqueles que têm amor pelo saber dicas e conselhos úteis para o dia a dia filosófico. Começo por uma entrevista concedida pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho a Fabíola Cidral, do Jornal Vidaqui (São Paulo), em 31 de agosto de 2000. É importante uma leitura cuidadosa para avaliarmos se realmente é mesmo a filosofia que queremos.<br />
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12/05/2010<br />
Que é que você quer com a filosofia?<br />
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Entrevista de Olavo de Carvalho a Fabíola Cidral<br />
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Jornal Vidaqui (São Paulo), 31 de agosto de 2000<br />
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Em primeiro lugar, o senhor poderia definir a filosofia?<br />
<br />
É um cacoete universal dizer que a filosofia não se define, mas estou persuadido de ter encontrado uma boa definição, da qual nenhuma das filosofias existentes escapa e que não se aplica a nenhuma outra atividade cognitiva: Filosofia é a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa. Esta definição aplica-se inclusive às filosofias que negam o conhecimento ou que negam a unidade da consciência.<br />
<br />
No seu Seminário de Filosofia o senhor ensina a prática da filosofia. O que é praticar filosofia?<br />
<br />
No meu curso, filosofar é partir de um problema colocado pela vida real e, mediante sucessivos exames, tentar elevar-nos a um ponto de vista universalmente válido a respeito dele. Em seguida, descer novamente para examinar nossas atitudes práticas, morais, diante dele. Nestas subidas e descidas, o auto-exame se torna tão importante quanto o estudo objetivo do problema e é inseparável dele. <br />
<br />
Qual a sua dica para quem deseja começar a estudar a filosofia?<br />
<br />
Decidir, em primeiro lugar, se você quer a filosofia como simples profissão acadêmica, como autêntica disciplina intelectual, como guiamento integral da alma ou tudo isso junto. A profissão acadêmica é hoje o túmulo da filosofia e recomendo-a a quem tenha vocação de coveiro. Se você quer a filosofia como disciplina intelectual, certifique-se primeiro de que tem já uma boa cultura científica e humanística (sobretudo literária e histórica) e um amplo domínio do idioma. Em seguida, anote as perplexidades e os problemas que essa educação adquirida suscitou em você, e, uma vez confirmado que esses problemas são realmente problemas para você, que você tem um interesse vital neles, vasculhe os clássicos da filosofia para saber o que disseram a respeito. Nessa pesquisa pode ser útil um bom dicionário de filosofia, ou um repertório como o que Mortimer Adler e Mark Van Doren organizaram para a série "Great Books of the Western World". Organize as respostas em ordem cronológica e, se o conjunto delas não satisfizer à sua demanda de respostas, busque formular suas próprias respostas pessoais, tratando de manter a discussão num nível compatível com o que foi alcançado pelos filósofos que trataram do assunto antes de você. Quando você tiver conseguido fazer isso com um único problema filosófico, por modesto que seja, você já será um autêntico estudante de filosofia. Se daí para diante não puder mais prosseguir sozinho, venha falar comigo e lhe darei mais umas dicas.<br />
<br />
Quais os outros estudos que estão necessariamente ligados com a filosofia? <br />
<br />
É o que eu vinha dizendo. A filosofia é uma reflexão sobre o conhecimento adquirido, e supõe, por isto, uma boa cultura pessoal, principalmente a cultura da imaginação (através das artes). Se eu fosse planejar a educação de um aluno ideal, primeiro eu abriria para ele os horizontes do imaginário, através do teatro, da literatura, do cinema, da música, dos mitos, das religiões, dos símbolos; depois o poria em contato com os debates públicos, a política, as leis, a constituição objetiva da sociedade. Quando ele chegasse a um ponto de saturação, com milhões de contradições se agitando na sua cabeça, aí sim começaria o aprendizado da crítica filosófica, complementado pelo estudo das ciências. Mas esse aluno ideal não existe, e essa gradação seriada, na prática, tem de ser feita de maneiras inversas, cruzadas e combinadas.<br />
<br />
Qual o perfil das pessoas que freqüentam o seu curso?<br />
<br />
Pessoas desiludidas com o ensino acadêmico da filosofia.<br />
<br />
O senhor acredita que estudar filosofia pode mudar a vida de uma pessoa? A sua mudou?<br />
<br />
Se o estudo da filosofia não mudar a pessoa – e quero dizer mudar para melhor --, é porque simplesmente não se realizou, ficou nas exterioridades, na imitação, na "cultura" filosófica. O estudo verdadeiro começa na hora em que, tendo obtido pela primeira vez uma solução pessoal válida para um problema filosófico, o aluno sente um repuxão na consciência, um apelo a se tornar melhor para ser digno daquilo que sabe. <br />
<br />
Como foi a sua formação? Quando despertou este interesse pela cultura?<br />
<br />
Meu interesse em saber nasceu na adolescência, diretamente suscitado por uma angustiante sensação de não estar entendendo nada – nem da minha vida, nem da conduta das pessoas em torno, nem do que me ensinavam na escola. Minha formação começou no autodidatismo, por absoluta impossibilidade de encontrar, na época, um ensino à altura do que eu necessitava. Mas não foi um autodidatismo de diletante, porque aos quinze anos eu já me preocupava com a questão mesma da auto-educação, lia muitos livros sobre o assunto e tentava manter meu aprendizado num nível comparável ao do que eu sabia existir nos melhores centros universitários, não só da época como também de outras épocas. Fica aí um conselho: se você quer se educar a si mesmo, tem de estudar primeiro a questão mesma da educação, para não cair num caos de leituras sem proveito. <br />
<br />
Mais tarde, quando julguei ter chegado ao limite do que podia aprender sozinho, comecei a escrever para estudiosos consagrados, pedindo ajuda e orientação em questões específicas. Incomodei muita gente, no mundo todo, com minhas perguntas, e em geral fui muito bem recebido. Só tardiamente me interessei por um determinado curso universitário, então dirigido pelo Pe. Stanislavs Ladusans, um filósofo estoniano residente no Brasil. No fim de tudo você descobre que a única finalidade da educação é habilitar o sujeito a aprender sozinho, isto é, a ser um autoditada. <br />
<br />
Quais os autores que mais o influenciaram?<br />
<br />
Aristóteles, Sto. Tomás, Leibniz, Schelling, Husserl, René Guénon, Eric Voegelin, Xavier Zubiri, além, naturalmente, das escrituras sacras das várias tradições religiosas e também de algumas obras fundamentais da literatura (A Divina Comédia de Dante, as peças de Shakespeare) e das ciências humanas (os escritos de Max Weber, de Lipot Szondi, de Viktor Frankl, por exemplo).<br />
<br />
Quais os filósofos da atualidade que o senhor admira?<br />
<br />
Depois de Voegelin e Zubiri não apareceu mais nada de interessante na filosofia propriamente dita. Mas, nas ciências humanas, há esse esplêndido René Girard. <br />
<br />
E qual o maior da história?<br />
<br />
Aristóteles. Quanto mais tempo passa, maior ele fica. Hoje, na filosofia das ciências, Aristóteles é a grande novidade, depois que os biólogos o descobriram.<br />
<br />
Como veio a idéia de lançar o primeiro livro?<br />
<br />
Durante muito tempo eu mesmo publiquei meus livros, em tiragens pequenas, para um círculo de alunos e amigos. Em 1995, por insistência do Bruno Tolentino, lancei "O Jardim das Aflições" numa tiragem maior, por uma editora profissional. Aí, por uma coincidência, fui trabalhar na Editora da Faculdade da Cidade e lancei por lá "O Imbecil Coletivo", que deu uma encrenca dos diabos e me lançou em polêmicas de imprensa, que não procurei mas das quais não fugi e nas quais, graças a Deus, me saí muito bem.<br />
<br />
Como é a sua preparação para escrever uma obra? E um artigo?<br />
<br />
Leio sempre de lápis na mão, anotando idéias, perguntas e objeções que a leitura me sugere. Faço também certos exercícios mentais, por exemplo o de tentar traduzir em imagens plásticas uma idéia abstrata, ou, ao contrário, o de tentar expressar em palavras certas impressões fugazes – sensações, recordações. Em seguida esqueço tudo e mudo de assunto. Meses depois a coisa toda reaparece organizada e límpida. Aí exponho minhas conclusões em aula e as submeto, com a ajuda dos alunos, a toda sorte de críticas, e faço novas leituras para tirar as dúvidas. Só então fixo a coisa por escrito. É um método complicado e apareceu sozinho, com a experiência. Não sei se serviria para outras pessoas, mas comigo funciona.<br />
<br />
Para os artigos, não preciso me preparar, pois utilizo sobras das informações colhidas para as aulas. Apenas tenho de caprichar mais na redação, pois uma coisa é escrever para alunos, que me conhecem e já sabem situar tudo no contexto certo, outra coisa escrever para pessoas que nunca me viram mais gordo.<br />
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"O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras" foi a sua obra mais polêmica e mais vendida. Qual a causa do "Imbecil Coletivo"? <br />
<br />
Eu ficava muito impressionado com a tolice cada vez maior dos nossos intelectuais, sobretudo no que eles escreviam em revistas e jornais de cultura. Peguei o hábito de toda semana, no começo da aula, a título de aquecimento mental coletivo, comentar essas coisas para a classe. Ao voltar para casa, escrevia o que tinha dito e na semana seguinte distribuía o escrito para os alunos. Assim fui colecionando, sem nenhuma intenção de livro, os capítulos que vieram a compor "O Imbecil Coletivo".<br />
<br />
É verdade que o senhor já recebeu ameaças de morte?<br />
<br />
Ameaças, não. O que recebi foi informação de um "insider" arrependido, que me disse que um grupo a que pertencia já tinha mapeado meus trajetos e horários, já fazia ponto na esquina do meu prédio e aguardava o momento propício de armar uma tragédia. Contei a coisa a um amigo e ele me sugeriu que pusesse um aviso na minha homepage, para que o grupo soubesse que o plano tinha vazado. Um outro amigo, o ex-ministro da Cultura, Jerônimo Moscardo, embaixador do Brasil na Romênia, leu a coisa e me ofereceu um trabalho temporário em Bucareste. Fiquei lá uns meses até a coisa amansar e voltei. <br />
<br />
Qual o seu maior sonho profissional?<br />
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Na área da investigação, completar as pesquisas que comecei. Como escritor, completar os livros em preparação, especialmente "O Olho do Sol" e "Ser e Poder". Na educação, conseguir formar uma centena de intelectuais da pesada para eles educarem o Brasil de amanhã, se houver tempo. No jornalismo, quebrar o monopólio que domina a cultura brasileira e abrir espaço para um debate intelectual decente. Feitas essas coisas, pretendo me dedicar mais à vida espiritual, porque no fundo a única coisa interessante é Deus.<br />
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Quais leituras que o senhor indicaria para aqueles que queiram saber um pouco mais sobre Filosofia?<br />
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A "História da Filosofia" de Frederick Copleston e "Dialectics" de Mortimer J. Adler são um bom começo. <br />
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Quando será lançado o próximo livro? Qual o assunto?<br />
<br />
Vou lançar em breve uma coletânea de ensaios, "História e Ilusão" e uma reedição de "O Jardim das Aflições". Tenho também dois livros escritos pela metade, "O Olho do Sol", sobre teoria do conhecimento, e "Ser e Poder", filosofia política. Espero terminá-los logo.<br />
<br />
Quantos artigos o senhor escreve por semana? Para quais jornais e revistas? <br />
<br />
Escrevo quatro artigos mensais para "O Globo", quatro para "Época", dois para o "Jornal da Tarde", dois para "Zero Hora" e um para "Bravo!", além de colaborações esporádicas em revistas e jornais de estudantes.<br />
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FONTE:<br />
http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htmKalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-66235125020126761172010-01-08T10:49:00.036-03:002010-01-26T15:54:29.993-03:00Cerveja Filosófica<div style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img alt="" border="0" height="300" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424582651970020818" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihjvFQB-JdsSK-sabKkjB1rIqi_yD0VFXd5fmkk6U3KbW7E9iajoCty5LInSYACSPSFC3cDdjGxcNL9zLSGDe5hzOPUtgWR0XuCOMzEOTmpPK5OpxEwQDSMGfUnvkjvrgspaB5V6A1pQd8/s640/dois+amigos.jpg" style="display: block; height: 300px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 400px;" width="400" /><br />
</div><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrN1PQ2hMy3feLHb-wcT_wIkRVK0Tfm2nu0Hff-xp3S1fSDEjTDydHKcUhT96hxAmki3bw3RjuZy0G0y9E-SowPQK_AQ2vONzKANG4DD6mTN-hg06vumkb1QOopZdAzCGNbbJeLHE-28O4/s1600-h/HOMEN.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="300" mt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrN1PQ2hMy3feLHb-wcT_wIkRVK0Tfm2nu0Hff-xp3S1fSDEjTDydHKcUhT96hxAmki3bw3RjuZy0G0y9E-SowPQK_AQ2vONzKANG4DD6mTN-hg06vumkb1QOopZdAzCGNbbJeLHE-28O4/s400/HOMEN.jpg" width="400" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhA6LAiHg6FfksNpqy4TncULzwXxpKousxs-vOdEkKMqlPQyvjY7rGBpPmOsXJY72sDHJgnGyGRodORlJ2A-c9rl6KhDaou4fcVo-bN4RL4AA44WMMzywTEAbes3wYAnip2JbtTKrSF5Juz/s1600-h/TONIEUDIMAS.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhA6LAiHg6FfksNpqy4TncULzwXxpKousxs-vOdEkKMqlPQyvjY7rGBpPmOsXJY72sDHJgnGyGRodORlJ2A-c9rl6KhDaou4fcVo-bN4RL4AA44WMMzywTEAbes3wYAnip2JbtTKrSF5Juz/s400/TONIEUDIMAS.jpg" width="400" /></a><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
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</div><br />
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<blockquote></blockquote>Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-88516640571854435102010-01-06T16:38:00.007-03:002010-05-10T16:54:21.527-03:00Aristóteles, "O mestre dos que sabem"<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc-V44Nz1A3CKTUeijnwhJle1SfheKWiDGxm-EnCRIbQq_znBTzF0GlivNX6oQTrQVek6_ruJA1BSxen1HA0vhi5CNldovqfuDRdk7OYje21aGsnMHBboHuxvn6whDWDmlS4blAB0XEF3c/s1600-h/aristoteles.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 193px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc-V44Nz1A3CKTUeijnwhJle1SfheKWiDGxm-EnCRIbQq_znBTzF0GlivNX6oQTrQVek6_ruJA1BSxen1HA0vhi5CNldovqfuDRdk7OYje21aGsnMHBboHuxvn6whDWDmlS4blAB0XEF3c/s200/aristoteles.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424085075354774498" /></a><br />
10/05/2010<br />
O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES<br />
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"Mestre dos que sabem", assim se lhe refere Dante na Divina Comédia. Com Platão, Aristóteles criou o núcleo propulsionador de toda a filosofia posterior. Mais realista do que o seu professor, Aristóteles percorre todos os caminhos do saber: da biologia à metafísica, da psicologia à retórica, da lógica à política, da ética à poesia. Impossível resumir a fecundidade do seu pensamento em todas as áreas. Apenas algumas ideias. A obra Aristotélica só se integra na cultura filosófica europeia da Idade Média, através dos árabes, no século XIII, quando é conhecida a versão (orientalizada) de Averróis, o seu mais importante comentarista. Depois, S. Tomás de Aquino vai incorporar muitos passos das suas teses no pensamento cristão.<br />
A teoria das causas. O conhecimento é o conhecimento das causas - a causa material (aquilo de que uma coisa é feita), a causa formal (aquilo que faz com que uma coisa seja o que é), a causa eficiente (a que transforma a matéria) e a causa final (o objectivo com que a coisa é feita). Todas pressupõem uma causa primeira, uma causa não causada, o motor imóvel do cosmos, a divindade, que é a realidade suprema, a substância plena que determina o movimento e a unidade do universo. Mas para Aristóteles a divindade não tem a faculdade da criação do mundo, este existe desde sempre. É a filosofia cristã que vai dar à divindade o poder da Criação.<br />
Aristóteles opõe-se, frequentemente, a Platão e à sua teoria das Ideias. Para o estagirita não é possível pensar uma coisa sem lhe atribuir uma substância, uma quantidade, uma qualidade, uma actividade, uma passividade, uma posição no tempo e no espaço, etc. Há duas espécies de Ser: os verdadeiros, que subsistem por si e os acidentes. Quando se morre, a matéria fica; a forma, o que caracteriza as qualidades particulares das coisas, desaparece. Os objectos sensíveis são constituídos pelo princípio da perfeição (o acto), são enquanto são e pelo princípio da imperfeição (a potência), através do qual se lhes permite a aquisição de novas perfeições. O acto explica a unidade do ser, a potência, a multiplicidade e a mudança.<br />
Aristóteles é o criador da biologia. A sua observação da natureza, sem dispor dos mais elementares meios de investigação (o microscópio, por exemplo), apesar de ter hoje um valor quase só histórico não deixa de ser extraordinária. O que mais o interessava era a natureza viva. A ele se deve a origem da linguagem técnica das ciências e o princípio da sua sistematização e organização. Tudo se move e existe em círculos concêntricos, tendente a um fim. Todas as coisas se separam em função do lugar próprio que ocupam, determinado pela natureza. Enquanto Platão age no plano das ideias, usando só a razão e mal reparando nas transformações da natureza, Aristóteles interessa-se por estas e pelos processos físicos. Não deixando de se apoiar na razão, o filho de Nicómaco usa também os sentidos. Para Platão a realidade é o que pensamos. Para Aristóteles é também o que percepcionamos ou sentimos. O que vemos na natureza - diz Platão - é o reflexo do que existe no mundo das ideias, ou seja, na alma dos homens. Aristóteles dirá: o que está na alma do homem é apenas o reflexo dos objectos da natureza, a razão está vazia enquanto não sentimos nada. Daí a diferença de estilos: Platão é poético, Aristóteles é pormenorizado, preferindo porém, o fragmento ao detalhe. Chegaram até nós 47 textos do fundador do Liceu, provavelmente inacabados por serem apontamentos para as lições. Um dos vectores fundamentais do pensamento de Aristóteles é a Lógica, assim chamada posteriormente (ele preferiu sempre a designação de Analítica). A Lógica é a arte de orientar o pensamento nas suas várias direcções para impedir o homem de cair no erro. O Organon ficará para sempre um modelo de instrumento científico ao serviço da reflexão. O Estado deve ser uma associação de seres iguais procurando uma existência feliz. O fim último do homem é a felicidade. Esta atinge-se quando o homem realiza, devidamente, as suas tarefas, o seu trabalho, na polis, a cidade. A vida da razão é a virtude. Uma pessoa virtuosa é a que possui a coragem (não a cobardia, não a audácia), a competência (a eficiência), a qualidade mental (a razão) e a nobreza moral (a ética). O verdadeiro homem virtuoso é o que dedica largo espaço à meditação. Mas nem o próprio sábio se pode dedicar, totalmente, à reflexão. O homem é um ser social. O que vive, isoladamente, sempre, ou é um Deus ou uma besta. A razão orienta o ser humano para que este evite o excesso ou o defeito (a coragem - não a cobardia ou a temeridade). O homem deve encontrar o meio-termo, o justo meio; deve viver usando, prudentemente, a riqueza; moderadamente os prazeres e conhecer, correctamente, o que deve temer.<br />
Também na Poética, o contributo ordenador de Aristóteles será definitivo: ele estabelecerá as características e os fins da tragédia. Uma das suas leis sobre ela estender-se-á, por séculos, a todo o teatro: a regra das três unidades, acção, tempo e lugar.<br />
Erros, incorrecções, falhas, terá cometido Aristóteles. Alguns são célebres. Na zoologia, por exemplo, considera que o homem tinha oito pares de costelas, não reconhece os ossos do crânio humano (três para o homem, um, circular, para a mulher), supõe que as artérias estão cheias de ar (como, aliás, supunham os médicos gregos), pensa que o homem tem um só pulmão. Não esqueçamos: Aristóteles classificou e descreveu cerca de quinhentas espécies animais, das quais cinquenta terá dissecado - mas nunca dissecou um ser humano.<br />
A grandeza genial da sua obra não pode ser questionada por tão raros erros, frutos da época - mais de 2000 anos antes de nós.<br />
FONTE:<br />
HTTP://www.vidaslusofonas.pt/aristoteles.htm - Visita em 10/05/2010.<br />
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ESTUDO DIRIGIDO PARA PROVA<br />
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Aristóteles nasceu em Estagira na Macedônia em 384 a.C. Aos dezoito anos foi para Atenas, filiando-se à Academia de Platão, tendo aí permanecido por vinte anos. Aluno de Platão, nem por isso Aristóteles tornou-se seu discípulo. As diferenças entre ambos são muitas. A mais notável é que Platão subordina tudo à idéia, ao passo que Aristóteles privilegia o mundo concreto. Rejeitado o idealismo platônico, que separa as formas das coisas, ou seja, o mundo da inteligência separado do mundo das coisas sensíveis, Aristóteles sustenta a existência da realidade objetiva. O realismo aristotélico procura restabelecer essa coerência sem abandonar o mundo sensível: explora a experiência, e nela mesma insere o dualismo entre o inteligível e o sensível. Para ele, é a fonte de conhecimento, mostrando que as formas são a essência das coisas, que não há separação entre os objetos e as formas: estas são imanentes aos objetos. Para ele, as idéias não existem fora das coisas. Dependem da existência individual dos objetos. Só o individual é real. A filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão, mas parte da experiência. Ambos concordam em que a ciência, a filosofia tem como objetivo o universal e o necessário, pois não pode haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos sensivelmente. O objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência platônica. No sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular para o universal.<br />
Sua filosofia desenvolveu-se em oposição à da Academia, criticando, sobretudo o dualismo dos platônicos que, segundo Aristóteles, estabelecia uma dicotomia insuperável entre a realidade material do mundo natural e a realidade abstrata do mundo das formas. Ao contrário do que dizia Platão, para Aristóteles o universal não existe na natureza, mas só no espírito, que o absorve através de um processo mental chamado abstração. A única realidade existente se constitui de coisas individuais. O geral é uma abstração, ou seja, um processo psicológico que consiste em isolar as características comuns a um dado conjunto de objetos.<br />
A influência de Aristóteles na formação do pensamento ocidental foi imensa. O pensamento aristotélico e o platônico constituíram de fato as duas grandes vias de desenvolvimento da filosofia clássica, principalmente ao longo do período medieval, quando São Tomás de Aquino se inspira em Aristóteles para desenvolver seu sistema tomista, assim como Santo Agostinho havia se inspirado em Platão ao elaborar um platonismo cristão.<br />
É difícil decidir por onde começar a descrição da metafísica de Aristóteles, mas talvez o melhor lugar seja a sua crítica da teoria das idéias e sua própria doutrina alternativa dos universais. Em termos gerais, pode ser descrita como um Platão diluído pelo senso comum. “Pelo termo universal refiro-me ao que é de tal natureza que constitui o predicado de muitos sujeitos, e por individual, o que não possui tal predicado”. Ou seja, o que se quer dizer com um nome próprio é uma substância, enquanto que o que é significado por um adjetivo ou nome de classe, como humano ou homem, é chamado de universal.<br />
Em sua Metafísica I, seu objetivo é apresentar uma definição ampla de conhecimento e de seu processo de formação desde as sensações até o saber teórico, passando pela experiência, a técnica (arte) e os vários tipos de ciência. Examina as características desses diferentes tipos de conhecimento, definindo a filosofia como a ciência das causas primeiras. Descreve a Metafísica como sendo o estudo do “ser enquanto ser”, isto é, o estudo do ser em geral, independentemente do modo particular como as coisas são. Dito de outra forma, a Metafísica reúne 14 livros que tratam do ser no sentido mais amplo ou mais radical. A Metafísica se interessaria pelas primeiras causas e princípios de tudo o que existe. Duas questões se destacam na metafísica aristotélica: o da unidade do ser e da existência de essências separadas. Muitos dos conceitos metafísicos ainda hoje utilizados foram introduzidos por ele. Em Ética a Nicômano, Aristóteles argumenta, entre outras coisas, a favor da idéia de que as virtudes morais, como a generosidade e a honestidade, não são inatas. Só o hábito de evitar excessos de qualquer tipo nos pode tornar pessoas virtuosas. Por isso, a virtude adquire-se com a prática. <br />
É interessante contrastar a concepção de conhecimento de Aristóteles nesse texto com a de Platão na “Alegoria da Caverna”: enquanto Platão apresenta em sua visão dialética o conhecimento como resultado de um longo e penoso processo de conversão da alma que se afasta do mundo sensível em direção à visão do sol, Aristóteles caracteriza esse processo de forma muito mais linear e cumulativa, desde as impressões sensíveis até o pensamento abstrato. Para ele, as inúmeras lembranças da mesma coisa produzem finalmente o efeito de uma experiência única. A arte se produz quando, a partir de muitas noções de experiência, se forma um único juízo universal a respeito dos objetos semelhantes. A experiência é conhecimento de coisas particulares, ao passo que a arte trata de universais. Para ele, os sentidos são nossas principais fontes de conhecimento sobre as coisas particulares, mas não nos dizem a razão de nada, como por exemplo, por que o fogo é quente, mas apenas que ele é quente.<br />
Segundo Aristóteles, geralmente se supõe que o que chamamos Sabedoria diz respeito às causas e princípios primeiros, de modo que o homem de experiência é considerado mais sábio do que os meros possuidores de uma faculdade sensível qualquer. Sabedoria é o conhecimento de certas causas e princípios.<br />
Há, diz Aristóteles, três espécies de substancias: as sensíveis e perecíveis (plantas e animais), as sensíveis, mas não perecíveis (corpos celestes), e as que não são nem sensíveis nem perecíveis (alma racional do homem, e também Deus). Para ele, Deus é o pensamento puro, porque o pensamento é aquilo que é melhor. Tal qual Spinoza, afirma que, embora os homens devam amar a Deus, é impossível que Deus ame os homens.<br />
A partir de sua concepção da existência real das coisas, Aristóteles estabeleceu quatro princípios ou causas que englobam tudo o que é necessário saber sobre um objeto. Assim, a realidade pode ser explicada mediante quatro causas: material, formal, eficiente e final. As duas primeiras são intrínsecas ao ser; as duas últimas são extrínsecas.<br />
Segundo Aristóteles, tudo o que existe, na realidade e no pensamento, pode ser classificadas em dez categorias, também chamadas gêneros ou predicados. Vejamos alguns exemplos:<br />
1) Substância ou essência: homem, cavalo;<br />
2) Quantidade: grande, dois metros;<br />
3) Qualidade: branco, educado;<br />
4) Relação: triplo, maior;<br />
5) Ato ou ação: comer, nadar;<br />
6) Paixão: cortado, queimado;<br />
7) Lugar: no teatro, na aula;<br />
8) Tempo: ontem, hoje;<br />
9) Posição: sentado, deitado;<br />
10) Hábito: armado, calçado.<br />
Para Aristóteles, o ser se apresenta sob duas formas básicas: a substância e os acidentes. Cada indivíduo é constituído de algo permanente e estável (a substância) e por atributos que se lhe agregam, determinando-os (os acidentes). Substância e acidentes constituem as citadas dez categorias aristotélicas. A substância é o que existe por si, o elemento estável das coisas, e o acidente, o que só em outro pode existir, como determinação secundária e cambiante, que se move.<br />
Aristóteles não nega o vir-a-ser de Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os em uma síntese conclusiva, já iniciada pelos últimos pré-socráticos e grandemente aperfeiçoada por Demócrito e Platão. Segundo Aristóteles, a mudança, que é intuitiva, pressupõe uma realidade imutável. O primeiro elemento é chamado matéria prima), o segundo forma (substância). O primeiro é potência, possibilidade de assumir várias formas, imperfeição; o segundo é atualidade – realizadora, especificadora da matéria -, perfeição. A síntese da matéria e da forma constitui a substância, e esta, por sua vez, é o substrato imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A matéria sem forma, a pura matéria, chamada matéria-prima, é um mero possível, não existe por si, é um absolutamente interminado.<br />
Diversamente da idéia platônica, a forma aristotélica não é separada da matéria, e sim imanente e operante nela. Ou seja, as formas aristotélicas são universais, imutáveis, eternas, como as idéias platônicas. Os elementos constitutivos da realidade são, portanto, a forma e a matéria. Surge daí a necessidade de um terceiro princípio, a causa eficiente, para poder explicar a realidade efetiva das coisas. A causa eficiente, por sua vez, deve operar para um fim, que é precisamente a síntese da forma e da matéria, produzindo esta síntese o indivíduo. Daí uma quarta causa, a causa final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria mediante a forma. <br />
É mediante a doutrina da matéria e da forma que Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade efetiva do mundo, que é precisamente síntese da matéria e da forma. O indivíduo é, portanto, potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Através desta doutrina é explicado o problema do universal e do particular. <br />
Da relação entre a potência e o ato, entra a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a que é submetido tudo o que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível.<br />
Aristóteles elaborou a teoria do ato e da potência para explicar a questão da mudança dos seres. Para ele, o ato é a perfeição e a potencia é a capacidade de perfeição. Ou seja, toda mudança significa a passagem da potencia para o ato, do que resulta o movimento. Passar do ato à potência é mover-se, tornar-se o que se pode ser e ainda não se é. Todos os seres são compostos de potencia e ato. Apenas um ser não é composto de potência e ato, pois é ato puro, é eterno, independente de tudo, perfeição infinita: Deus. Deus é pensamento de pensamento. <br />
A doutrina da potencia e do ato é fundamental na metafísica aristotélica. Potência significa possibilidade, capacidade de ser, não-ser atual. Ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da potencia ao ato. Esta doutrina fundamental da potencia e do ato é aplicada e desenvolvida por Aristóteles especialmente quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a potencia e o ato no mundo, na natureza em que vivemos.<br />
Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda e a terceira todo o ser em que está presente a matéria.<br />
Finalizando, prestemos atenção ao seguinte diálogo:<br />
“- Temos de expulsar Aristóteles de nós.<br />
- Mas eu nem sequer o li, por que razão tenho de expulsá-lo de mim?”<br />
- A prova de seu domínio sobre o homem ocidental é que ele domina o pensamento de gente que nunca ouviu falar a seu respeito.”<br />
Trecho extraído de uma obra literária holandesa, e expressa, de forma magnífica, a extraordinária influencia do pensamento aristotélico sobre toda a cultura ocidental, influencia que perdura há mais de dois milênios.<br />
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Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica:<br />
a) Potência e ato – Aristóteles elaborou a teoria da potência e do ato para explicar a questão da mudança dos seres. Para ele, o ato é a perfeição e a potência é a capacidade de perfeição. Ou seja, toda mudança pressupõe a passagem da potência ao ato, do que resulta o movimento. Passar do ato à potência é mover-se, tornar-se o que se pode ser e ainda não se é. Todos os seres são compostos de potência e ato. Apenas um ser não é composto de potência e ato, pois é ato puro, é eterno, independentemente de tudo, perfeição infinita: Deus. Deus é pensamento de pensamento. A doutrina de potência e do ato é fundamental na metafísica aristotélica, na qual potência é possibilidade, capacidade de ser. Ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da potência ao ato. Esta doutrina fundamental é aplicada e desenvolvida por Aristóteles, especialmente quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a potência e o ato no mundo, na natureza em que vivemos.<br />
b) Matéria e forma – Rejeitado o idealismo platônico, que separa as formas das coisas, Aristóteles sustenta a existência da realidade objetiva, explorando a experiência. As formas são a essência das coisas, não há separação entre os objetos e as formas. As idéias não existem fora das coisas. Dependem da existência individual dos objetos. Só o individual é real. A partir de sua concepção de existência real das coisas, Aristóteles estabeleceu quatro princípios ou causas que englobam tudo o que é necessário saber sobre um objeto. Assim, a realidade pode ser explicada mediante quatro causas: material, formal, eficiente e final. As duas primeiras são intrínsecas ao ser; as duas últimas são extrínsecas. Para ele, o ser se apresenta sob duas formas básicas: a substância e os acidentes. Cada indivíduo é constituído de algo permanente e estável (substância) e por atributos que os determinam (acidentes). Substância e acidentes constituem as dez categorias aristotélicas (substância, quantidade, qualidade, relação, ato ou ação, paixão, lugar, tempo, posição e hábito). Segundo Aristóteles, a mudança pressupõe uma realidade imutável. O primeiro elemento é chamado matéria (prima), o segundo forma (substância). O primeiro é potência, o segundo, atualidade, perfeição. A síntese da matéria e da forma constitui a substância, e esta, é o substrato imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A matéria sem forma é um mero possível, não existe por si é um absolutamente inacabado.<br />
c) Universais e particulares – para Aristóteles, as idéias não existem fora das coisas. Dependem da existência individual dos objetos. Só o individual é real. A filosofia de Aristóteles é dedução do particular para o universal. Ao contrário do que dizia Platão, o universal não existe na natureza, mas só no espírito, que o absorve através de um processo mental chamado abstração. A única realidade existente se constitui de coisas individuais. O geral é uma abstração. Talvez o melhor ponto para começar a entender a metafísica de Aristóteles seja o que critica a teoria das idéias de Platão a sua própria teoria dos universais. “Pelo termo universal refiro-me ao que é de tal natureza que constitui o predicado de muitos sujeitos, e por individual o que não possui tal predicado. Ou seja, o que se quer dizer com um nome próprio é uma substância, enquanto que o que é significado por um adjetivo ou nome de classe, como humano ou homem, é chamado de universal. A arte (técnica) se produz quando, a partir de muitas noções de experiências, se forma um único juízo universal a respeito dos objetos semelhantes. A experiência é conhecimento das coisas particulares, ao passo que a arte trata dos universais. Para ele, os sentidos são nossas principais fontes de conhecimento sobre as coisas particulares, mas não nos dizem a razão de nada, como por exemplo, por que o fogo é quente, mas apenas que ele é quente”.<br />
d) Movido e motor – É mediante a doutrina de matéria e forma que Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade efetiva do mundo, que é precisamente síntese da matéria e da forma. O indivíduo é, portanto, potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Através desta doutrina é explicado o problema do universal e do particular. E, da relação entre a potência e ato, entre a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o via-a-ser, a que é submetido tudo o que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível.<br />
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AS CAUSAS PRIMEIRAS DA EXISTÊNCIA<br />
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• A Metafísica de Aristóteles investiga os mais profundos sentidos e propósitos do ser. <br />
• A existência dos seres sempre despontou como um dos grandes mistérios da humanidade. “Por que existe algo em vez de o nada? O que faz com que se formem as estrelas, a árvore, o homem? Qual é, enfim, a essência do ser?” São perguntas que continuam a desafiar a mente dos filósofos, físicos e biólogos. <br />
• A Metafísica – “as coisas além da física” – não foi organizada por Aristóteles como obra unitária. Na realidade, ela está dividida em 14 livros, escritos em diferentes épocas, que, no entanto conservam uma “unidade especulativa de fundo”, segundo Reale.<br />
• O livro I – ou livro Alfa pode ser considerado uma introdução à obra. Nele, Aristóteles afirma que a Metafísica – “a mais elevada das formas de saber humano” – consiste no conhecimento das “causas e princípios primeiros”, que condicionam o ser: a causa formal, a causa material, a causa eficiente e a causa final. As duas primeiras se referem à forma e à matéria, que estruturam todas as coisas sensíveis.<br />
• A causa eficiente é aquilo de que provém a mudança e o movimento das coisas. Já a causa final diz respeito ao propósito, à finalidade dos seres. “Além de todas essas causas, existe aquele que ‘acima de todos os seres move todas as coisas’, vale dizer, o Movente Imóvel ou Deus, que age como causa final ou como causa motora-final”.<br />
• Aristóteles compõe, ainda no livro I, uma espécie de história da filosofia, reproduzindo as idéias sobre o ser defendidas pelos pensadores dos séculos anteriores, como Empédocles, Anaxágoras e Demócrito. Um amplo espaço é dedicado à filosofia de Platão, de quem Aristóteles havia sido discípulo.<br />
• Todos os filósofos anteriores a Aristóteles não falaram senão das quatro causas citadas pelo autor da Metafísica, embora de maneira imperfeita e confusa.<br />
• Aristóteles distingue quatro formas de significado do ser – “por acidente”, “por si mesmo”, “como verdadeiro e como falso” e “em potência e ato”.<br />
• Entre essas quatro grandes distinções, Aristóteles desconsidera o ser “por acidente” – que se refere apenas a um atributo da coisa, como quando se diz “Sócrates é músico”, mas não a coisa em si – e o ser “como verdadeiro e como falso”, que revela somente a veracidade ou não do objeto.<br />
• O mais profundo sentido do ser, diz Aristóteles, reside nos dois outros tipos de significado – o ser “por si mesmo” e “em potência ou em ato”.<br />
• Conhece-se o ser “por si mesmo” através de dez “categorias”, entre elas as categorias “substância”, “qualidade”, “quantidade” e “ação”, por exemplo. Dessas, a mais importante é a primeira. Substância – que traduz a palavra grega ousia – é o fundamento primeiro das coisas, de que todo o mais decorre.<br />
• Diz com insistência que nenhuma das outras categorias existe por si e ‘separadamente’ da substância e que só a substância é ‘separada’, isto é, autônoma, independente das outras.<br />
• A pergunta radical sobre o sentido do ser deve centrar-se sobre a substância. Que é, então, a substância? Eis o problema que na Metafísica de Aristóteles se põe como ponto focal, sm sentido global, para todos os efeitos.<br />
• Substância parece se confundir com matéria, mas não só. Ambas se distinguem porque, enquanto a substância possui determinações – o que a faz ser uma coisa e não outra -, a matéria é desprovida delas. Matéria sem substância não passa de um ser sem significado, sem determinações. Pode-se dizer que substância possui matéria, mas não somente ela. É preciso algo mais para dar conta desse conceito. Esse algo é a forma.<br />
• A forma pode ser entendida como a substância desprovida de matéria. É ela que faz da substância aquilo que ela é e dá à matéria as suas determinações. Matéria e forma são separadas apenas no pensamento. Na realidade do mundo, estão sempre unidas. É inconcebível, para Aristóteles, haver matéria sem forma e vice-versa.<br />
• Enfim, substância é um composto de forma e matéria. Graças a esse composto é que se pode conceber o ser “em potência ou em ato”. “Em potência” se refere à matéria indeterminada, pronta a ser passivamente determinada pela forma. “Em ato” significa a ação da forma sobre a ateria. Como ocorre quando se constrói uma casa, exemplifica Aristóteles: os tijolos e pedras representam a casa “em potencial”, a matéria, que passam a ser uma casa quando sofrem a ação da forma.<br />
• O gênero humano vive também da arte e de raciocínios. Nos homens, a experiência deriva da memória. De fato, muitas recordações do mesmo objeto chegam a constituir uma experiência única. A experiência parece um pouco semelhante à ciência e a arte. Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experiência.<br />
• A experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais.<br />
• Se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal, mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indivíduo particular.”“.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-11448571983607631682010-01-06T16:25:00.006-03:002010-01-08T10:42:21.846-03:00Lógica Aristotélica<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNqlNvXLSz2Da21L_eNKLCh56OsMIwFLwPbK-w2AXM4T8dV7YQMN3kXaWk7k0kO6mvGvZiFIbNIObcNSlO_TFvqWFdFqR9vEruG62d3TEtoukWxQQR_XVenZmIp7mxN8xk4ok9otsgcguJ/s1600-h/QUADRADO+DAS+OPOSICOES.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNqlNvXLSz2Da21L_eNKLCh56OsMIwFLwPbK-w2AXM4T8dV7YQMN3kXaWk7k0kO6mvGvZiFIbNIObcNSlO_TFvqWFdFqR9vEruG62d3TEtoukWxQQR_XVenZmIp7mxN8xk4ok9otsgcguJ/s200/QUADRADO+DAS+OPOSICOES.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424363868724861922" /></a><br />ESTUDO DIRIGIDO<br />Silogismo<br />Definição: do grego antigo; Significa “conexão de idéias”, “raciocínio”. É um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das primeiras duas, chamadas premissas, é possível deduzir uma conclusão. A teoria do silogismo foi exposta por Aristóteles em Analíticos Anteriores.<br />A palavra “silogismo” tem dois significados diferentes. Por um lado, aplica-se a qualquer tipo de argumento dedutivo. Quando Aristóteles introduziu a palavra grega correspondente, tanto a usava deste modo genérico, para falar de qualquer tipo de argumento dedutivo, como a usava para falar especificamente de argumentos com uma certa configuração. Com o tempo, contudo, a palavra passou a ser usada apenas neste segundo sentido mais específico. Um silogismo é um tipo especial de argumento dedutivo, que usa apenas as proposições de tipo A, E, I e O, e que tem uma determinada configuração.<br />Além de ter duas premissas e unicamente proposições do tipo A, E, I ou O, um argumento tem de obedecer à seguinte configuração para ser um silogismo:<br />Premissa Menor Termo Menor Termo Médio<br />Premissa Maior Termo Maior Termo Médio<br />Conclusão Termo Menor Termo Maior<br />Obs: num silogismo, as premissas são um ou dois juízos que precedem a conclusão e dos quais ela decorre como conseqüente necessário dos antecedentes, dos quais se infere a conseqüência. Nas premissas, o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor (sujeito da conclusão) são comparados com o termo médio, e assim temos a premissa maior e a premissa menor segundo a extensão de seus termos.<br />Um silogismo é um argumento com duas premissas e uma conclusão, que contém unicamente proposições do tipo A, E, I ou O e que contém unicamente três termos:<br />1. O termo menor, que é o sujeito da conclusão e que se repete numa das premissas e só numa;<br />2. O termo maior, que é diferente do termo menor e é o predicado da conclusão, repete-se na outra premissa e só nela;<br />3. Um só termo médio, que ocorre nas duas premissas e só nela.<br />Resumo: O termo menor é por definição o termo sujeito da conclusão e tem de ser diferente do termo maior. Por sua vez, a premissa menor é por definição a única premissa que contém o termo menor – seja como termo sujeito, seja como termo predicado.<br />O termo maior é por definição o termo predicado da conclusão. Por sua vez, a premissa maior é por definição a única premissa que contém o termo maior –seja como termo sujeito, seja com termo predicado.<br />A ordem das premissas é logicamente irrelevante, mas era até há pouco tempo habitual colocar em primeiro lugar a premissa maior. Esta opção tem a desvantagem de tornar a validade dos silogismos menos óbvia. A premissa menor é sempre a premissa onde ocorre o termo que na conclusão é o termo sujeito, independentemente de ser a primeira ou a segunda premissa. O termo menor é sempre o termo sujeito da conclusão, e o termo maior é sempre o termo predicado da conclusão.<br />Exemplo clássico:<br />Todo homem é mortal (premissa maior, na qual homem é o sujeito lógico, e fica atrás da cópula; é representa a cópula, isto é, o verbo que exprime a relação entre sujeito e predicado; mortal é o predicado lógico, e fica após a cópula);<br />Sócrates é homem (premissa menor)<br />Logo, Sócrates é mortal (conclusão). <br /><br />Onde:<br />Sócrates – termo menor, sujeito da conclusão;<br />Homem – termo médio, repete-se nas duas premissas;<br />Mortal – termo maior, predicado da conclusão.<br /><br />QUADRADO LÓGICO OU QUADRADO DOS OPOSTOS:<br />Diagrama que ilustra as diversas relações lógicas entre as quatro formas lógicas da lógica aristotélica <br />Assim, entre as formas lógicas A e I, por um lado, e E e O, por outro, há uma relação de subalternidade: A implica I, e E implica O. Esta relação é falsa, a menos que se excluam classes vazias; mas sem ela a lógica aristotélica cai por terra. De modo que é necessário excluir todas as proposições que falsificam a relação de subalternidade. Para isso, exclui-se todas as proposições que se refiram a classes vazias (classes como "lobisomens", que não têm elementos). Com base na mesma exclusão de classes vazias é possível afirmar que as formas A e E são contrárias, isto é, que não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas. Ainda com base na mesma exclusão é possível afirmar que as formas I e O são subcontrárias, isto é, que não podem ser ambas falsas, mas podem ser ambas verdadeiras. A única relação do quadrado que não depende da exclusão de classes vazias é a de contraditoriedade ou negação, que existe entre A e O, por um lado, e entre E e I, por outro. Isto significa que A e O têm sempre valores de verdade opostos: se A for verdadeira, O será falsa e vice-versa; se E for verdadeira, I será falsa, e vice-versa. O diagrama é ainda hoje útil para ilustrar a negação carreta de proposições universais. <br />Obs: A tábua das oposições, também chamado quadrado lógico ou quadrado dos opostos, tem origem obscura, mas geralmente se aceita que Boécio lhe deu a forma final. Trata-se de um artifício didático que indica as relações lógicas fundamentais.<br /><br />Assim, temos o seguinte esquema de premissas:<br />A - UNIVERSAL AFIRMATIVA (Todo homem é mortal)<br />E – UNIVERSAL NEGATIVA (Nenhum homem é mortal)<br />I – PARTICULAR AFIRMATIVA (Algum homem é mortal)<br />O - PARTICULAR NEGATIVA (Algum homem não é mortal).<br /><br />LEI DE OPOSIÇÃO<br />As leis de oposição regem as relações entre as premissas.<br />Contraditoriedade: se um modo é verdadeiro, o outro é falso;<br />Contrariedade: ocorre apenas nos modos A e E. As premissas contrárias enrtre si não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, mas podem ser falsas ao mesmo tempo. Pois, se assim forem, a particular afirmativa será falsa por ser a contraditória da universal negativa e verdadeira, por ser a conversão da universal afirmativa.<br />Subcontrariedade: as premissas não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Pois se assim forem, as contrárias de quem elas são contraditórias serão simultaneamente verdadeiras, o que é um absurdo.<br />FIGURAS E MODOS DO SILOGISMO<br />Um raciocínio dedutivo é composto por proposições. As proposições, por sua vez, são compostas por termos. A maneira pela qual as proposições estão dispostas é chamada de modo do silogismo. A posição que o termo médio assume no argumento (sujeito ou predicado), origina a figura do silogismo.<br />Existem quatro espécies de proposições: A, E, I O. Entre estas proposições, é possível 64 combinações na estrutura do silogismo. Deste total, apenas 19 combinações são válidas, sendo que as demais violam uma ou mais regras do silogismo. Estas 19 combinações distribuem-se nas quatro figuras do silogismo.<br />UNIVERSAIS AFIRMATIVAS<br />Tipo: A<br />Classificação: Universal afirmativa<br />Forma lógica: Todos A são B<br />Expressão canônica: Todos os seres humanos são mortais.<br />Expressões equivalentes:<br />• Todo ser humano é mortal<br />• Os seres humanos são mortais<br />• O ser humano é mortal<br />• Só há seres humanos mortais<br />• Não há seres humanos que não sejam mortais<br />• Quem é ser humano é mortal<br />• Se um ser é homem, é mortal<br />• Qualquer ser humano é mortal.<br />UNIVERSAIS NEGATIVAS<br />Tipo: E<br />Classificação: Universal negativa<br />Forma lógica: Nenhum A é B<br />Expressão canônica: Nenhuns seres humanos são quadrúpedes.<br />Expressões equivalentes:<br />• Nenhum ser humano é quadrúpede<br />• Todos os seres humanos são não quadrúpedes<br />• O ser humano não é quadrúpede<br />• Só há seres humanos não quadrúpedes<br />• Não há seres humanos quadrúpedes<br />• Que é ser humano não é quadrúpede<br />• Se um ser é humano, não é quadrúpede.<br />PARTICULARES AFIRMATIVAS<br />Tipo: I<br />Classificação: Particular Afirmativa<br />Forma lógica: Alguns A são B<br />Expressão canônica: Alguns seres humanos são simpáticos.<br />Expressões equivalentes:<br />• Há seres humanos simpáticos<br />• Existem seres humanos simpáticos<br />• Há seres que são humanos e simpáticos<br />• Pelo menos um ser humano é simpático.<br />PARTICULARES NEGATIVAS:<br />Tipo: O<br />Classificação: Particular negativa<br />Forma lógica: Alguns A não são B<br />Expressão canônica: Alguns seres humanos não são simpáticos<br />Expressões equivalentes:<br />• Há seres humanos que não são simpáticos<br />• Existem seres humanos que não são simpáticos<br />• Nem todos os seres humanos são simpáticos<br />• Há seres que são humanos e não são simpáticos<br />• Pelo menos um ser humano não é simpático.<br />FIGURAS E MODOS DO SILOGISMO<br /> FIGURA 1 – SU-PRE FIGURA 2 – PRE-PRE FIGURA 3 – SU-SU FIGURA 4 – PRE-SU<br />BAR-BA-RA (AAA) CES-A-RE (EAE) DA-RAP-TI (AAI) BAM-A-LIP (AAI)<br />CE-LA-RENT (EAE) CAM-ES-TRES (AEE) FE-LAP-TON (EAO) CA-LEM-ES (AEE)<br />DA-RI-I(AII) FES-TI-NO (EIO) DIS-AM-IS (IAI) DIM-A-TIS (IAI)<br />FE-RI-O (EIO) BAR-OC-O (AOO) BOC-AR-DO (OAO) FES-AP-O (EAO)<br /> DA-TIS-I (AII) FRES-IS-ON (EIO)<br /><br />PRIMEIRA FIGURA<br />A primeira figura não muda, por ser perfeita. Aqui, o termo médio ocupa a posição de sujeito na premissa maior e predicado na premissa menor (Su-pre).<br />Nota Importante: TERMO MÉDIO é o termo que se repete nas duas premissas, mas não aparece na conclusão.<br />Exemplo 1:<br />Todo metal é corpo (BAR)<br />Todo chumbo é metal (BA)<br />Todo chumbo é corpo (RA)<br /><br />Exemplo 2:<br /><br />Todos os historiadores medievais são eruditos (DA)<br />Pedro Abelardo é historiador medieval (RI)<br />Pedro Abelardo é erudito (I).<br /><br />Nota: Na figura 1, os modos legítimos são: BAR-BA-RA (AAA); CE-LA-RENT (EAE); DA-RI-I (AII); FE-RI-O (EIO). Essas denominações mnemônicas foram dadas pelo filósofo medieval do século XII, Pedro Abelardo.<br />SEGUNDA FIGURA<br />Na segunda figura, o termo médio ocupa a posição de predicado em ambas as premissas (Pre-Pre).<br />Exemplo 1:<br />Se todo círculo é redondo (CAM)<br />E se nenhum triângulo é redondo (ES)<br />Então, nenhum triângulo é círculo (TRES)<br /><br />Conversão mediante transposição de premissas e mais conversão simples...<br /><br />Pois, se nenhum redondo é triângulo (CE)<br />Esse todo círculo é redondo (LA)<br />Então, nenhum círculo é triângulo (RENT).<br />(Mas, nenhum triângulo é redondo)<br /><br />Logo, nenhum triângulo é círculo.<br /><br />Exemplo 2:<br /><br />Se todo papa é santo (BAR)<br />E se algum clérigo não é santo (OC)<br />Então, algum clérigo não é papa (O)<br /><br />Conversão para BAR-BA-RA...<br /><br />Pois, se todo papa é santo (BAR)<br />E se todo clérigo é papa (BA)<br />Então, todo clérigo é santo (RA)<br />(Mas, se algum clérigo não é santo)<br />Logo, algum clérigo não é papa.<br /><br />Nota: Na figura 2, os modos legítimos são: CES-A-RE (EAE); CAM-ES-TRES (AEE); FES-TI-NO (EIO); BAR-OC-O (AOO).<br />TERCEIRA FIGURA<br />Na terceira figura, o termo médio ocupa a posição de sujeito nas duas premissas (Su-Su).<br />Exemplo 1:<br />Se nenhum mamífero é pássaro (FE)<br />E se algum mamífero é voador (RIS)<br />Então, algum voador não é pássaro (ON)<br /><br />Conversão simples na segunda premissa<br /><br />Pois, se nenhum mamífero é pássaro (FE)<br />E se algum voador é mamífero (RI)<br />Então, algum voador não é pássaro (O)<br /><br /><br /><br />Exemplo 2:<br />Se todo ditador é déspota (DA).<br />E se algum ditador é tirano (TIS).<br />Então, algum tirano é déspota (I).<br /><br />Conversão simples na segunda premissa...<br /><br />Pois, se todo ditador é déspota (DA)<br />E se algum tirano é ditador (RI)<br />Então, algum tirano é déspota (I)<br /><br />Nota: Na figura 3, os modos legítimos são: DA-RAP-TI (AAI); FE-LAP-TON (EAO); DIS-AM-IS (IAI); BOC-AR-DO (OAO); DA-TIS-I (AII); FE-RIS-ON (EIO).<br />QUARTA FIGURA<br />Na figura 4, o termo médio ocupa a posição de predicado na premissa maior e de sujeito na premissa menor (Pre-Su).<br />Exemplo 1:<br />Se todo ditador é déspota (BAM)<br />E se todo déspota é tirano (A)<br />Então, algum tirano é ditador(LIP)<br /><br />Conversão para a primeira figura, com transposição de premissa...<br /><br />Pois, se todo déspota é tirano (BAR)<br />E se todo ditador é déspota (BA)<br />Então, todo ditador é tirano (RA)<br /><br />Nota: Na figura 4, os modos legítimos são: BAM-A-LIP (AAI); CA-LEM-ES (AEE); DIM-A-TIS (IAI); FES-AP-O (EAO); FRES-IS-ON (EIO).<br />REDUÇÃO DOS MODOS<br />Todos os modos imperfeitos do silogismo, isto é, a segunda, terceira e quarta figuras, devem ser transformadas em modos perfeitos da primeira figura, pois não respeitam a hierarquia dos termos. As palavras mnemônicas auxiliam na redução. Se as vogais indicam os modos, a quantidade e a qualidade das premissas, as consoantes S, P, M e C indicam a maneira pela qual a redução será feita. As consoantes iniciais indicam o modo da primeira figura.<br />Para isso, existem quatro possibilidades.<br />(S) Conversão direta: troca-se o sujeito pelo predicado e vice-versa. Por exemplo:<br />Todo mortal é homem → Todo homem é mortal.<br />(P) Conversão acidental: a premissa tem seu sujeito e predicado trocados entre si. Por exemplo:<br />Todo homem é mortal → Algum mortal é homem.<br />(M) Transposição de premissas: se uma premissa for maior, passa a ser menor e vice-versa. <br />(C) Redução por absurdo: da conclusão deste silogismo, elaboramos sua contraditória e substituímos a premissa assinalada com a consoante C, e concluímos novamente.<br />REGRAS DO SILOGISMO<br />Para que um silogismo seja válido, sua estrutura deve respeitar regras. Tais regras, em número de oito, permitem verificar a correção ou incorreção do silogismo. As quatro primeiras regras são relativas aos termos e as quatro últimas são relativas às premissas. São elas:<br />1. Todo silogismo contém somente três termos: maior, médio e menor. O termo maior é sempre predicado da conclusão e o termo menor é sempre o sujeito da conclusão. <br />2. Os termos da conclusão não podem ter extensão maior que os termos das premissas.<br />3. O termo médio não pode entrar na conclusão.<br />4. O termo médio deve ser universal ao menos uma vez. É preciso ao menos uma universal para se obter uma conclusão.<br />5. De duas premissas negativas, nada se conclui. <br />6. De duas premissas afirmativas não pode haver conclusão negativa. É preciso pelo menos uma afirmativa para se ter uma conclusão.<br />7. A conclusão segue sempre a premissa mais fraca. A particular é mais fraca que a universal. E a negação é mais fraca que a afirmação.<br />8. De duas premissas particulares, nada se conclui.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-23303644496426106012010-01-06T10:54:00.000-03:002010-01-06T11:08:11.657-03:00Teoria do ConhecimentoPERSPECTIVA STANDARD - Feldman<br />Introdução<br />Antes de iniciar o relatório propriamente dito acerca do primeiro bloco, é importante tecer alguns comentários sobre Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento. Esta pode ser definida como a investigação acerca do conhecimento verdadeiro. Pode-se acrescentar que é uma reflexão filosófica com o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos e a extensão e valor do conhecimento. Por estas razões, pode ser considerada como uma disciplina de importância fundamental para a filosofia.<br />Para haver conhecimento, é necessário que haja uma relação entre dois elementos básicos: por um lado, um sujeito conhecedor e por outro lado um objeto conhecido. Somente haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, ou seja, representá-lo mentalmente. Podemos concluir, então, que o conhecimento faz parte de uma argumentação filosófica na construção do saber.<br />Sabe-se que a Teoria do Conhecimento trata de problemas tais como “o que é o conhecimento?”, “o que podemos conhecer?”, “qual é a origem do conhecimento?”, “como justificamos as nossas crenças?”. Todas estas indagações envolvem uma porção de conceitos relacionados entre si, quais sejam “conhecer”, “perceber”, “prova”, “crença”, “justificação”, entre outras. A palavra Conhecimento deriva do grego epistemê, que significa conhecimento, contrapondo-se com o termo doxa, que se traduz por opinião. Já aqui, deparamo-nos com um primeiro grande problema, ou seja, como se alcança o conhecimento, e ao mesmo tempo se evita uma simples opinião. Platão, em sua Teoria das Idéias, estabelecia que somente fora da esfera das impressões sensíveis é que somos levados ao entendimento das idéias perfeitas. Dito de outra forma, os objetos apreendidos pelos nossos sentidos são meras cópias imperfeitas (arquétipos), e que somente no plano das idéias é que reside a verdade, ou seja, pelo conhecimento sensível não podemos considerar que haja conhecimento. É justamente na alegoria da caverna que Platão deixa evidente sua teoria. Depois, seu discípulo Aristóteles vai contrapor-se à teoria das idéias do mestre, de quem se desvincula posteriormente, para partir para o desenvolvimento de sua própria teoria, teoria esta que ao invés do mundo das idéias privilegia o concreto.<br />A discussão acima acabou por dar origem a duas correntes epistemológicas antagônicas. De um lado, os empiristas ingleses (Locke, Hume e Berkeley), defendendo que o conhecimento origina-se da experiência sensível. Do outro lado, os racionalistas Descartes e Leibiniz, contrapondo-se aos empiristas, considerando que o conhecimento deve mostrar um caráter universal, necessário, e que não dependem da experiência. Kant surge neste campo de batalha, procurando determinar com exatidão como se constrói o conhecimento, concluindo que este depende tanto do que é apreendido pelos sentidos, como também das formas a priori do pensamento. Desta forma, Kant se opõe tanto ao empirismo como ao racionalismo.<br />CAPÍTULO I<br />Neste primeiro capítulo, o autor faz algumas alegações centrais da Perspectiva Standard, enfatizando o objetivo central do livro, que é levar ao público leitor uma compreensão mais racional do que mostra o senso comum sobre o Conhecimento.<br />Definindo Perspectiva Standard: trata-se de um conjunto de idéias comuns que nos permitem estabelecer um ponto de partida para um objetivo maior, que é a procura do conhecimento em si. O autor começa indagando o que nós conhecemos. Fornece uma lista contendo categorias e exemplos que nos dão uma idéia das coisas que podemos conhecer. Obviamente, trata-se de uma lista pequena, sujeita a alterações e/ou inclusões, e representa uma base para se começar uma investigação acerca do que seja conhecimento. De uma forma ou de outra, o autor diz que nós conhecemos uma grande variedade de coisas, as quais estão enquadradas nas categorias por ele expostas.<br />O ponto seguinte da discussão refere-se às fontes de conhecimento, começando pela memória. Outro tipo de fonte é o testemunho das pessoas. Três outras fontes o autor destaca: a visão (vale lembrar aqui que é a visão, para Aristóteles, o sentido que melhores condições oferece para a aquisição de conhecimento), a audição e os outros sentidos. Fala também da introspecção como fonte potencial de conhecimento, ou seja, mediante a reflexão pode-se chegar a níveis elevados de crescimento moral, intelectual e, conseqüentemente, de conhecimento. Era este o método adotado pelos antigos filósofos. Sócrates pode ser um exemplo maior.<br />Das fontes citadas, podemos inferir que em muitos casos nosso conhecimento surge de combinações entre elas, ou seja, a Perspectiva Standard sustenta que nós podemos adquirir conhecimento a partir dessas fontes, mesmo que de forma imperfeita.<br />A seguir, o autor vai discorrer sobre o desenvolvimento da Perspectiva Standard, começando com uma nova indagação: sob que condições uma pessoa sabe que alguma coisa é verdadeira? Ele mesmo responde, afirmando ser extremamente difícil se ter uma certeza absoluta, o que envolveria outras questões mais complexas, argumentando que de acordo com muitos filósofos, uma condição importante para se atingir o conhecimento seria uma crença racional justificada, ou seja, que houvesse uma aceitação universal, o que leva a uma questão subseqüente: sob que condições uma crença é justificada? Entretanto, as respostas a esta indagação, propõe o autor trabalhar mais adiante no texto. Da mesma forma, à questão: de que maneiras as questões epistemológicas afetam umas às outras, Feldman transfere para os capítulos finais do livro.<br />A partir deste ponto, o autor passa a tratar dos desafios à Perspectiva Standard. Começa por colocar como os principais desafios à perspectiva três correntes de pensamento, quais sejam: a) a perspectiva cética; b) a perspectiva naturalista; c) a perspectiva relativista. A perspectiva cética, defendida pela escola filosófica tradicional, é posta como um poderoso desafio. É uma corrente surgida após o platonismo, tendo dominado até a decadência do helenismo e o posterior crescimento do cristianismo. Em face de seu caráter tendente a um inevitável radicalismo, não se nos afigura como uma perspectiva aceitável, entretanto tem seu valor na medida em que busca o conhecimento mais razoável. A perspectiva cética nega total ou parcialmente a possibilidade de conhecimento. De acordo com o cético, encontramos sempre boas razões para duvidar mesmo de nossas crenças mais fortes. O cético, no tocante ao conhecimento sustenta que não podemos obter conhecimento. Afirma que não temos direito às nossas crenças, que nenhuma delas é bastante boa que possa ser justificada. Sexto Empírico e Michel de Montaigne foram os dois mais destacados defensores do ceticismo. Na Perspectiva naturalista, o teórico dessa corrente vai buscar ou se valer de argumentações científicas e não hipotéticas. O naturalista defende que a perspectiva Standard diz que podemos conhecer mais do que efetivamente conhecemos, ainda que em menor proporção do que a perspectiva cética nos faculta. Por fim, a perspectiva relativista, pelo seu caráter flexível, mostra-se como a mais aceitável, mais tolerante e, conseqüentemente, mais razoável. Os argumentos dos naturalistas podem ser utilizados pelos céticos, embora de forma diferenciada, própria, posto que para os teóricos dessa corrente duas afirmações podem ser igualmente razoáveis, mesmo que sejam antagônicos, divergentes. Em outras palavras, o autor coloca que a perspectiva relativista reduz a validade com contextos relativos.<br />CAPÍTULO II<br />Aqui, Feldman passa a fazer uma análise tradicional do conhecimento, começando por mostrar alguns tipos de conhecimento, ou seja, conhecer um indivíduo, saber quem ele é, saber se, saber quando, saber como, etc. Neste tópico da discussão, o autor conclui que todas as tentativas de explicar o conhecimento proposicional não se sustentam, argumentando que a conclusão mais razoável é a de que há pelo menos três tipos básicos de conhecimento: o conhecimento proposicional, o conhecimento por intimidade ou familiar e o conhecimento por habilidade. No caso do conhecimento por familiaridade, este seria adquirido pela prática, pelo esforço repetitivo, pelo exercício constante; no conhecimento por habilidade podemos citar o caso do músico que toca um instrumento “de ouvido”, aquele que não sabe sequer o que é uma clave de sol; no conhecimento proposicional, podemos imaginar a seguinte situação: uma pessoa que conhecemos. Podemos saber alguma coisa dela, mas não significa que sabemos tudo a respeito dessa pessoa. Em suma: se não existe o conhecimento total, e se ninguém conhece ninguém inteiramente, a que podemos reduzir especificamente o conhecimento em si? Partindo de tais premissas, sugere-se que todo conhecimento é parcial.<br />À medida que a discussão vai se aprofundando, notamos que o autor vai tornando cada vez mais o leitor consciente de sua conduta acerca de como proceder diante de informações para bem melhor utilizá-las na vida cotidiana. Neste ponto da leitura, Feldman coloca duas condições para que haja conhecimento. A primeira é a verdade, ou seja, todo conhecimento pressupõe a verdade; a segunda condição é a crença, ou seja, se você conhece alguma coisa, tem que acreditar nela ou aceitá-la. Entretanto, as coisas não são tão fáceis como podem parecer. Dito de outra forma, para que alguma coisa seja conhecimento, tem que ser crença sim, porém ainda não é condição suficiente. O autor cita alguns exemplos como predições corretas, o caso do planejador de piqueniques pessimista etc, mas ainda assim não são bases sólidas, boas, fortes. Para que haja conhecimento, além da crença e da verdade, faz-se necessária a sua justificação. Seriam, então, três as condições para que alguma coisa viesse a ser conhecimento: a crença, a verdade e a justificação.<br />Como vimos, a epistemologia concentra-se no problema da justificação, que se dá graus, da mesma forma que o nosso estatuto epistêmico, no caso o conhecimento, objeto do interesse natural por parte dos filósofos. Vimos, também, que as tentativas tradicionais de definir o conhecimento concentram-se, antes de tudo, em ver o conhecimento como uma fonte mais inteligente de crença, e a forma mais conhecida desta perspectiva é a definição tripartite, segundo a qual o conhecimento pressupõe crença simultaneamente justificada e verdadeira.<br />Podemos ilustrar a finalização deste bloco, com a definição do conhecimento a partir do Teeteto, o qual começa com a indagação: “O que é o conhecimento?”. Sócrates intermedeia o diálogo com vistas a permitir que o jovem matemático ofereça uma resposta. A primeira sugestão é a de que o conhecimento consiste em coisas como a geometria e a carpintaria, não sendo aceita pelo fato de que para que tal ocorresse, teria ele que definir geometria e carpintaria. A segunda proposta de Teeteto é a de que o conhecimento nasce da percepção, refutada por Sócrates, segundo o qual as sensações são diferentes de pessoa para pessoa, e apenas o que é verdadeiro pode ser conhecido. Ao fim da discussão, Teeteto modifica sua definição, tentando demonstrar que o conhecimento seja um juízo ou crença verdadeira e articulada. Neste ponto, Sócrates explora três formas distintas segundo as quais se poderia dizer que uma crença poderia ser articulada, ou justificada. A mais evidente é quando alguém tem uma crença, e que é capaz de exprimir por meio de palavras; a segunda maneira: ter uma crença justificada acerca de um objeto é ser capaz de mostrar uma análise dele. E por fim, uma pessoa tem uma crença justificada sobre um objeto se for capaz de produzir uma descrição, que só se aplique a esse objeto.<br />Por fim, Sócrates conclui que a terceira definição que Teeteto chega sobre o conhecimento não é melhor do que as duas primeiras. Obviamente, a discussão não se dá de forma tão simplificada como a acima exposta, mas serve para nos conscientizar de que todos os caminhos que possam levar ao conhecimento não são fáceis de ser trilhados.O diálogo termina sem uma resposta definitiva, todavia deixa a certeza de que avançou bastante na questão. A explicação que fornece acerca de percepção sensorial, modificada depois por Aristóteles, prevaleceria como paradigma até o fim da Idade Média.<br /><br />BLOCO II<br />A ANÁLISE TRADICIONAL DO CONHECIMENTO<br />“E assim, quando as opiniões certas são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência, e, como ciência, permanecem estáveis”.<br /> (Sócrates, em Mênon-Banquete-Fedro)<br /> Dando prosseguimento ao relatório sobre a Perspectiva Standard, o autor vai tratar da Análise Tradicional do Conhecimento (ATC), procurando buscar uma primeira definição mais antiga e tradicional possível. É no diálogo Menon, de Platão, em que Feldman busca essa inspiração, mais precisamente no trecho “...quando as opiniões certas são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência, e, como ciência, permanecem estáveis”. Notar que o termo utilizado é estável, e não definitivo. É, obviamente, um conceito básico, mas que já traz em sua gênese a semente da idéia de conhecimento, que haveria de perdurar por séculos. Platão foi um dos primeiros filósofos a distinguir a mera crença do conhecimento. O Teeteto é um dos seus diálogos mais importantes. Apesar de Platão não ter proposto uma definição de conhecimento, é neste diálogo que se encontra aquilo que passou a ser conhecido como definição tradicional do conhecimento. Mesmo filósofos contemporâneos, como Roderick Crisholm, propuseram que “uma pessoa conhece uma proposição apenas no caso de acreditar nela” e de ser tal proposição evidente, termo este que nos remete à primeira regra de Descartes no Discurso do Método, para a base de seu edifício filosófico.<br /> Neste ponto, o ator começa a expor um exame mais detalhado sobre os três elementos da ATC, quais sejam a crença, a verdade e a justificação. Com relação à crença, Feldmann defende que “crer em alguma coisa é aceitá-la como verdadeira”, sendo que mesmo assim, cada um de nós pode acreditar, deixar de acreditar ou mesmo não ter opinião sobre determinada crença. Quando descremos, estamos sujeitos a uma variedade correspondente de atitudes contrárias em relação ao enunciado em que se crer. Ou, para usar a expressão do autor: “a descrença inclui uma variedade correspondente de atitudes negativas em relação a uma proposição”. Já suspender um juízo sobre uma proposição é não crer nem descrer dela.<br /> Aqui é colocado que existe uma maneira alternativa de se colocar as três questões enumeradas. Seria o caso de se admitir que as crenças seriam sentidas, digamos assim, em uma escala crescente de força. Assim, para cada circunstância haveria um grau de crença. Por exemplo, se cremos em alguma coisa com toda convicção possível, temos ao o mais elevado grau de crença possível; se cremos o mínimo possível em algo, temos o menor grau de crença, e, se ficamos num ponto intermediário, é o caso de suspensão de juízo, ou seja, nem cremos nem descremos. Conclui o autor: “a crença é fundamentalmente uma atitude que se toma em relação a proposições”. Por exemplo, seu eu digo que a água do mar é salgada, é porque realmente acredito nisso. A menos que, em esteja mentindo ou querendo enganar a mim mesmo.<br /> Então, a primeira coisa que vimos é que o conhecimento é uma relação entre o sujeito do conhecimento, ou seja, aquele que conhece, e o objeto do conhecimento, que é o que é conhecido. Uma crença é também uma relação entre o sujeito que tem a crença e o objeto dessa crença. É bom que lembremos que por crença os filósofos não querem dizer unicamente a fé religiosa, mas sim qualquer tipo de convicção que uma pessoa possa ter. Vamos tentar fechar o segmento crença com a seguinte exposição: muitos filósofos defendem que todo conhecimento implica em uma crença. Dito de outra forma, quando sabemos alguma coisa, acreditamos nesse algo. Para entendermos melhor em que sentido a crença faz parte do conhecimento, imaginemos as duas frases: a) Eu sei que a Lua é o satélite natural da terra, mas não acredito nisso; b) Não acredito em lobisomens, mas eu sei que eles existem. Vemos claramente que as duas sentenças parecem contraditórias. É impossível saber algo sem acreditar no que se sabe. Assim, diz-se que a crença é uma condição necessária para o conhecimento: sem crença não pode haver conhecimento.<br /> Portanto, a crença é uma condição necessária para o conhecimento, entretanto, não é uma condição suficiente para o conhecimento. E como a crença é uma condição necessária, mas não suficiente para o conhecimento, a crença e o conhecimento não são a mesma coisa. Logo, saber e acreditar são coisas diferentes. Por exemplo, se Pedro souber que a neve é branca, então ele acredita que a neve é branca. Mas será a crença uma condição suficiente para o conhecimento? Obviamente que não, pois as pessoas podem acreditar em coisas que não podem saber, principalmente inverdades. Assim, se a crença é uma condição necessária, mas não suficiente para o conhecimento, teremos que procurar outras condições necessárias que, em seu conjunto reúnam as condições suficientes para que alguma coisa seja considerada conhecimento.<br /> O ponto seguinte da abordagem da ATC é a verdade. Mas, o que é de fato a verdade? Para o autor, a resposta simples e aceita advém da teoria da correspondência de verdade, segundo a qual “uma proposição é verdadeira se e somente se ela corresponde aos fatos”. Em contrapartida, uma proposição será falsa se ela fracassa e não corresponde aos fatos. Esta é, assim, a chamada Teoria da Correspondência (TC). Não podemos esquecer que há uma separação conceptual entre o que seja proposição e enunciado. Uma é diferente da outra. Por exemplo. Quando digo que o céu é azul, estou diante de uma proposição, mas se falo que o céu é azul porque existe uma série de fatores físicos e climáticos que fazem com que meus olhos vejam o espaço infinito em azul, estou fazendo um enunciado. Proposição, portanto, é o pensamento literalmente expresso por uma frase declarativa. Por exemplo, diferentes frases ou afirmações podem exprimir a mesma proposição: “Lisboa é uma cidade” e “Lisbon is a city”. Por outro lado, um enunciado vem a ser um termo utilizado corretamente com o significado de frase, ou mais especificamente, de frase declarativa com sentido, mas que na lógica e na filosofia significa antes aquilo que é expresso por intermédio de uma frase declarativa com sentido. Em resumo: uma proposição pode ser falsa ou verdadeira, mas tem que ter uma construção lógica. Um enunciado também, mas tem que ter valor de verdade. Feldmann nos diz que “toda proposição tem que ser necessariamente exata, ainda que a sentença não o seja”. O que se diz é uma sentença; o que se quer dizer é uma proposição.<br /> Feldmann coloca que o que é verdadeiro “é dependente de um mundo objetivo que existe independentemente de nós”, o que não implica que nós não possamos saber como é este mundo objetivo. Ou seja, o nosso modo de ver o mundo limita-se apenas às coisas objetivas.<br /> Feldman introduz a noção de “vagueza” ao citar o exemplo da altura de Michel, numa situação em que alguém, com a posse de algumas informações parciais terá que reconhecer Michel num aeroporto. Podemos abstrair sobre o conceito de altura entre humanos, estabelecendo uma graduação, mas tudo será de forma vaga, pois o que é “alto” para uns pode não ser para outros; o que é “estatura média” para fulano, pode ser “baixa” para beltrano, e assim por diante. Segue-se que uma afirmação é vaga quando dá origem a casos de fronteiras indecifráveis. Por exemplo, a frase “Sócrates era calvo” é vaga porque apesar de ser obviamente verdadeira caso Sócrates tenha zero cabelos, e falsa caso tenha muitos milhares deles, haverá casos intermediários em que não se sabe se a frase é verdadeira ou falsa. Sabemos que toda a linguagem é vaga, entretanto devemos tentar ser tão pouco vagos e tão preciso quanto nos for possível, particularmente quando tratarmos de filosofia.<br /> Até aqui vimos que a crença é necessária para o conhecimento, mas não é suficiente. O conhecimento não pode ter falsidades. Entretanto, dizer que não se pode conhecer falsidades não é o mesmo que dizer que não se pode saber que algo é falso. São duas coisas completamente diferentes. Vejamos os exemplos: a) Maria sabe que é falso que o céu é verde: b) Maria sabe que o céu é verde. As duas sentenças são muito diferentes. A primeira não vai de encontro à factividade do conhecimento, mas no segundo caso vai de encontro visto que Maria não pode saber que o céu é verde, pois o céu não é verde. Portanto, sem verdade não pode haver conhecimento. Logo, a verdade é uma condição necessária ao conhecimento.<br /> O que faz com que uma crença seja verdadeira ou falsa não é o grau da nossa convicção nessa crença. Por mais que estejamos convencidos de que, por exemplo, a Terra é redonda, o que faz essa crença ser verdadeira é que realmente a terra é redonda. Não é o grau da minha convicção. Vale reproduzir aqui um texto de Bertrand Russel, o qual explica bem esse aspecto da crença:<br />“A verdade ou falsidade de uma crença depende sempre de algo que está fora da própria crença. Se eu acredito que Carlos I morreu no cadafalso, acredito em verdade, não por causa de qualquer qualidade intrínseca da minha crença, que possa ser descoberta examinando apenas a crença, mas por causa de um acontecimento histórico que se deu há dois séculos e meio. Se eu acredito que Carlos I morreu na cama, acredito falsamente: nenhum grau de vivacidade da minha crença, ou cuidado na formação da crença, impede que seja falsa, uma vez mais por causa do que aconteceu há muito tempo, e não por causa de qualquer propriedade intrínseca da minha crença. Logo, apesar de a verdade e a falsidade serem propriedades das crenças, são propriedades que dependem das relações das crenças com outras coisas, e não de qualquer qualidade interna das crenças.”<br />Bertrand Russel, Os Problemas da Filosofia, 1912, trad. De Desidério Murcho, Cap. 12, 6.<br /><br /> Vimos até aqui que a crença verdadeira não é suficiente para o conhecimento. Lembremos de Platão, no diálogo Ménon, quando nos coloca o seguinte dilema: “Não compete a uma pessoa investigar o que sabe nem o que não sabe. Não investiga o que sabe, pois já o conhece. E para tal não há necessidade alguma de investigação. E também não investigaria o que não conhece, pois não sabe o que vai investigar”.<br /> O terceiro elemento da ATC é a justificação, que para Feldmann é o foco de grande parte da obra em análise. Ele fala que a justificação ocorre em graus. Coloca, ainda, que podemos estar justificados em crer em alguma coisa sem, no entanto acreditar nessa coisa. Mostra que o que está justificado para uma pessoa pode mudar com o tempo. Chama a atenção para um ponto importante: não devemos confundir “estar justificado” em acreditar em alguma coisa com estar apto a mostrar que se está justificado em crer em tal proposição. É o que Feldman classifica como conhecimento aparente e conhecimento verdadeiro.<br /> Até aqui vimos que o fato de alguém ter uma crença verdadeira não significa que tenha conhecimento. Mas para haver conhecimento, não basta termos uma crença verdadeira. A nossa crença tem de estar plenamente justificada. Portanto, é condição sine qua non para o conhecimento que a justificação é uma condição para o conhecimento. Com segurança podemos afirmar que ter justificação para acreditar em algo é ter bons motivos em favor da verdade dessa crença. Tomemos como exemplo a seguinte situação: alguém que acredite que o planeta Vênus é azul porque sonhou com isso, não pode ter justificação para acreditar nisso, entretanto, se essa pessoa acredita que Vênus é azul porque leu em algum livro, e não tem razões para duvidar da confiabilidade do livro, então essa pessoa tem uma justificação para crer que o planeta Vênus é azul. Portanto, uma crença está justificada quando há boas razões a favor de sua verdade.<br /> Apesar de para uma crença estar justificada ser preciso haver boas razões em favor da sua verdade, não é necessário que a pessoa em causa saiba explicar com pormenores que razões são essas. Afinal, a maioria de nós tem justificação para acreditar que dois mais dois são quatro, sem procurar saber detalhes de somenos importância. Isso significa que a crença de um indivíduo pode estar justificada sem que, no entanto essa pessoa precise justificar pormenorizadamente. O que tem relevância é que a sua crença esteja justificada e não que a saiba justificar adequadamente. Portanto, uma crença está justificada quando há bons motivos em seu favor.<br /> Ter justificação para acreditar em alguma coisa não garante a verdade dessa crença. Apenas demonstra que há boas razões em seu favor. Quando existem bons motivos em favor de uma determinada verdade de uma crença, é racional ter essa crença, mesmo que ela seja falsa. Se ter uma justificação para crer em algo não garante que essa crença seja verdadeira, então a crença justificada também não pode ser suficiente para o conhecimento. Segue-se que a crença justificada não é suficiente para o conhecimento. Vamos imaginar o exemplo a seguir: Ptolomeu tinha boas razões para acreditar que a Terra estava parada, mas em realidade não sabia disso. Pessoas diferentes estão em diferentes estados de conhecimento. E no estado de conhecimento em que se encontrava Ptolomeu, havia, uma justificação para que ele acreditasse que a terra estava parada no universo. Todavia, os estados de conhecimento das pessoas não são perfeitos e por isso pode haver boas justificativas para se acreditar em coisas falsas.<br /> O terceiro elemento da ATC é a justificação, que para Feldman é o foco de grande parte da obra em análise. Ele fala que a justificação ocorre em graus; coloca, ainda, que podemos estar justificados sempre em alguma coisa sem, no entanto acreditar nessa coisa. Mostra que o que está justificado para uma pessoa pode mudar com o tempo. Chama a atenção para um ponto: não devemos confundir “estar justificado em acreditar em alguma coisa” com “estar apto a mostrar que se está justificado em crer em tal proposição”. É o que Feldman classifica como conhecimento aparente e conhecimento verdadeiro. Conclui o autor neste segundo capítulo que o conhecimento, baseado na Análise Tradicional de Conhecimento da Perspectiva Standard, pressupõe crença, verdade e justificação, mas não encerra aí a discussão, deixando para os capítulos seguintes a continuação do tema.<br /> Até agora pudemos ver que são três as condições necessárias para que uma proposição seja dada como conhecimento. Primeiro teremos que acreditar nela; tem que ser verdadeira e por fim tem que ser justificada. Vimos também que, isoladamente, nenhuma dessas condições é suficiente para que algo seja dado como conhecimento. Mas se as três forem satisfeitas simultaneamente, podemos mensurar se algo é conhecimento. Apesar de, separadamente, nenhuma das três condições ser suficiente para o conhecimento, tomadas conjuntamente parecem ser suficientes. Por exemplo, se Pedro acredita que vai ser aprovado na faculdade, se tiver boas razões para acreditar que vai passar e se realmente ele vai passar de ano, então é porque o Pedro sabe que vai passar de ano<br /> Continuando o presente relatório, e relembrando que a Perspectiva Standard dava como conhecimento a crença verdadeira e justificada, desafortunadamente, para ela, surge em 1963 Edmundo Gettier, um filósofo americano que com apenas duas laudas de um inédito trabalho refutou a ATC, demonstrando com apenas dois contra-exemplos que o conhecimento não se resume apenas em crença, verdade e justificação. Feldman utiliza alguns contra-exemplos baseados nos apresentados por Gettier, como O das Dez Moedas, O caso Nogot/Havit e A Ovelha no Campo, nos quais procura esgotar todas as possíveis situações de prova de que o conhecimento não pode se basear unicamente na crença, na verdade e na justificação.<br /> Vimos que a definição tradicional do conhecimento foi originalmente exposta por Platão, mas somente no século XX é que veio à tona a discussão sobre vários contra-exemplos que iam de encontro ao velho conceito. E foi justamente Edmund Gettier que apontou vários contra-exemplos, os quais mostram que podemos ter uma crença verdadeira justificada sem que tal crença seja conhecimento.<br /> Nos três exemplos dados pelo autor, em todos a conclusão é verdadeira, mas por coincidência. São situações em que não compete aqui um detalhamento maior, entretanto vamos criar uma nova situação, similar aos casos acima mencionados. Suponhamos que Pedro vai a uma festa onde deverá se encontrar com Joana. O Pedro acredita que Joana vai levar em sua bolsa o livro O Discurso do Método. Até aqui está tudo normal, a crença de Pedro está justificada, ele acredita que Joana levará o livro. Agora vem a parte mais importante do argumento. Suponhamos que Joana decide não levar o livro para a festa, tendo em vista sua bolsa já se encontrar bastante cheia, entretanto ela acaba esquecendo-se de tirar o livro da bolsa. Portanto, a Joana tem o livro na bolsa, o que faz com que a crença de Pedro esteja justificada como verdadeira. Em resumo, em todas as situações Pedro tem uma crença verdadeira justificada e, de acordo com a definição tradicional do conhecimento, Pedro sabe que Ana está com o livro. Mas será que Pedro sabe disso? Afinal de contas a Joana havia mudado de idéia e só levou o livro porque se esqueceu de tirar, pelo que a crença do João é verdadeira, mas por mera coincidência. E uma crença que só é verdadeira por coincidência não pode ser considerada conhecimento. Logo, os contra-exemplos demonstrados mostram que é possível ter crenças verdadeiras justificadas, mas que não são conhecimento, o que contradiz a definição tradicional de conhecimento. Portanto, a definição tradicional de conhecimento está errada, ou seja, a crença verdadeira justificada não é suficiente para o conhecimento.<br /> Ainda assim, os contra-exemplos do estilo-Gettier não são casos de crenças verdadeiras justificadas, posto que eles não são casos de crenças justificadas, e, logo, não refutam a Análise Tradicional do Conhecimento, visto que são casos em que estão sustentados, como vimos, no fator sorte. Enfim, o caminho para se chegar ao conhecimento é árduo e sem fim. Quanto mais duvidamos, mais chances temos de saber se uma determinada crença pode ser justificada ou não.<br /> Para concluir este bloco, o autor vai pôr em pauta a defesa da Análise Tradicional, argumentando que uma maneira de fazê-lo é rejeitar a Falsidade Justificada. Exemplifica com alguns casos como O Caso Típico, O Caso Incomum, em todos os exemplos sempre mostrando que é frágil qualquer argumento que tenha a pretensão de colocar um ponto final na questão do conhecimento.<br /> A seguir, Feldman vai tratar da Teoria sem Bases Falsas, demonstrando que “as crenças que têm bases falsas não são sequer justificadas”. E que ter “todas as bases verdadeiras é uma condição adicional para o conhecimento, mas não para a justificação”. Ou seja, o conhecimento não pode depender de quaisquer bases falsas.<br />O ponto seguinte a ser tratado é a Teoria sem Anuladores. Mais uma vez, omitimos os exemplos do livro tendo em vista não caber como para do resumo da obra. No caso específico da TA, Feldman nos diz que “alguém tem conhecimento quando não há verdades que anulem a sua justificação. Portanto, a proposta é” acrescentar à ATC o requerimento de não exista anulador. Mas, aqui como em todos os casos, sempre haverá um complicador, e a TA não escapa à regra. Para ele, alguns desses anuladores podem nos enganar, ou seja, nós de fato conhecemos coisas, mas não as conheceríamos se tivéssemos sabido sobre seus anuladores. E conclui: “nós temos sorte de não sabermos sobre os anuladores”.<br />Ao final do bloco, Feldman coloca a sua proposta. É enfático quando diz que “é seguro dizer que não existe uma solução amplamente aceita para o problema de Gettier levantado à Análise Tradicional do Conhecimento”, acrescentando que tal problema permanece irresolvido. Defende que “nenhuma modificação relativamente pequena da ATC irá produzir uma análise correta do conhecimento. Enfim, ao longo deste trabalho foram questionadas quais as condições para o conhecimento, e foi respondido que o conhecimento é crença verdadeira justificada e mais alguma coisa, ou seja, uma quarta condição para o conhecimento. Só que esta quarta condição continua uma incógnita. E para encerramento do bloco, vale destacar as palavras do autor, as quais são bastantes elucidativas para o tema em foco”:<br />“A teoria sem bases falsas e a teoria sem anuladores não têm sucesso. O que parece ser crucial é que a justificação não depende essencialmente de alguma coisa falsa. Embora esta idéia não tenha sido formulada em todos os detalhes, ela nos dá uma formulação útil. Logo, nossa resposta para a (Q1) é que o conhecimento requer crença verdadeira justificada que não dependa essencialmente de uma falsidade.”<br /> Como uma homenagem àquele que primeiro trouxe à luz uma definição tripartite para o conhecimento, reproduzo um pequeno trecho da obra de Platão, o Teeteto:<br />Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não nos contradizermos?<br />[...]<br />Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é infalível e tudo o que dela resulta é belo e bom.<br />[...]<br />Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem como a crença verdadeira não é conhecimento.<br />Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?<br />Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais indivíduos, com a sua arte produzem convicção, não ensinando, mas fazendo as pessoas acreditar no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra, sejam capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou qualquer crime a ouvintes que não foram testemunhas do crime?<br />Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.<br />Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?<br />Teeteto: Sem dúvida.<br />Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de fatos que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses fatos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correta?<br />Teeteto: Com certeza.<br />Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é que se trata de duas coisas distintas.<br />Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão (logos) é conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do conhecimento [...].<br />Platão, Teeteto, trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri, 201ª-c.<br /><br />BLOCO III - (Teoria do Conhecimento de Sócrates a Edmund Gettier)<br /><br /> “As verdades científicas não são simpáticas ao vulgo. Os povos, senhor, vivem de mitologia. Eles tiram da fábula todas as noções de que precisam para viver. Não precisam de muitas; e algumas simples mentiras são suficientes para dourar milhões de existências”.<br />Les vedetes scientifiques ne sont pás synpathiques au vulgaire. Les peuples, monsieur, vivent de mythologie. Ils tirent de La fable toutes les notions dont ils ont besoin pour vivre. Il ne leur en faut pas peaucoup; et quelques simples mensonges suffisent à dorer des millions d’existences.<br />(ANATOLE FRANCE (1844-1924), O Anel de Ametista, VII.)<br /> Como matéria para desenvolver a última parte de meu trabalho sobre o curso que ora se finda, escolhi um tema que está intimamente ligado ao que apresentei no bloco anterior, principalmente com a sua parte final, a definição tripartite do conhecimento do Teeteto, diálogo narrado por Platão e cujos interlocutores são de um lado Sócrates e do outro seu discípulo Teeteto. O porquê da escolha de por aí começar é simples: a partir de Sócrates pouco mudou, mesmo porque não há muito que mudar. Julgo, neste primeiro momento do trabalho, reproduzir a cena onde se verifica o ponto chave da definição socrática, para maior clareza de quem vai ler o presente trabalho.<br />Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não nos contradizermos?<br />[...]<br />Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é infalível e tudo o de que dela resulta é belo e bom.<br />[...]<br />Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem como a crença verdadeira não é conhecimento.<br />Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?<br />Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais indivíduos, com a sua arte produzem convicção, não ensinando, mas fazendo as pessoas acreditar no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra, sejam capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou qualquer crime a ouvintes que não foram testemunhas do crime?<br />Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.<br />Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?<br />Teeteto: Sem dúvida.<br />Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de fatos que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses fatos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correta?<br />Teeteto: Com certeza.<br />Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é que se trata de duas coisas distintas.<br />Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão (logos) é conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do conhecimento [...].<br />Platão, Teeteto, trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri, 201ª-c.<br /> O Teeteto começa com a questão: “O que é o conhecimento?” Sócrates desempenha o papel do condutor de um diálogo que procura fazer com que Teeteto produza uma resposta para a questão formulada. Neste primeiro momento, Sócrates procura aquilo que é comum a todos os tipos de conhecimento. Num momento seguinte, o jovem e brilhante matemático propõe que o conhecimento é a percepção das coisas sensíveis, ou seja, conhecer algo é tomar contato com esse algo por meio dos sentidos, ao que Sócrates intervém dizendo que os sentidos de pessoas diferentes são percebidos de maneiras diferentes. Por exemplo, uma leve brisa para uma pessoa pode representar um frio intenso para outra pessoa. Objeta Sócrates que apenas o que é verdadeiro pode ser conhecido. Dito de outra forma, aquilo que me parece a mim, é verdadeiro para mim, ou seja, se eu acredito em algo, acredito que esse algo é verdadeiro. Por essa perspectiva, Teeteto pode continuar defendendo que a percepção é conhecimento. Mas, será que todo conhecimento é percepção? Vejamos: eu posso aprender, por exemplo, que a estátua do Cristo Redentor fica na cidade do Rio de Janeiro, porque estive lá e vi, mas mesmo quando fecho os olhos e a vejo, ou volto para minha cidade, continuo sabendo que o Cristo Redentor fica no Rio de Janeiro. Logo, a minha memória é um exemplo de conhecimento sem percepção. O argumento de Sócrates para contrapor a definição de Teeteto, ele busca na vulnerabilidade da tese de Protágoras segundo a qual cada homem pode ser a medida do que é, mas ao mesmo tempo ele não pode ser a medida do que será. Para Sócrates, a tese de Protágoras dependeria do fluxo universal de Heráclito que é, também inconsistente: se a própria percepção sensível estará em fluxo, um caso de visão poderá tornar-se de repente não-visão; um de audição em não-audição. Ou seja, se considerarmos que conhecimento é percepção teremos que admitir que conhecimento é também não-conhecimento, o que derruba a tese de que conhecimento é percepção.<br /> Obrigado a abandonar a tese de que o conhecimento é percepção, Teeteto apresenta um novo elemento: que o conhecimento consiste nos juízos que a alma reflete, no que Sócrates aprova, momentaneamente, a sugestão. Entretanto, o conhecimento não pode ser definido por esse prisma, posto que há juízos falsos tanto quanto há juízos verdadeiros. Logo, tal tese também não se sustenta. Sócrates argumento que é possível possuir conhecimento sem o ter na alma numa ocasião determinada, como pode ser o caso de alguém possuir uma vestimenta e não usá-la. Para Sócrates, há uma dificuldade na tese de que o conhecimento é o juízo verdadeiro, rebatendo com o seguinte argumento: se um juiz consegue persuadir um corpo de jurados inteiro, produzindo um veredicto tal que a todos convença, os jurados podem ser convencidos, entretanto podem desconhecer os fatos. Neste ponto, Teeteto modifica seu juízo, de modo que o conhecimento passe a ser uma crença (ou juízo) verdadeira e justificada.<br /> Sócrates passa a enumerar três formas distintas segundo as quais uma crença poderia ser justificada. A mais evidente das três seria a situação em que alguém que não seja mudo ou surdo pode formular um juízo, mas neste caso, como distinguir o que é falso do que é verdadeiro? A segunda maneira resume-se em: ter uma crença verdadeira acerca de um dado objeto é ser capaz de fazer de tal objeto uma análise detalhada? Para Sócrates, o conhecimento de algo pressupõe reduzi-lo aos seus elementos mais simples. Diante de tal dificuldade, argumenta que, apesar de o conhecimento dos elementos ser necessário ao conhecimento do todo, ainda não é o suficiente. Por último: uma pessoa que tenha uma crença justificada acerca de algo, deverá ser capaz de produzir uma exposição minuciosa que só se aplique ao objeto em questão.<br /> Ao fim do diálogo, Sócrates concluiu que a terceira definição que Teeteto elabora do conhecimento não é melhor que as anteriores, mas que avançou muito. Portanto, a definição de conhecimento como crença verdadeira justificada foi aceita por muitos filósofos até os nossos dias.<br /> Tem que haver uma fronteira que delimite o que seja conhecimento científico do que seja conhecimento das coisas cotidianas. Sob essa perspectiva, o conhecimento deverá ser buscado tomando-se como base todas as imposições céticas menos radicais; por outro lado, se considerarmos o conhecimento das coisas cotidianas, evidentemente que uma escala gradativa deve ser observada, sem, no entanto, se deixar de ter em mente que se deve chegar ao mais alto grau possível de veracidade.<br /> É praticamente impossível estabelecer uma noção de conhecimento hoje, que seja totalmente diferente, em sua essência, do que estabeleceram os antigos. O exemplo maior é o Teeteto, no qual Sócrates lança mão de sua definição tripartite do conhecimento a partir de um diálogo com um discípulo.<br /> Precedendo à conclusão do presente trabalho, permito-me uma citação que julgo pertinente, em se tratando da seriedade com que o tema conhecimento deve ser tratado. O trecho a seguir foi elaborado por Nietzsche, extraído da obra Filosofia na Época Trágica dos Gregos, parágrafo terceiro, citado em Os Pré-Socráticos:<br />“O pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas, dos conhecimentos importantes e grandes (...). Mas o conceito de grandeza é mutável, tanto no domínio moral quanto no estético: assim a filosofia começa por legislar sobre a grandeza, a ela se prende uma doação de nomes.” “Isto é grande”, diz ela, e com isso eleva o homem acima da avidez cega, desenfreada, de seu impulso ao conhecimento. Pelo conceito de grandeza, ela refreia esse impulso: ainda mais por considerar o conhecimento máximo, da essência e do núcleo das coisas, como alcançável e alcançado”“.<br /> Assim, desde Platão, o ofício do filósofo que lida com epistemologia ou teoria do conhecimento é o de criar condições para a melhoria das justificações. Esses filósofos resolveram dar um passo a mais na tentativa de aperfeiçoar a definição do conhecimento, dizendo que além da crença verdadeira justificada, o conhecimento carece, ainda, de que a justificação seja irrevogável. Tal caráter de irrevogabilidade seria a pedra de toque, que por sua vez seria a certeza de que a crença que temos em mãos é verdadeira ou falsa. Até então, a definição neoplatônica era aceita sem maiores problemas, entretanto, surge Gettier que, com um paper de apenas três páginas deixa toda a comunidade filosófica em rebuliço. A seguir, transcrevo pequeno texto de Paulo Ghiraldelli, extraído de seu blog, conforme referência bibliográfica no final deste trabalho:<br />“Essa virada de Gettier na filosofia, que poderia ter alimentado o cético, acabou não alimentando tanto quanto à primeira vista poderia parecer. Pois o que ocorreu foi que todos os filósofos começaram a deixar de lado a definição que apela para justificações, e passaram a buscar definições de conhecimento a partir de causas. Em vez de ter o enunciado, e então buscar justificações, agora, para se ver se há ou não conhecimento, toma-se o enunciado em questão para investigar o que o produziu. Estamos hoje no meio de investigações no campo da teoria do conhecimento que nos levam a causas – são as teorias causais do conhecimento que ganham espaço hoje em dia. E esse campo só se abriu para tais perspectivas, ao menos com tal clareza filosófica, há poucas décadas.”<br /> De Sócrates a Gettier, o que podemos inferir é que não houve nada que pudesse ser posto como definitivo para “fechar” a questão da definição do conhecimento, mesmo porque não há como. O conhecimento tem que ser efetivamente uma via tortuosa, difícil e longa, cujo infinito será sempre inalcançável. E por mais que, além dos três componentes essenciais (crença, verdade e justificação), coloquemos mais componentes, como é o caso dos contra-exemplos apresentados por Edmund Gettier no terceiro quartel do século XX, a Análise Tradicional do Conhecimento vai permanecer vigente, haja vista que os contra-exemplos apresentados são situações plausíveis, é bem verdade, porém são todas sustentadas no acaso, na coincidência. Portanto, não podem “selar” a questão do conhecimento. Tampouco a Análise Tradicional do Conhecimento fecha a questão. Em suma: continua o conhecimento em sua longa caminhada pelos escaninhos das cabeças pensantes, contemplando a todos com o fascínio da sua conquista por parte de nós homens. Em não sendo assim, o que seria de todos nós se o conhecimento de tudo fosse alcançado? É este o sentido da vida: a busca incessante pelo saber verdadeiro, que se traduz, ao fim, no bem maior que toda humanidade almeja: a felicidade.<br />BIBLIOGRAFIA<br />FELDMAN. Richard. Evidentislism. Oxford University Press. USA, 2004.<br />NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. In Filosofia na Época Trágica dos Gregos, parágrafo terceiro. Os Pré-Socráticos, Abril S.A. Cultural e Industrial, 1 ed. Agosto 1973. São Paulo.<br />KENNY, Anthony. A definição de conhecimento no Teeteto. Retirado de História Concisa da Filosofia Ocidental (Temas de Debates, 1999). Disponível em <a href="http://criticanarede.com/termos.html%20-%20Visita%20em%2010/08/2008">http://criticanarede.com/termos.html. Visita em 10/08/2008</a>.<br />GHIRALDELLI JR., Paulo. O que é conhecimento? Disponível em <a href="http://ghiraldelli.wordpress.com/2007/11/19/205/">http://ghiraldelli.wordpress.com/2007/11/19/205/</a> . Visita em 12/08/08.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-64342310954568204432010-01-06T09:59:00.002-03:002010-01-26T11:34:50.463-03:00Kalós Kai Agathós<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe14RVhcD9rtQ3ikQ8LX-3XXeyzULDhIIHjWr2dffEhrTIm__Ye4gMxj31GuNeUlvV4FSVbCk3Sm8vX-Du-LF0GmbBO9UeqdWEQXbG5XrXxKTJYqa0uzubCQYFG4YmilUQKdowkYYA-Ves/s1600-h/Yurij.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" mt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe14RVhcD9rtQ3ikQ8LX-3XXeyzULDhIIHjWr2dffEhrTIm__Ye4gMxj31GuNeUlvV4FSVbCk3Sm8vX-Du-LF0GmbBO9UeqdWEQXbG5XrXxKTJYqa0uzubCQYFG4YmilUQKdowkYYA-Ves/s200/Yurij.jpg" width="186" /></a><br />
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Por que Kalós Kai Agathós? Vejamos o que diz o articulista Yurij Castelfranchi.<br />
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Yurij Castelfranchi, professor adjunto do departamento de sociologia e antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Possui graduação em Fisica (Università degli Studi La Sapienza, Roma, Itália), mestrado em Comunicação da Ciência (SISSA - International School for Advanced Studies, Trieste, Itália). Na Itália, foi docente de Ciência e Sociedade, Teorias da Comunicação da Ciência, Jornalismo científico e ambiental. Coordenou o curso de mestrado em Comunicação da Ciência na SISSA. É autor de 5 livros, 2 dos quais com tradução e diversos idiomas. Foi pesquisador no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP, docente de jornalismo científico, vice-diretor da JCOM - Journal of Science Communication, colaborador da Organización de Estados Iberoamericanos para la Eduación, la Ciencia y la Cultura (OEI). Atua principalmente nos seguintes temas: sociologia da ciência e da tecnologia, comunicação pública da ciência, jornalismo científico e ambiental, percepção pública da ciência e tecnologia, controvérsias sociais sobre C&T.(Texto informado pelo autor).<br />
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<strong>OS OBLIQUOS CAMINHOS DO BELO.</strong><br />
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É curiosa a história da representação do belo no ocidente. Considerado fundamental em todas as épocas, o belo sempre desafiou artistas e filósofos com sua inefabilidade. As estátuas de Policleto, os templos das acrópoles gregas, os retratos de Leonardo, as mulheres de Rubens ou de Gauguin, representaram o belo. Mas um belo profundamente diferente a cada momento.<br />
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Muitas épocas tentaram definir um padrão de beleza, que a época subseqüente rejeitava ou transformava profundamente. Um acorde musical considerado demoníaco na Idade Média, é hoje usado e percebido como belo no blues e no jazz. Intervalos musicais dissonantes e de uso limitado na época de Mozart, são hoje típicos (e perfeitamente afinados) na música popular e comercial ocidental. Para Pitágoras, belas eram as proporções matemáticas entre números inteiros, que podiam representar até a música divina das esferas celestes. Para alguns dos artistas da Grécia clássica, belas eram as formas arquitetônicas que reproduziam a proporção áurea. Templos eram construídos com largura e altura em proporção “Pi”, que vale cerca de 1,618 e é presente em algumas estruturas biológicas (como a espiral da concha do molusco náutilo).<br />
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Porém, se hoje estamos acostumados a pensar que muitos conceitos “universais”, tais como verdade, beleza, natureza, são vagos, construídos socialmente, enraizados nas culturas e relativos a estas, o belo foi, em muitos momentos históricos, definido e considerado algo objetivo e absoluto. Para gregos e romanos, belo, verdadeiro e bom eram três valores supremos. Para os gregos antigos, o bom cidadão da pólis tinha de ser um homem “kalós kai agathós”, ou seja belo e virtuoso. Homem “belo” (kalós) era não só o de formas proporcionais, forte, são. “A antiga noção de belo”, explica Luciano Migliaccio, professor de história da arte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas, “é um conceito normativo que responde a uma praxe técnica. O kalós grego (do verbo kaleo, chamar) é o que nos atrai, que suscita desejo. Nas artes figurativas, belo é o produto que imita melhor a natureza em seu processo criativo, correspondendo à norma geométrica e proporcional que governa, por exemplo, a construção do corpo humano. O belo, então, é concebido como um processo de adequação do produto humano ao pensamento divino, e governa o processo de criação na arquitetura, nas artes figurativas, como também na música”.<br />
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De acordo com Herbert Dieckmann (no <a href="http://etext.lib.virginia.edu/cgi-local/DHI/dhi.cgi?id=dv1-28">Dicionário de história das idéias</a>), em épocas pré-modernas a beleza era considerada como algo de existência objetiva e características universais. Platão, por exemplo, pensava que as representações materiais do belo compartilhavam da Beleza Absoluta, entidade que existia no mundo das idéias e era portanto absoluta, universal, não relativa, dotada da propriedade de “reconciliar o finito com o infinito” e que se manifestava “na proporção, na simetria, na medida e na harmonia das partes em relação com o todo”. Proporções e simetria ligavam então a beleza com o Bem, enquanto o belo revelava o Ser e era então ligado também à Verdade. A Verdade era garantia da Beleza.<br />
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Também para Aristóteles o belo respondia a normas objetivas. Porém, diferente de Platão, para o filósofo o belo não era definido e julgado em relação ao Ser e ao Verdadeiro, mas em termos de perfeição das formas, ou seja baseado em critérios objetivos não metafísicos. Suas componentes eram ordem, simetria, definição. Na Idade Média, Plotinos e Santo Agostinho retomaram as concepções de Platão e desenvolveram uma teoria do belo que dominou até o Renascimento. “O antigo conceito grego de beleza”, confirma Migliaccio, “influenciado em maneira substancial por Aristóteles, foi retomado no Renascimento junto com conceitos de origem platônica muito vivos no pensamento cristão. O belo era visto como reflexo da inalcançável transcendência divina”. Assim, menciona o historiador como exemplo, Michelangelo, em um soneto, pergunta ao amor se a beleza da mulher amada é percebida pela sua imagem ou se, na verdade, a beleza não seria uma imagem interior que, através do rosto da amada, remete à transcendência divina. “O artista tende para a segunda resposta: Michelangelo é o campeão de uma estética do sublime, ou seja, do belo como alusão ao transcendente, ao incompreensível, algo que só pode ser percebido através da forma criada. Se pensarmos na cúpula de São Pedro em Roma, de Michelangelo, percebemos como, para ele, a beleza está no esforço de chegar ao inalcançável, ao sublime que não pode ser entendido pela razão, ao reflexo da idéia divina que se manifesta no mundo criado”.<br />
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Porém, a noção do belo como algo objetivo, seja porque remeter ao divino, ao mundo das idéias, ou porque está ligado a critérios e normas não metafísicas porém universais, não resistiu na era moderna. A partir do século XVIII (e já no final do XVII), a fugacidade, inefabilidade e, sobretudo, a subjetividade do belo se tornam presentes com força na consciência de artistas e filósofos. Muitos, a partir do empirismo e, mais profundamente, com o Romantismo, começaram a se perguntar, no momento de definir algo ou alguém como belo, se estavam vendo em tal objeto ou pessoa caraterísticas que efetivamente possuíam, ou se estavam atribuindo tais características a eles. A passagem entre a antiga concepção objetivista de belo para a nova, subjetivista, marcou o abandono da busca para uma definição essencialista de belo.<br />
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“A beleza”, escreve Dieckmann, “já não é mais uma essência, uma característica objetiva, ou uma relação. Sua fundação está na resposta de nossos sentimentos, emoções, ou em nossas mentes”. Assim, o filósofo e matemático Blaise Pascal já dizia: “a própria moda e os países determinam aquilo a que se chama de beleza”. E David Hume concluia que “a beleza não é uma qualidade das coisas por si mesmas. Ela existe meramente na mente que as contempla, e cada mente percebe uma diferente beleza”. O prazer, continuava Hume, não somente é um necessário assistente da beleza, mas, sim, constitui sua própria essência. “Beauty”, passaram a dizer muitos, transformando o conceito em aforismo, “is in the eye of the beholder” (a beleza está no olhar de quem a contempla). Sucessivamente, na estética de Immanuel Kant, “belo é tudo quanto agrada desinteressadamente”.<br />
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Se a definição do belo aparecia então em discussão, ligada aos sujeitos tanto quanto aos objetos, também nas artes sua representação mudava. Se Leonardo da Vinci ainda declarava que a representação do belo era a “lei suprema da arte”, o escritor e crítico literário italiano Francesco de Sanctis, no século XIX, respondia que “a matéria da arte não é o belo ou o nobre, tudo é matéria de arte, tudo o que é vivo”.<br />
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“Em nossa civilização”, completa Migliaccio, “belo é uma noção cultural e histórica. A virada acontece com o movimento romântico. Baudelaire, em seus escritos sobre a arte, fornece uma boa definição moderna do belo: belo é um conceito eterno (todas as culturas dão valor a algo que consideram belo, ideal, desejável), porém tal conceito se realiza historicamente, em forma diferente em cada civilização”. Cada sociedade atribui beleza a produtos e qualidades diferentes. “Belo, então, é um conceito histórico realizado na arte”, continua o historiador da Unicamp. “História do belo e história da arte se identificam, por exemplo, na estética de Hegel, momento capital da reflexão sobre o tema. Romantismo e simbolismo identificam o belo com a expressão sincera e espontânea do sentimento individual por meio da criação da forma. Se aproximam, assim, ao conceito platônico de Michelangelo, porém buscando o transcendente na própria arte”.<br />
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Não surpreende então que poetas como Paul Valery possam brincar: “a definição de belo é fácil”, disse o francês, “é aquilo que desespera”. E não surpreende que, no século XX, um artista futurista como Filippo Marinetti pudesse dizer que “a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova, a beleza da velocidade”, acrescentando: “um automóvel de corrida com o seu capô ornado com grossos tubos semelhantes a serpentes de sopro explosivo …, um automóvel que ruge e parece correr sobre a metralha, é mais belo do que a Vitória de Samotrácia”.<br />
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Outro ponto de virada na concepção e representação do belo, continua Luciano Migliaccio, é dado pelas vanguardas históricas, particularmente o dadaísmo e o surrealismo. “Na civilização industrial, a beleza não está só nos produtos da arte tradicional”, explica. “O desejo de beleza, de algo que consideramos desejável, se reflete no design de um carro, em um maço de cigarros ou nos produtos da tecnologia”. Na arte neo-dadaísmo e pop da década de 1960, comenta o pesquisador, a noção de arte e de beleza tradicional são postas em crise. São procurados novos parâmetros estéticos da civilização industrial, por meio da experimentação de novas linguagens, da crítica da idéia de autor, de pintura, de expressão. “Um exemplo disso é a recuperação do ready-made por Duchamp, que é um artista central para entender o novo conceito de beleza”. Tal busca não cessa de ser uma busca do sublime, do incompreensível, “porque depende, em boa parte”, conclui Migliaccio, “dos horizontes ainda incompreensíveis da ciência e da tecnologia, hoje capazes de manipular a própria criação natural”. A beleza, concluiria talvez ainda hoje Simone de Beauvoir, ainda é mais difícil de contar do que a felicidade.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-24819515314454676932010-01-05T16:45:00.004-03:002010-07-22T16:56:33.631-03:00Filosofia Contemporânea16/07/2010<br />
Abaixo transcreco o "resumão" que fiz dos assuntos tratados na discplina História da Filosofia Contemporânea I, encerrada nesta data, tendo como professor Romero Venâncio.<br />
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22/07/2010<br />
FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE<br />
(1844-1900)<br />
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Tentar resumir Nietzsche em poucas linhas seguramente é uma tarefa difícil. Entretanto, o que pretendo a seguir é colocar um pouco do que pude assimilar do pensamento desse homem que mudou a história do mundo ocidental ao lado de outros vultos como Copérnico, Darwin, Marx e Freud.<br />
Não segui o roteiro de Osvaldo Giacóia Júnior – sua obra, por si mesma, já é um roteiro para aqueles que querem se iniciar em Nietzsche. Assim, preferi outro autor que, por seu estilo envolvente e quase poético, traçou um perfil tanto do homem, como também da obra de Nietzsche, em seu livro História da Filosofia, da coleção Os Pensadores. Estou me referindo ao filósofo e historiador norte-americano Will Durant, nascido em Massachussets e morto em Los Angeles em 1981.<br />
Começa Durant com uma invocação a Darwin, enfatizando que o grande biólogo havia completado o trabalho dos enciclopedistas ao retirarem a base teológica da moral moderna, e que na batalha pela vida nós não precisamos de bondade, mas de força; não de humildade, mas de orgulho; não de altruísmo, mas de inteligência resoluta; e que a igualdade e a democracia são contrários à natureza da seleção e da sobrevivência; que os gênios, e não as massas, são objetivo da evolução; que o poder, e não a justiça, é o árbitro de todas as diferenças e de todos os destinos. Darwin havia posto o homem no seu devido lugar: junto a todos os demais animais, sem privilégio algum. Esse foi o melhor presente que Nietzsche poderia receber. Era exatamente o que ele achava.<br />
Vivia-se uma época em que o crescente vigor militar e industrial da nova Alemanha precisava de uma voz; o arbitramento da guerra precisava de uma filosofia para justificá-la. Não era o cristianismo que iria fazê-lo, mas o darwinismo. E não faltou coragem ao jovem filósofo para mergulhar nessa difícil empresa. Em 1870, quando Nietzsche tinha 26 anos, a Alemanha e a França estavam em guerra.<br />
Em Frankfurt, conta-nos Durant, a caminho da frente de batalha, Nietzsche viu uma tropa de cavalaria passando com um magnífico tropel. Naquele momento, contou o filósofo, veio-lhe a percepção, a visão da qual nasceria toda a sua filosofia: “Senti, pela primeira vez, que a mais forte e mais nobre Vontade de Viver não encontra expressão em uma miserável luta pela existência, mas numa Vontade de Guerra, uma Vontade de Poder, uma Vontade de Dominar”.<br />
Duas de suas idéias características são: a de que a moralidade, bem como a teologia, deveria ser reconstruída nos termos da teoria da evolução; e que a função da vida é provocar “não a melhoria da maioria, que, examinada em termos individuais, mostra ser composta pelos mais inúteis dos tipos”, mas “a criação do gênio”, o desenvolvimento e a elevação de personalidades superiores.”<br />
Um capítulo importante em sua vida é a sua estreita amizade com o compositor Richard Wagner. Mas, da mesma forma como viveu intensamente essa relação, de forma igualmente intensa foi o seu rompimento. A ópera Parsifal?, Talvez tenha sido a gota d’água para esse vínculo se acabasse. Parsifal? Teria sido uma exaltação ao cristianismo, à piedade, ao amor espiritual, e a um mundo redimido por um “puro louco”, um “Louco em Cristo”. Nietzsche odiava o cristianismo. Afastou-se de Wagner e nunca mais falou com ele. “É-me impossível reconhecer grandeza que não esteja unida à franqueza e sinceridade para consigo mesmo. No momento em que faço uma descoberta dessas, as realizações de um homem não valem absolutamente nada para mim”, disse. Nunca perdoou Wagner por passar a ver no cristianismo um valor moral e uma beleza compreendendo seus defeitos teológicos. Desfere violentos golpes ao ex-amigo: “Richard Wagner (...), um romântico decrépito e desesperado, desabou subitamente diante da Santa Cruz.”<br />
Conta-nos Durant que em 1879 Nietzsche esteve à beira da morte. Estava preparado para o fim, quando chamou a irmão e lhe disse: “Prometa que quando eu morrer, só meus amigos ficarão junto do meu caixão, e não haverá uma multidão curiosa. Providencie para que nenhum padre, ou qualquer outra pessoa fale falsidades à beira do meu túmulo, quando já não poderei me proteger; e deixe-me baixar à minha sepultura como um pagão honesto.”<br />
Zaratustra foi sua obra-prima, e ele sabia disso. “Esta obra não tem igual”, escreveria mais tarde. Entretanto, o editor recusou-se a publicar a última parte, pois achava que “não valia um tostão furado”, segundo Durant. Assim, Nietzsche teve que pagar do seu próprio bolso para ver seu trabalho publicado. Ao todo foram vendidos quarenta exemplares; sete foram dados de presente. Só uma pessoa agradeceu. Ninguém o elogiou. “Nunca houve um homem tão só”, acrescenta Durant.<br />
“Se houvesse Deuses, como poderia eu suportar não ser um Deus? Em conseqüência, não há Deuses. Quem é mais ímpio do que eu, para que eu possa me deleitar com seus pensamentos?, escreveu em Zaratustra. Ainda nesta obra: “O que há de grandioso é que o homem é uma ponte, e não um objetivo”. Zaratustra se tornou, para Nietzsche, “um Evangelho sobre o qual seus livros posteriores eram meramente co0mentários, completa Durant.<br />
Foi a eloqüência dos profetas, de Amós a Jesus, que fez da visão de uma classe submissa uma ética quase universal. O “mundo” e a “carne” tornaram-se sinônimos do mal. A pobreza agora é uma forma de virtude. Esse juízo foi levado ao extremo por Jesus, para quem todo homem tinha o mesmo valor e também direitos iguais. Dessa doutrina nasceram a democracia, o utilitarismo e o socialismo. O progresso agora era definido ao amparo dessas filosofia plebéias, em termos de progressivas igualização e vulgarização, em termos de decadência e de vida declinante, escreveu Nietzsche em Além do Bem e do Mal.<br />
Para Nietzsche, por trás de toda essa moralidade está uma vontade secreta de poder. Até mesmo no amor à verdade existe o desejo de possuí-la. Do Nietzsche psicólogo, temos que “a maior parte de nossa atividade intelectual acontece inconscientemente, sem ser percebida por nós; (...) O pensamento consciente (...) é o mais fraco”, escreveu em Humano Demasiado Humano.<br />
Chamo a atenção para esse aspecto que considero de fundamental importância: se o Humano Demasiado Humano foi publicado em 1870, quando Sigmund Freud tinha apenas 14 anos. Portanto, podemos supor que Nietzsche antecipa-se a Freud ao fazer sua observação sobre o inconsciente humano, conforme citado linhas acima.<br />
Acreditava haver incompatibilidade entre amar e ser sábio ao mesmo tempo. Para ele, os votos dos amantes deveriam ser declarados nulos e o amor deveria ser impedimento legal para o casamento. Os melhores deveriam casar com os melhores. O amor ficaria para a ralé. O propósito do casamento não seria apenas a procriação, mas também o desenvolvimento. “Casamento”, escreveu, “assim eu chamo a vontade de duas pessoas criarem aquele que é mais do que os que o criaram”, escreveu em Zaratustra.<br />
Para Nietzsche, o caminho para o super-homem deveria passar pela aristocracia. A democracia deveria ser erradicada antes que seja tarde demais. O triunfo de Cristo, assim pensava, foi o começo da democracia; “o primeiro cristão era, em seus instintos mais profundos, um rebelde contra tudo aquilo que fosse privilegiado; viveu e lotou incansavelmente por “direitos iguais”; democracia significa “deriva, a veneração da mediocridade e o ódio à excelência.”<br />
Socialismo seria inveja: “eles querem algo que nós temos”, escreveu em Zaratustra. Achava que o escravo só é nobre quando se revolta. Para ele, o escravo é mais nobre do que os seus senhores modernos – a burguesia. Diz ainda que é um sinal de inferioridade da cultura do século XIX o fato de o homem de dinheiro ser objeto de tanta adoração e inveja.<br />
Em O Anticristo escreveu que sempre e em toda parte, alguns serão líderes, e outros seguidores; a maioria será compelida, e estará feliz, em trabalhar sob a direção intelectual de homens superiores. Disse que “mandar é mais difícil do que obedecer”. E que a sociedade ideal seria dividida em três classes: produtores, funcionários públicos e governantes.<br />
Ainda no que se refere à aristocracia, defendia que nada pode contaminar e enfraquecer tanto uma aristocracia quanto o casamento de novos-ricos. Todo nascimento é o veredicto da natureza em relação a um casamento. O homem perfeito só aparece depois de sucessivas gerações de seleção e preparação. “Os ancestrais de um homem pagaram o preço daquilo que ele é.”<br />
Em Ecce Homo escreveu que “aquele que souber respirar no ar de meus escritos estará consciente de que se trata do ar das alturas, que é estimulante. O homem deve ser feito para ele; caso contrário, é provável que o mate.”<br />
Para encerrar, após este resumo do trabalho de Will Durant, passo a discorrer sobre a crítica e conclusão do pensador norte-americano sobre Nietzsche, também de forma resumida, tendo eu destacado os pontos que julguei relevantes. Para Durant, Nietzsche não reconhece o lugar e o valor dos instintos sociais. Repelido em sua busca de amor, volta-se contra a mulher “com uma amargura indigna de um filósofo e anormal em um homem.” Entretanto, diz Durant, mais verdadeiras em relação a ele do que ao Jesus ao qual ele as dirigiu, são as seguintes palavras suas: “Ele morreu cedo demais; ele próprio teria revogado a sua doutrina se tivesse atingido uma idade mais madura; nobre bastante para revogar, ele era.”<br />
Por fim, Nietzsche “tem sido refutado por todo aspirante à respeitabilidade; e no entanto, permanece como um marco no pensamento moderno e um pico de montanha na prosa alemã.” Ele conseguiu , de fato, fazer um inventário crítico de instituições e opiniões que durante séculos tinham sido consideradas como naturais: a) abriu uma nova perspectiva para o drama e a filosofia gregas; b) mostrou o germe da decadência romântica na música de Wagner; c) analisou a natureza humana com uma sutileza tão afiada quanto um bisturi de um cirurgião; d) trouxe à lume certas raízes ocultas da moralidade como nenhum outro pensador moderno havia feito, embora, naturalmente, os pontos essenciais da sua ética se encontrem em Platão, Maquiavel, Hobbes, La Rochefoucauld; e) introduziu no domínio da ética um valor até então praticamente desconhecido: a aristocracia; f) forçou uma reflexão honesta sobre as implicações éticas do darwinismo; g) escreveu o maior poema em prosa da literatura do século e, acima de tudo, concebeu o homem como algo que o homem deve ultrapassar.<br />
A doença e uma progressiva cegueira foram o lado fisiológico de seu colapso. Começou a dar sinais de paranóicas manias de grandeza e perseguição.<br />
Nietzsche morreu em 1900. “Raramente um homem pagou um preço tão alto pelo gênio”, conclui Will Durant.<br />
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:<br />
DURANT, Will. A História da Filosofia. Capítulo IX. In: Friedrich Nietzsche. Coleção Os Pensadores. Ed. Nova Cultural. – São Paulo, 1996, PP-371-410.<br />
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RESUMO GERAL<br />
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a) A EPISTEME NO SÉCULO XIX: A IDADE DA HISTÓRIA<br />
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A Idade da História<br />
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O século XIX desencadeou a segunda era das revoluções da modernidade. O mundo do capital instala uma escravidão ainda pior que as antigas. A primeira metade do século é o tempo das revoluções burguesas.<br />
Atônita com a aceleração da história cadenciada pelas revoluções e contra-revoluções políticas, a humanidade vê-se agora diante da necessidade de interiorizar algo bem mais abstrato, mas de efeitos não menos concretos na vida de cada um.<br />
A biologia desde Aristóteles operava com o princípio da fixidez do ser, e era precisamente de suas transformações que era precisa dar conta. A divida do espírito à época das luzes era: é preciso encontrar sob a extensão cartesiana a força, sob o corpo-máquina a vida. A divisa do século XIX passa a ser: é preciso reencontrar sob a força newtoniana o devir, sob a vida a história.<br />
Darwin rompe com o princípio da constância do ser e busca o segredo da natureza viva nos pontos de fuga do devir. A criatura tida por divina não goza de nenhum privilégio na ordem da natureza. É um novo modo de ser do homem que se anuncia. “O homem não tem essência, tem máscaras”, diz Nietzsche.<br />
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A antropologia do Homem Histórico<br />
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O tempo é mais metafísico do que o espaço. “Parte do mesmo é passado e já não existe, outra parte é futuro e não existe todavia, outra enfim é presente e existe, mas desvanece”, dizia Aristóteles”. “Quando não me perguntam, o sei; quando me perguntam, não sei”, dizia Santo Agostinho.<br />
Os antigos acreditavam que o devir histórico é afeto ao universo dos acidentes e o tempo do mundo é o marco vazio e indiferente às coisas que o habitam. Os homens desde os tempos mais remotos sabem-se constituídos por uma história e por assim dizer governados pelas potências noturnas do tempo: o Destino, a Fortuna, a Providência, etc.<br />
O homem do mito e as sociedades primitivas são conhecidos como um homem a-histórico e uma sociedade sem história. Nada mais inexato. Falar de um homem a-histórico e de uma sociedade sem história não faz sentido, valendo apenas para nós que vivemos uma época demasiadamente habituada a identificar a história com a mudança e com o novo. Para o mito e o homem primitivo, a história não está voltada para o futuro, mas para o passado, e nela o fluxo do devir é sempre acompanhado de seu outro. O homem do mito sabe-se constituído por uma história sagrada, cujos acontecimentos ocorrem no tempo das origens.<br />
É a partir do registro do eterno e do ser pleno que Platão trata de pensar o homem e as coisas. Embora ele tenha pensado o devir como deficiência de ser e estendido essa concepção ao homem, ele nos mostra que a falta ou privação do homem não é de todo sem remédio, pois os deuses fizeram-lhe dom do amor, meio pelo qual eles podem remediar a falta e recuperar, mesmo que por um só instante, sua antiga natureza irremediavelmente perdida.<br />
Aristóteles nos fala de algo parecido: esvazia as potências noturnas do tempo, define a polis como comunidade de obras e o homem político pela plenitude da cidadania, e pensa a ação política como afirmação do ser e realização das virtualidades do varão virtuoso.<br />
A natureza do homem trágico é dual, e as notas que o qualificam não são as mesmas do homem ético platônico e do homem político aristotélico. O tema da fragilidade da condição humana buscam os trágicos no mito, recuando a uma época em que os homens são frágeis demais para dispensarem o concurso dos deuses. O homem grego não é de todo alheio à história.<br />
À diferença do mito e da tradição helenístico-romana, a tradição judeu-cristã nos dá uma nova figura do tempo e uma nova forma da história, voltadas não para o passado ou para o presente, porém para o futuro. A história dos homens deita suas raízes na interseção do mundano, isto é, o que pertence ao tempo e aos homens, e do divino, vale dizer, o que pertence a Deus e à eternidade.<br />
Antes da criação, não há tempo, mas Deus e a eternidade; depois da criação, o tempo é retorno, volta ao paraíso perdido. “É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras”, ainda de acordo com Agostinho. O passado é o que se recorda; o futuro, o que se espera; o presente, aquilo a que se está atento.<br />
Foi preciso aguardar um pouco mais, o século XIX, para que, na esteira da queda do ser no tempo, se instalasse uma antropologia que nos fala não de uma história exterior, mas interior ao homem. A história devolve o homem ao tempo, senhor absoluto da vida e da morte, e nele busca a arché do seu ser: o devir.<br />
Kant é o primeiro a pensar o problema do homem nos quadros de uma analítica da finitude, onde história e antropologia se reenviam uma à outra, como as duas faces de uma mesma moeda: de um lado, não há história senão onde há um ser lacunar; de outro, não há um ser lacunar, senão onde há história. <br />
É a partir desta contradição irredutível entre o ser e o devir que o século XIX pensa o homem e a história. Para Kant, o homem é um ser empírico-transcendental; em Hegel, a história é o devir (“somente o presente é; o antes e o depois não existem; o presente é o resultado do passado e está grávido do futuro; então o verdadeiro presente é a eternidade”). <br />
Por fim, em Marx e em Nietzsche, a história é a suspensão do devir e eterno retorno. Nietzsche abole o tempo ao nos falar do retorno, da morte de Deus e da errância do último homem. Marx imobiliza a história ao nos falar do comunismo e da suspensão do dever: a revolução.<br />
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A Estratégia Histórica<br />
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Palco de uma revolução do espírito, a Episteme moderna adotou como discurso três estratégias distintas: a) modo de ser das coisas(modus essendi), no XVII, onde a estratégia é essencialista e seu elemento próprio é o ser, ou seja, a essência. E as qualidades do ser os seus acidentes, atributos, modos, etc.; b) modo de agir(modus operandi), no XVIII, onde a estratégia é fenomenista e seu elemento próprio é o fenômeno e as correlações dos fenômenos; c) modo de fazer(modus faciendi), no XIX, no qual a estratégia é historicista e seu elemento próprio é o devir e as correlações do devir.<br />
Locke e Condillac reduzem a sensibilidade a uma pura sensorialidade.<br />
Assistimos, no curso do século XIX, a uma espécie de processo contra a idade das luzes. Renan diz que o século XVIII é a época que não soube compreender nem o homem nem a natureza.<br />
Goethe compara a obra newtoniana a um buraco de ratos, a um antro de corujas, e afirma que é um verdadeiro dever abater esta “Bastilha” e não deixar pedra sobre pedra.<br />
Engels se refere a Newton como ao asno da indução.<br />
Darwin e Lamarck rompem com o princípio da constância do ser e dobram a cadeia da natureza ao tempo,<br />
A Episteme no século XIX sente-se mais à vontade com categorias orgânicas do que mecânicas, e prefere a árvore à máquina: em biologia, fala-se do aparecimento, do desenvolvimento e do desaparecimento de espécies; e, ciências humanas, das famílias e filiações lingüísticas, das raízes do direito positivo nas regras não-escritas dos costumes, das séries temporais da história, da vida do espírito etc.(Leroux). A Episteme no século XIX prefere a vida ao agregado, o movimento ao repouso, e busca na história (devir) a chave do mundo da vida e dos homens (Pierre Leroux).<br />
Para Darwin, os sábios em geral e sobretudo os físicos operam e raciocinam sobre a natureza como se a vida estivesse ausente, como se a natureza estivesse marcada, no que diz respeito ao tempo e à mudança, por uma eterna imobilidade.<br />
Para Gusdorf, a ciência verdadeira é a ciência da vida.<br />
A organização da sociedade dos homens e do trabalho não obedece com certeza ao mesmo princípio pelo qual o bicho-da-seda fabrica seu casulo, a formiga constrói seu formigueiro, a abelha seu alvéolo.<br />
Marx, em mais de uma ocasião, reconheceu suas dívidas para com Darwin.<br />
A humanidade sempre se mostrou um tanto refratária em nos oferecer um conhecimento racional da história, e menos ainda uma história interior aos homens, preferindo simplesmente abandoná-la aos caprichos do devir cósmico que os ultrapassa, ou atribuir sua racionalidade ou falta de racionalidade às ações arbitrárias dos deuses, ou buscar sua inteligibilidade alhures, na natureza.<br />
Em Bacon e em Descartes, o homem é uma natureza, e a história pertence aos fatos, não à essência das coisas; em Espinosa a essência do homem é o conatus, e o conatus é o reverso da história, pois é o absoluto e a eternidade; em Montesquieu e Smith a história é o lugar onde as coisas duram ou acontecem.<br />
Será preciso esperar o século XIX para que um novo regime do saber se instale. Tão logo a filosofia passou a freqüentar a história não tardou a apresentar férteis resultados em seus diferentes domínios.<br />
Quem vai dar-nos a “canônica” deste novo regime do saber que com ela, a escola histórica, se instala é Kant, muito embora ele não fosse particularmente dotado de um espírito histórico. Kant havia mostrado que o conhecimento pode organizar-se de três maneiras: ou deve-se fundar num mais além da experiência, ou deve-se fundar no pensamento puro; e uma história transcendental, fundada nas idéias a priori da razão.<br />
A Episteme do século XIX vai buscar em Kant os fundamentos do conhecimento histórico. Um saber total da realidade total, é o que caracteriza a trajetória da Episteme no século XIX, em contrapartida, é o abandono puro e simples da metafísica da história em favor de uma abordagem mais colada no sensível.<br />
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A Fundação Histórica do Conhecimento<br />
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De Descartes (1596-1650) a Hume (1711-1776), da morte do primeiro ao nascimento do segundo um intervalo de 125 anos, o processo do conhecimento consiste num jogo de três termos (objeto, sujeito e representação), e o edifício da teoria do conhecimento foi construído para resolver um só problema: o problema do conhecimento, que é o problema de saber como podemos garantir a conformidade da representação ao representado e assim instalar a sua verdade. Todavia, a solução do problema do conhecimento assim entendida, seja na via interiorista seja na via exteriorista, é, aos olhos de Kant, uma pseudo-solução e na realidade encerra uma aporia insolúvel. <br />
Descartes, para vencer a dúvida hiperbólica e exorcizar o fantasma do malin génie, parte do cogito, funda Deus no cogito e o cogito em Deus.<br />
Kant nos propõe uma teoria do conhecimento na qual o problema da prova e da fundamentação é redefinido para além dos quadros da tradição clássica, como ele próprio afirma, são quatro as perguntas que armam a sua obra: a) que posso eu saber? b) que devo fazer? c) que me é permitido esperar? d) que é o homem?<br />
Embora derive de Kant e do criticismo, o problema do conhecimento adquire em Hegel uma outra configuração, pois, se ele nos fala de uma atividade da razão que é em si mesma prática, é para exigir-lhe bem mais e dar ao problema da fundamentação do conhecimento a forma de uma fundação teórica e mesmo absoluta, exigências de que Kant não compartilha. <br />
O problema do conhecimento não é nem o da possibilidade do erro (Descartes), nem o da possibilidade da verdade (Kant), mas o do efetivamente verdadeiro (Espinosa), e este problema se resolve na realidade do discurso que, operando no elemento da verdade, não há por que pedir uma caução ou uma garantia externa: a prova da prova (p. 300).<br />
A grande audácia de Hegel foi pensar um saber em que a distinção sujeito-objeto é interna à consciência (p. 300). Na sua última das Lições sobre a Filosofia, Hegel sugere que o verdadeiro sujeito do Espírito (Absoluto), na sua marcha da história, não é o homem, mas simplesmente Deus.<br />
Nietzsche na sua filosofia dos martelos diz que saber absoluto = saber do absoluto = o ponto de vista de Deus! Que presunção: Deus, quer dizer, Hegel, vivendo em Berlim. É neste quadro que se inscreve, na segunda metade do século XIX um conjunto de reflexões a contracorrente do hegelianismo e que deu origem a este vasto movimento que se poderia chamar de processo de dissolução do idealismo alemão, levado a cabo por Feuerbach (1804-1872), Marx (1818-1883), Nietzsche (1844-1900), Dilthey (1833-1911) e Kierkgaard (1813-1855), num esforço notável para recolocar o problema do conhecimento em bases novas.<br />
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:<br />
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DOMINGUES, Ivan. O grau zero do conhecimento. O problema da fundamentação das ciências humanas. Edições Loyola. Coleção Filosofia. São Paulo, 1999. In: A episteme no século XIX: A idade da história. – PP. 267-303.<br />
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b) A IDEOLOGIA RELIGIOSA<br />
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Palavras-chave: fé, esperança, caridade, peregrinação, pátria, heroísmo cristão, pobreza, sofrimento, Jesus Cristo, socialismo.<br />
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Ficha de Citações:<br />
• Há países nos quais a palavra “cristão é simplesmente sinônimo de “camponês”, ou mesmo de “homem” (346).<br />
• A religião tornou-se algo parecido com um acúmulo de nuvens (346).<br />
• ...o que não tinha precedentes era a secularização das massas (346).<br />
• Se havia uma religião florescente entre a elite do final do século XVIII, esta era a maçonaria racionalista, Iluminista e anticlerical (347).<br />
• Bacon e Hobbes estiveram associados como indivíduos à velha e corrupta sociedade (348).<br />
• Os filósofos do século XVIII não se cansavam de demonstrar que uma moralidade “natural” e os altos padrões pessoais do livre pensador individual eram melhores do que o cristianismo (348).<br />
• Com as revoluções americana e francesa as principais transformações políticas e sociais foram secularizadas (350).<br />
• ...o secularismo dos novos movimentos socialista e trabalhista se baseava no fato, igualmente novo e mais fundamental, da indiferença religiosa do novo proletariado (351).<br />
• A classe trabalhadora como grupo era indubitavelmente menos atingida pela religião organizada do que qualquer outro núcleo de pobres da história mundial (352).<br />
• A tendência geral do período desde 1789 até 1848 foi, portanto, de uma enfática secularização (352).<br />
• Quando sociedades tradicionais mudam algo tão fundamental como sua religião, é claro que elas devem estar enfrentando novos e maiores problemas (355).<br />
• ...o Islamismo é um poderoso meio de reintegração das estruturas sociais (355).<br />
• Os negros muçulmanos eram maus escravos: os haussas foram mortos ou deportados de volta para a África (355).<br />
• 1789 a 1848: período do renascimento do islamismo mundial (357).<br />
• ...o caráter social das novas seitas combatia sua retirada teológica do mundo (368).<br />
• Seu mais dramático produto foi a seita dos santos dos últimos dias (os mórmons), fundada pelo profeta Joseph Smith, que recebeu sua revelação próxima a Palmyra, Nova York, na década de 1820, e conduziu seu povo em êxodo para algum Sião remoto e que eventualmente o levou aos desertos de Utah (361).<br />
• Em termos puramente religiosos, portanto, nosso período foi de uma crescente secularização e de indiferença religiosa (na Europa), combatidas pelo despertar da religião em suas formas mais intransigentes, irracionais e emocionalmente compulsivas (363).<br />
• O materialismo mecânico francamente ateu do filósofo alemão Feuerbach (1804-1872) na década de 1830 se confrontava com os jovens antiintelectualistas do “Movimento de Oxford”, que defendiam a literal exatidão das vidas dos santos medievais (363).<br />
• (O Movimento de Oxford foi um movimento religioso de anglicanos da Alta Igreja, a maior parte deles de membros da Universidade de Oxford, na primeira metade do século XIX [1830-1833...]. O principal ponto defendido pelo movimento era demonstrar que a Igreja Anglicana era uma descendente direta da Igreja estabelecida pelos apóstolos. Dos grandes líderes do movimento eram Edward Bouverie Pusey e John Henry Newman. O Movimento de Oxford influenciou os assim chamados anglo-católicos na sua compreensão do anglicanismo. Foi um movimento de renovação espiritual do anglicanismo).<br />
• Mas este retorno à religião militante, literal e ultrapassada tinha três aspectos. Para as massas, era, principalmente, um método de luta contra a sociedade cada vez mais fria, desumana e tirânica do liberalismo da classe média: segundo Marx, era “o coração de um mundo sem coração, como é o espírito de um mundo sem espírito...o ópio do povo” (363).<br />
• Para a maioria dos governos estabelecidos, bastava que o jacobinismo ameaçasse os tronos e as Igrejas os preservassem. Entretanto, para um grupo de intelectuais e ideólogos românticos, a aliança entre o trono e o altar tinha um significado mais profundo: o de preservar uma velha sociedade viva e orgânica contra a corrosão da razão e o liberalismo (364).<br />
• O mais importante explorador destas profundezas do coração humano, o dinamarquês Sören Kierkgaard, 1813-1855, era oriundo de um pequeno país e atraiu muito pouca atenção de seus contemporâneos: sua fama é totalmente póstuma (364).<br />
• A França foi um país sempre receptivo às tendências eclesiásticas que estivessem em pequeno desacordo com a Igreja de Roma (367).<br />
• Ser huguenote francês equivalia a ser um liberal moderno (368).<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA<br />
HOBSBAWN, Eric J., 1917 - . A era das revoluções, 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra. In: A Ideologia Religiosa, pgs. 345-368.<br />
<br />
c) A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO<br />
<br />
Ludwig Feuerbach<br />
<br />
Ficha de Citações<br />
Apresentação<br />
1. Sou radicalmente diferente dos filósofos que arrancam os olhos para ver melhor.<br />
2. A imaginação e a religião são expressões permanentes da própria essência humana.<br />
3. A história é a arena onde a essência humana se expressa.<br />
4. O homem é um ser partido entre duas realidades.<br />
5. Teísta e ateu habitam um mesmo cosmo<br />
6. O discurso religioso (...) é a expressão-protesto da criatura oprimida, impossibilitada de se realizar dentro das condições dominantes.<br />
<br />
Prefácio à primeira edição<br />
1. A filosofia ou religião em geral (...) são idênticas.<br />
2. É inteiramente impossível que algum homem acredite em alguma coisa que contradiga realmente pelo menos à sua faculdade lógica e imaginativa (18).<br />
3. Quando o homem não mais sente e pensa em harmonia com a sua fé, quando então a fé deixa de ser para os homens uma verdade penetrante, só então será salientada com uma ênfase especial a contradição da fé, da religião com a razão (18).<br />
4. A fé não pode se desfazer da razão natural (18).<br />
5. A especialidade é a fragrância da fé (19).<br />
6. A religião é essencialmente dramática.<br />
7. A teologia não é tratada sem como uma pragmatologia mística (...), nem como ontologia (...), mas como uma patologia psíquica (19).<br />
8. O cristianismo moderno (...) vive de esmolas do passado (20).<br />
9. O segredo da teologia é a antropologia (20).<br />
10. Não obstante “a liberdade infinita e personalidade” do mundo moderno ter assim se assenhorado da religião e teologia cristãs (...), mesmo assim a essência sobre-humana e sobrenatural do antigo cristianismo ainda assombra o nosso tempo e a nossa teologia pelo menos como um fantasma na cabeça em conseqüência da sua indecisa mediocridade e da sua falta de personalidade (20-21).<br />
11. Uma ilusão só é bela enquanto ela não é tida por ilusão, mas por verdade (22).<br />
<br />
Prefácio à segunda edição<br />
<br />
1. A verdade é o limite da ciência (25).<br />
2. O meu livro é uma tradução fiel e correta da religião cristã (26).<br />
3. Sou astronomicamente diferente dos filósofos que arrancam os olhos da cabeça para poderem pensar melhor (27).<br />
4. Não produzo coisas a partir do pensamento, mas inversamente os pensamentos a partir das coisas (27).<br />
5. A idéia é para mim somente a confiança no futuro histórico (27).<br />
6. Tudo o que é meu carrego comigo mesmo (27).<br />
7. A especulação só deixa a religião dizer o que ela própria pensou e dito de maneira muito melhor do que a religião (28-29).<br />
8. Apenas mostrei o mistério da religião cristã, apenas arranquei-o da teia contraditória das mentiras e tapeações da teologia (29).<br />
9. O ateísmo (...) é o mistério da própria religião (29).<br />
10. A própria religião (...) em nada mais crê a não ser na verdade e divindade da essência humana (29).<br />
11. O desenvolvimento se satisfaz em cada estágio, mas a luta somente na meta final (29).<br />
12. O verdadeiro significado da teologia é a antropologia (30).<br />
13. Entre os predicados da essência divina e humana (...) não há distinção, são idênticos 30).<br />
14. A distinção que é feita entre os predicados antropológicos e teológicos (...) dissolve-se no nada, num non sense (30).<br />
15. Não digo absolutamente “Deus não é nada, a Trindade não é nada, a palavra de Deus não é nada, etc., mostro apenas que tais coisas não são o que são na ilusão de teologia, que não são mistérios estranhos, mas íntimos, os mistérios de natureza humana (31).<br />
16. A religião, nas determinações que ela atribui a Deus (...) apenas define ou objetiva a verdadeira essência da palavra humana (31).<br />
17. A religião é o sonho do espírito humano (31).<br />
18. Transformo o objeto da fantasia no objeto da realidade (31).<br />
19. O mais alto grau de ilusão é também o mais alto grau de sacralidade (32).<br />
20. Erudição e filosofia são para mim apenas os meios para mostrar o tesouro escondido no homem (34).<br />
21. Sempre tomei por critério da verdadeira forma literária e didática (...) o homem universal (34).<br />
22. O cristianismo já de há muito desapareceu não só da razão, mas também da vida humana (36).<br />
23. Uma verdade nunca veio ao mundo com enfeites (37).<br />
<br />
Introdução<br />
Capítulo I<br />
A ESSÊNCIA DO HOMEM EM GERAL<br />
<br />
1. A religião se baseia na diferença essencial entre o homem e o animal (43).<br />
2. A ciência é a consciência dos gêneros (43).<br />
3. A essência do homem (...) não é apenas o fundamento, mas também o objeto da religião. Mas a religião é a consciência do infinito; (...) a limitação do ser é também a limitação da consciência; (...) uma consciência limitada não é consciência; a consciência é essencialmente de natureza universal, infinita. A consciência do infinito não é nada mais que a consciência da infinitude da consciência. Ou ainda: na consciência do infinito é a infinitude da sua própria essência um objeto para o consciente (44).<br />
4. Um homem completo possui a força do pensamento, a força da vontade e a força do coração (44).<br />
5. Verdadeiro, perfeito, divino é apenas o que existe em função de si mesmo (45).<br />
6. A música é o idioma do sentimento (45).<br />
7. O homem nada é sem objeto (46).<br />
8. A religião retira os poderes, as qualidades e as essências do homem de dentro do próprio homem e as diviniza como se fossem seres separados (46 – nota de rodapé).<br />
9. O ser absoluto, o Deus do homem é a sua própria essência<br />
10. Consciência é a marca característica de um ser perfeito.<br />
11. Vaidade é apenas quando o homem namora a sua própria forma individual, mas não quando ele admira a forma humana.<br />
12. Todo ser se basta a si mesmo.<br />
13. Se as plantas tivessem olhos, gosto e juízo, cada planta iria escolher a sua flor como a mais bela.<br />
14. Deus é o sentimento puro, ilimitado, livre.<br />
<br />
A ESSÊNCIA DA RELIGIÃO EM GERAL<br />
<br />
1. No objeto religioso a consciência coincide imediatamente com a consciência de si mesmo.<br />
2. O objeto do homem nada mais é que a sua própria essência objetivada.<br />
3. A consciência de Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo, o conhecimento de Deus o conhecimento que o homem tem de si mesmo.<br />
4. Deus é a intimidade revelada.<br />
5. A religião é a consciência primeira e indireta que o homem tem de si mesmo.<br />
6. A religião é a essência infantil da humanidade.<br />
7. O que foi considerado e adorado como Deus é agora reconhecido como algo humano.<br />
8. Todas as qualidades da essência divina são qualidades da essência humana.<br />
9. O que não tem efeito, não possui existência para mim.<br />
10. Quando o homem retira de Deus todas as qualidades é este Deus para ele apenas um ser negativo, nulo<br />
11. A ausência de atributos e a incognoscibilidade de Deu (ambos são sinônimos) é então somente um fruto dos últimos tempos, um produto da descrença moderna.<br />
12. Quem se conhece conhecerá também a Deus (nota de rodapé, pg. 57).<br />
13. Quem teme ser finito, teme existir.<br />
14. O ceticismo é o pior inimigo da religião.<br />
15. Deus é então a essência do homem contemplada como a mais elevada verdade.<br />
16. Tudo que a teologia e a filosofia consideraram até agora como Deus, absoluto, essencial, não é Deus; mas tudo que não consideraram como Deus é exatamente Deus.<br />
17. O homem, em especial o religioso, é a medida de todas as coisas, é a medida da realidade (sentença do filósofo sofista Protágoras).<br />
18. A religião compreende todos os objetos do mundo.<br />
19. Deus é um ser inteiramente diverso de algo humano ou semelhante a humano, só conhecemos no futuro, i.é., no outro mundo.<br />
20. O tempo é que é o meio para se conciliarem oposições e contradições em um único ser.<br />
21. Spinoza fala de infinitos atributos da substância divina, mas com exceção do pensamento e extensão não menciona nenhum. Na verdade, não tem nenhum predicado, i.é., nenhum predicado definido, real.<br />
22. Como posso definir um belo quadro como belo se a minha alma é uma decadência estética?<br />
23. “Deus só pode amar a si e pensar em si e trabalhar somente para si. Deus, ao criar o homem, procura apenas o seu proveito, a sua glória” (Pierre Bayle, Uma contribuição para a história da filosofia e da humanidade).<br />
24. A diferença entre o agostianismo e o pelagianismo é exatamente que aquele expressa à maneira da religião o que este expressa à maneira do racionalismo.<br />
25. O agostinianismo é apenas um pelagianismo às avessas, o que um estabelece como sujeito, o outro estabelece como objeto.<br />
26. Em Deus só é objeto para o homem a sua própria atividade.<br />
27. O desenvolvimento da religião consiste em que o homem cada vez mais nega a Deus e se afirma. Tudo que, num período posterior ou num povo culto, é atribuído à natureza ou a razão, é num período anterior e num povo ainda inculto atribuído a Deus.<br />
28. O que ontem ainda era religião não é mais hoje e o que é hoje tido por ateísmo será amanhã tido por religião.<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:<br />
FEUERBACH, Ludwig (1804-1872). A essência do cristianismo. Tradução e notas de José da Silva Brandão. – Campinas, SP : Papirus, 1988. – PP. 7-73.<br />
d) Apresentação – Rubens Enderle<br />
É na Crítica da filosofia do direito de Hegel que Marx imprime a noção de “crítica filosófica” os seus traços mais decisivos. Na Crítica, essa noção aparece contraposta tanto ao “dogmatismo especulativo de Hegel”, quanto ao “erra dogmático oposto” da crítica vulgar, termo com o qual Marx refere o grupo berlinense dos Livres, cujos principais representantes eram Bruno Bauer e Max Stirner.<br />
A essa “crítica vulgar”, Marx contrapõe a crítica ontogenética, que corresponde a gênese e a necessidade de suas contradições “em seu significado específico”.<br />
O legado de Feuerbach vak ser decisivo na crítica de Marx aos fundamentos da filosofia hegeliana. <br />
Já no Prefácio à Crítica da Economia Política (1842-43), Marx diz de sua disposição em empreender uma revisão crítica da filosofia do direito de Hegel. A Crítica significa um divisor de águas na obra marxiana, marcando a transição de sua fase juvenil para a fase adulta, a consolidação dos pressupostos que continuarão a orientar a produção de seu pensamento até sua maturidade.<br />
O tema fundamental da crítica de Marx a Hegel é o da separação e oposição modernas entre Estado e sociedade civil e a tentativa de Hegel de conciliar esses extremos na esfera do Estado, concebido segundo o modelo da monarquia constitucional prussiana.<br />
As contradições e insuficiências de Hegel são explicadas a partir de seu próprio fundamento, ou seja, dos pressupostos ontológicos da especulação hegeliana, que constitui o primeiro objeto da crítica de Marx.<br />
O que Marx denuncia como o “mistério” da especulação hegeliana é a ontologização da idéia. Em Hegel, família e sociedade civil são produzidas pela idéia de Estado, engendradas por ela.<br />
Para Marx, sob influência de Feuerbach, tratava-se justamente de afirmar ser o finito como o ser verdadeiro, o verdadeiro sujeito. Feuerbach centra sua crítica à especulação hegeliana na denúncia não de um erro de método, mas na falsidade da determinação ontológica em que o método está montado.<br />
Hegel não dá a lógica do corpo político; ele dá à sua lógica um corpo político. Falta-lhe um modo de determinar “a maneira racional, adequada, de subsunção”, ou seja, falta-lhe um critério que dê a cada categoria lógica uma necessidade ontológica.<br />
O segundo momento da crítica marxiana trata fundamentalmente do tema da alienação política. Para Marx, “a alienação política tem lugar no momento em que o povo, ao se submeter à sua própria obra, perde seu estatuto fundante e as posições são invertidas. O que era o todo passa à posição de parte, e vice-versa. Essa oposição, que se encontra nas bases do Estado moderno, esconde-se em Hegel sob o véu da especulação.<br />
A crítica de Marx à alienação política guarda um vínculo profundo com o pensamento de Rousseau. O poder executivo deixa de ser uma parte submetida à vontade geral e passa a confrontá-la como um poder independente, ao mesmo tempo em que a vontade geral se vê rebaixada à condição de um poder particular do Estado.<br />
A defesa hegeliana da constituição estamental assenta na concepção do povo como uma “massa” que “não sabe o que quer”, uma “multidão e uma turba” dotada de “uma opinião e um querer inorgânicos”, opostos ao Estado. Povo e Estado formam, em Hegel, extremos de um silogismo, cujo termo médio é composto pelos estamentos, os quais representam a própria contradição no interior do Estado político. <br />
Em Marx, a vontade geral só erra quando enganada. Por isso, afirma, a questão prático-política fundamental é a participação, no poder legislativo, não de “todos singularmente”, mas dos “singulares como todos”.<br />
A contradição entre Estado e sociedade civil permanecia nos quadros de um problema de ordem política, uma deficiência localizada no terreno da “vontade”. Imediatamente após a Crítica, nos Anais Franco-Alemães, Marx tratará de superar essa posição. A gênese da alienação política será detectada no seio da sociedade civil, nas relações materiais fundadas na propriedade privada.<br />
<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:<br />
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus; São Paulo : Boitempo, 2005. PP. 11-26 (Apresentação de Rubens Enderle).<br />
<br />
e) CRÍTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL – Introdução<br />
<br />
Como texto introdutório à leitura da Crítica da Filosofia do direito de Hegel, optei por não resumir a Apresentação feita por Rubens Enderle, tendo em vista ser todo o texto rico em destaques, o que me levaria a repetir incontáveis citações. De forma análoga, a própria Crítica é igualmente permeada de um sem número de teses, razão pela qual optei por enumerar alguns pontos considerados, por mim, como relevantes na leitura do segundo texto em questão:<br />
1. Divisor de águas na obra marxiana, a Crítica marca a transição da fase juvenil para a fase adulta de Marx; é a consolidação dos pressupostos que irão nortear a produção do seu pensamento até a sua maturidade;<br />
2. Marx repensa o papel da teoria crítica, estabelecendo que esta não se completa apenas no campo teórico da filosofia da religião e da ciência, mas tem um indispensável campo prático na política;<br />
3. Por um lado, visava ir além do trabalho teórico da crítica da religião de Feuerbach; por outro, visava superar os fundamentos estabelecidos por Hegel para o Estado alemão;<br />
4. Hegel elaborou uma teoria que se tornou a ideologia dominante na Alemanha da primeira metade do século XIX, tornando-a a doutrina oficial do Estado prussiano; este Estado era retrógrado, conservador e atrasado;<br />
5. A crítica construída por Marx não visava só a Hegel, mas também aos seus críticos, afirmando que uma crítica realmente útil não pode se situar somente no plano do discurso, mas transformar-se na prática, atingindo as massas e se confirmando como força social capaz de subverter a estrutura vigente;<br />
6. Marx afirma que a filosofia alemã de até então comete o erro de “descer do céu para a terra”, ou seja, privilegia a análise daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam para a partir daí compreender o homem de carne e osso.<br />
f) CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA (pontos mais importantes)<br />
<br />
1. As relações jurídicas (...) não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo contrário nas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende o conjunto pela designação de sociedade civil; por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política (Obs.: neste parágrafo, Marx mostrará o que a ruptura com a concepção hegeliana do Estado representará para o desenvolvimento do seu pensamento).<br />
2. Na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social.<br />
3. Assim como não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si.<br />
4. Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter.<br />
5. A humanidade só levanta os problemas que ela é capaz de resolver.<br />
6. Os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos.<br />
<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁTICA:<br />
MARX, Karl. Prefácio à Crítica da Economia Política. Tradução de Maurice Husson.<br />
g) HISTÓRIA ESSENCIAL DA FILOSOFIA<br />
<br />
Paulo Ghiraldelli Jr.<br />
Volume 4<br />
Resumos<br />
<br />
Introdução<br />
1. A história nada é senão o espírito se desenvolvendo e chegando a graus de reconhecimento de si mesmo.<br />
2. Em filósofos como Hegel, a história é logicizada e a lógica é historicizada.<br />
Razão Iluminista e Razão Romântica<br />
1. O Iluminismo assumiu a razão como um elemento finito.<br />
2. O que se opõe ao noumenon é o phenomenon, o que aparece, o que é por meio dos sentidos (primeira nota de rodapé).<br />
3. Hegel avaliou que o sujeito kantiano carecia de uma imersão na história. [Para Hegel], teria faltado a Kant a percepção de que a maquinaria do sujeito não funciona como uma fábrica em que a matéria-prima entra, é moldada e, então, sai para a venda já empacotada como conhecimento.<br />
Hegel e o “mundo arrumado”<br />
1. Hegel escreveu um dos mais importantes livros de filosofia de todos os tempos: A Fenomenologia do Espírito. Na Fenomenologia, o termo sujeito, ou o eu, é tratado de uma maneira técnica específica, como consciência – e isso deve estar presente para se compreender Hegel.<br />
2. O absoluto está no final do processo. Uma vez atingido, não haverá nenhuma necessidade de se ir adiante. A Fenomenologia do espírito expõe o caminho para o Absoluto.<br />
3. A “dialética do senhor e do escravo” termina em frustração porque o senhor, ao fazer o escravo seu objeto, parece perder o que precisa para continuar a se afirmar.<br />
4. Hegel não vê a liberdade como a possibilidade de se fazer o que se quer. A liberdade é a liberdade da consciência, do espírito. E o espírito é mais livre à medida que ganha alto grau de conhecimento de si mesmo, tendo atravessado as suas figuras, ou seja, todos os seus estágios de consciência-de-si.<br />
5. Para o espírito, que nada é senão o pensamento, a maior liberdade é a liberdade de amplitude de pensamento.<br />
6. O dualismo entre matéria e espírito é uma ilusão. Só há o espiritual como substancia do mundo.<br />
7. O que atrapalha os seres humanos individuais é eles não se darem conta de que seus espíritos individuais e particulares compartilham de uma razão universal, comum a todos.<br />
8. Tudo é da ordem do espírito à medida que tudo é real e racional ao mesmo tempo.<br />
9. O pássaro mascote da deusa grega Athena (Minerava, para os romanos), a coruja, é tomada por Hegel como sendo a filosofia, na bela frase “a coruja de Minerva só levanta vôo ao entardecer”. O que ele quer dizer é [que] só depois que toda a história se desenvolve, quando o espírito se reconhece como sendo ele próprio o mundo, é que é possível para a filosofia aparecer.<br />
10. A filosofia é a mais alta forma de descrição que o espírito tem para expor a consciência de si mesmo.<br />
Marx e Schopenhauer<br />
1. Schopenhauer (1788-1860) e Marx (1818-1883) criaram suas filosofias no interior de um período em que havia bastante espaço para desconfiar do otimismo de Hegel. Marx foi mais que um leitor de Hegel, ele foi efetivamente um hegeliano. <br />
2. Marx foi um filósofo altamente capaz de propor uma revisão séria de Hegel, dando ao nome dessa revisão o termo “inversão”. Em vez de confiar no espírito como responsável pelo mundo, buscou encontrar um equivalente materialista para tal entidade, e o que Marx apontou como caracterizando cada grande época da história foram os modos de produção. Ele quis ver a história a partir da relação do homem com a necessidade de organizar o trabalho.<br />
3. Schopenhauer escolheu um princípio propulsor diferente, talvez até mesmo oposto: a vontade.<br />
4. Para Marx, a filosofia seria apenas uma manifestação mental dos homens.<br />
5. Schopenhauer destronou a razão e, colocando no seu lugar a vontade, tirou da história hegeliana suas justificativas.<br />
6. Marx foi a resposta otimista a Hegel. Schopenhauer foi a resposta pessimista. Marx viu os modos de produção se substituindo segundo um trajeto que não desmentia a história de Hegel.<br />
7. Schopenhauer e Marx tiveram uma atitude em comum: ambos quiseram encontrar uma condição de celebração da vida ética. Marx acreditou que, para se ter uma vida ética, seria necessário eliminar da visa social o que ele chamou de ideologia (falsa consciência).<br />
Vontade e corpo<br />
1. Uma das principais transformações que [Schopenhauer] fez foi a de tratar os fenômenos como representações do sujeito, e tomar a coisa em si como um elemento metafísico determinado: a Vontade.<br />
2. Em O mundo como vontade e representação, Schopenhauer assume que os fenômenos são dados ao sujeito por meio de sua atividade de representação.<br />
3. O em si é a vontade. A essência do que é representado, do que é o fenômeno, é a vontade. O homem não pode fazer a vontade que, enfim, é a substância do mundo, deixar de agir.<br />
Marx e a Ideologia<br />
1. Marx trouxe para a filosofia uma versão transformada da teoria dos Ídolos de Bacon e da “ilusão necessária” das idéias da razão de Kant. Não inventou a palavra ideologia, mas criou sua noção moderna.<br />
2. No capitalismo, o homem é alienado do problema do seu trabalho, e isso o afasta de si mesmo e dos outros homens à medida que seu corpo, seu espírito, seus colegas lhe são afastados.<br />
3. A relação entre os homens produtores é nada mais nada menos que uma relação social entre produtores.<br />
4. Fetichismo da mercadoria quer dizer, em outras palavras, que cada produto do trabalho humano é fetichizado, ganha vida e se põe diante do seu produtor. É o exemplo mais universal e simples pelo qual o capitalismo esconde as relações sociais.<br />
5. Á medida que o capitalismo cria tecnologias que ampliam a segmentação da produção, mais e mais cada homem se desconecta do que faz na vida cotidiana. Ele não se reconhece como um trabalhador que produz algo. A mercadoria adquire identidade e cria-se uma ilusão necessária, ou seja, uma ideologia.<br />
6. No capitalismo, o trabalho e as relações entre produtores, produtos e demais elementos são escamoteados. Este é o centro da ideologia capitalista, da falsa consciência, criada no capitalismo a respeito de como ele se dá e se transforma.<br />
7. Marx vê a alienação como uma moeda que tem em uma face o fetichismo da mercadoria e na outra a reificação [coisificação] do trabalhador. Em certa medida, é a isto que Marx chama de ideologia: uma ilusão necessária. Trata-se de uma ilusão necessária que não é produto da própria razão enquanto elemento da mente humana, mas uma ilusão inerente à estrutura da realidade enquanto essa realidade é das relações capitalistas de produção.<br />
A filosofia da história<br />
1. Charles Darwin derrubou o muro entre os bípedes sem penas e os seres brutos, unindo todos os habitantes da Terra em uma só família, para além do que o Evangelho judaico-cristão havia feito.<br />
2. Marx interpretou a história para poder esboçar uma teoria das revoluções e explicar as possibilidades de êxito político de forças sociais de seu tempo.<br />
3. Comte estabeleceu uma filosofia da história que tinha como objetivo claro substituir a própria história.<br />
4. Marx explicou sua filosofia da história no célebre Introdução à crítica da economia política, de 1859.<br />
5. Neste livro, Marx divide a vida social em duas instâncias, que ele chama de estrutura e superestrutura. Na primeira, ele coloca as forças produtivas, que são a terra, as máquinas, as indústrias, a ciência e a tecnologia. A segunda, ele reserva para as relações de produção, que são as leis, as instituições políticas, a religião e as doutrinas várias sobre diversos assuntos, inclusive a filosofia.<br />
6. Marx elaborou uma filosofia da história bastante dependente do modelo gerado pelas convulsões modernas, as chamadas revoluções burguesas. Esse movimento ele descreveu por meio da metáfora da toupeira. A revolução é a toupeira que cava às escondidas e bota seu focinho para fora no lugar em que se menos espera.<br />
7. Nietzsche explicou sua filosofia da história em vários de seus livros e, de um modo mais organizado, no Genealogia da moral, de 1887. Para ele, o fio condutor da dinâmica histórica é o desenvolvimento do niilismo, ou seja, o continuo descrédito de todos os valores (ver pg. 44).<br />
8. Em Auguste Comte, sua filosofia da história é claramente antropológica. Sua visão ficou conhecida como lei dos três estados. Segundo ele, a humanidade passa por três estados: a fase teológica, a metafísica e a científica. A garantia do futuro sem crise era o seu objetivo máximo.<br />
Nietzsche e o fim da filosofia moderna<br />
1. Indo ao berço da civilização ocidental, Nietzsche não poderia encontrar outros que não os gregos. Ele os investigou com cuidado e anunciou os resultados dessa pesquisa como a sua grande descoberta. Estava ali, na cultura grega, a fenda da qual teria brotado o odor horrível de toda a cultura da decadência.<br />
2. Nietzsche não demorou em perceber que se ele quisesse entender a decadência representada pelo homem moderno e, de certa forma, por ele próprio, ele teria necessariamente de compreender Sócrates. O “pai da filosofia” parecia ser o grande sintoma dessa doença que acometeu a Grécia.<br />
3. Sócrates priorizou a investigação moral, desarticulou-a do plano cósmico e a amarrou ao que veio a ser conhecido como a sua marca, o intelectualismo. O que passou para a história como o intelectualismo socrático dizia que as ações que vemos como causadas por uma “fraqueza da vontade” não seriam frutos de outra coisa senão de opções conscientes.<br />
4. Na avaliação de Nietzsche, Sócrates era ladino e se aproveitou do gosto dos gregos pelos jogos, nas praças esportivas e ginásios, e ali seduzia os incautos. Sócrates era adepto da autopenitência, chegando a festejar a hora da sua morte. E todos os que o seguiram no Ocidente continuaram esse percurso de confiança na razão e de ódio aos instintos e à vida, portanto, de cultivo da doença e do cansaço da vida.<br />
5. Nietzsche viu a busca pela verdade como a perversão do Ocidente. Seu propósito era a destruição do maior legado de Platão ao Ocidente: a metafísica. Sufocar o socrático Descartes e o não menos socrático Kant sob os escombros do sujeito era tudo que Nietzsche mais queria.<br />
6. Nietzsche tomou a linguagem como seu objeto. A linguagem nada seria senão uma prática social.<br />
7. Para ele, os fracos inventaram a idéia de liberdade. Ao lado da idéia de liberdade, os fracos criaram também a idéia de justiça.<br />
8. Nietzsche diz que a própria linguagem contém os elementos necessários para colaborar com a tese do fraco. Ela, a linguagem, é dotada de sujeito, e imaginamos que a ação não pode ser desempenhada se não houver um ponto fixo no qual ela tem de estar agarrada; e esse ponto é o sujeito.<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA<br />
GHIRALDELLI Júnior, Paulo. História Essencial da Filosofia. – São Paulo : Universo dos Livros, 2010. – PP. 10-57.<br />
<br />
h) A IDEOLOGIA ALEMÃ<br />
<br />
Prefácio: Marcelo Backes<br />
<br />
As onze “Teses sobre Feuerbach” são parte fundamental da crítica de Marx a Feuerbach. Respaldado pelo combate à religião oficial levado a cabo por Feuerbach nas obras A essência do cristianismo (1841) e Fundamentos para a filosofia do futuro (1843), que já tocavam o regime político vigente de viés e defendiam abertamente o ateísmo adotando uma postura materialista, Marx pôde dar o passo decisivo adiante, indo bem além do “humanismo naturista” de Feuerbach, denunciando que o “homem natural é o conceito abstrato de Feuerbach, o pedestal sobre o qual este constrói seu idealismo.<br />
Em A ideologia alemã os autores criticam Feuerbach pelo fato de este não conseguir ver as raízes societárias da consciência religiosa e se limitar a uma antropologia que não é capaz de entender a “essência humana” como o “conjunto das relações sociais”.<br />
Feuerbach observa o mundo em sua imutabilidade sem buscar transformá-lo, conforme fica claro na 11ª tese de Marx. Grosso modo, a síntese entre o idealismo hegeliano e o materialismo feuerbachiano dá a dialética materialista de Marx e Engels.<br />
Vale ressaltar que havia autores que já questionavam tangencialmente tudo aquilo que Marx e Engels viriam a caracterizar com o nome de ideologia alemã, como exemplo citamos Georg Christoph Lichtenberg, que por volta de 1770 escrevera em um de seus aforismos: “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, quer dizer, provavelmente o homem tenha criado Deus à sua imagem e semelhança”. Em outro aforismo, espécie de variação do anterior, Lichtenberg ataca o misticismo filosófico em palavras que poderiam vir da crítica dura de Marx: “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, diz a Bíblia; ao filósofos fazem exatamente o contrário, eles criam deus à sua imagem e semelhança”.<br />
É característica de A ideologia alemã a estratégia de aniquilar a argumentação alheia repetindo as palavras que ela mesma usou. Em suma, A ideologia alemã combate o primado da ilusão metafísica sobre a realidade física, do mundo das idéias sobre o mundo concreto. Ela postula a unidade entre teoria e práxis e trabalha no sentido de dar caráter mundano – isto em terreno – à filosofia, e não apenas caráter filosófico ao mundo.<br />
O objetivo de Marx e Ejngels é mostrar que o trânsito material – as relações materiais -, s sobretudo as relações entre os homens no processo de produção, são a base de todas as outras relações humanas.<br />
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Prólogo<br />
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A nova filosofia dos jovens hegelianos é recebida na Alemanha não apenas com horror e reverência, mas propagada também pelos heróis filósofos com a consciência festiva do perigo capaz de derrubar o mundo e da desconsideração mais criminosa.<br />
Hegel representou a completude do idealismo positivo.<br />
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Capítulo I – Feuerbach<br />
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Conforme anunciam os ideólogos alemães, a Alemanha passou por uma transformação sem igual nos últimos anos. Foi uma revolução comparada à qual a Francesa foi um brinquedo de crianças.<br />
Feuerbach é o único que pelo menos fez um progresso e cujas considerações podem ser abordadas de boa fé.<br />
Marx demonstrava grande importância à história, como podemos deduzir de suas palavras: “enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos homens se condicionam mutuamente.<br />
A crítica alemã cresceu sobre o chão de um único e determinado sistema filosófico, o hegeliano. Toda a crítica filosófica alemã se limita à crítica das noções religiosas. O império da religião foi estabelecido na condição de pressuposto.<br />
Os jovens hegelianos são os maiores conservadores.<br />
O primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos. Eles mesmos começam a si diferenciar dos animais quando começam a produzir seus víveres.<br />
As relações entre diferentes nações dependem de como cada uma delas desenvolveu suas forças de produção, a divisão do trabalho e o intercâmbio interno.<br />
A primeira forma de propriedade é a propriedade tribal; a segunda, a propriedade estatal ou comunitária (entre os povos bárbaros conquistadores a própria guerra é uma forma de intercâmbio. Na Itália, devido à concentração de terras e à transformação das mesmas em pastagens de gado, a população livre quase havia desaparecido, os próprios escravos voltavam a morrer sempre de novo e tinham de ser substituídos por outros); a terceira forma é a propriedade feudal ou estamental (a propriedade feudal, assim como a propriedade comunitária e tribal, mais uma vez se baseia em uma essência comunitária à qual não mais se confrontam os escravos, como no caso da antiga, mas sim os pequenos camponeses servis na condição de classe imediatamente produtora).<br />
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i) FRIEDRICH NIETZSCHE<br />
Por Will Durant<br />
Resumo<br />
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Darwin completou inconscientemente o trabalho dos enciclopedistas: eles haviam retirado a base teológica da moral moderna. Nesta batalha que chamamos de vida, precisamos não de bondade, mas de força, não de humildade, mas de orgulho, não de altruísmo, mas de uma inteligência resoluta; que igualdade e democracia são contrárias à natureza da seleção e da sobrevivência; que os gênios, e não as massas, são o objetivo da evolução; que o poder, e não a “justiça”, é o árbitro de todas as diferenças e de todos os destinos. – Era o que Friedrich Nietzsche achava.<br />
O crescente vigor militar e industrial daquela nova Alemanha precisava de uma voz; o arbitramento da guerra precisava de uma filosofia para justificá-la. O cristianismo não iria justificá-la mas o darwinismo poderia fazê-lo. Com um pouco de audácia, a coisa poderia ser feita.<br />
Nietzsche tinha essa audácia, e tornou-se a voz.<br />
Em sua juventude, Nietzsche ficou piedoso e puritano, casto como uma estátua, até o fim: daí o seu ataque ao puritanismo e à piedade. <br />
A morte precoce do pai deixou-o vítima das santas mulheres da casa, que o mimaram até quase incutirem nele a delicadeza e a sensibilidade feminina. Seus colegas de escola o chamavam de “o pequeno ministro”.<br />
“Aquilo que eu não sou é, para mim, Deus e virtude”, disse.<br />
De seus livros, “talvez o melhor deles, a título de uma introdução ao próprio Nietzsche, seja Além do Bem e do Mal, disse Will Durant em nota de rodapé.<br />
Em pouco tempo o vinho, as mulheres e o fumo despertaram sua repugnância; reagiu com grande desprezo por toda a biergemütlichkeit de seu país e de sua época; quem bebesse cerveja e fumasse cachimbo era incapaz de uma percepção nítida ou de um pensamento sutil. “A mulher foi criada de uma costela do homem? – maravilhosa é a pobreza de minhas costelas!”.<br />
Em 1870, Alemanha e França estavam em guerra.<br />
Em Frankfurt, a caminho da frente de batalha, ele viu uma tropa de cavalaria passando com um magnífico tropel e exibição pela cidade; naquele exato momento, diz ele, veio a percepção, a visão da qual nasceria toda a sua filosofia. “Senti, pela primeira vez, que a mais forte e mais nobre Vontade de Viver não encontra expressão em uma miserável luta pela existência, mas numa Vontade de Guerra, uma Vontade de Poder, uma Vontade de Dominar”.<br />
Em 1872, Nietzsche voltou a Basiléia, ainda fisicamente fraco, mas com um espírito ardendo de ambição e sem disposição para se desgastar na enfadonha tarefa de lecionar.<br />
Duas de suas idéias características: a de que a moralidade, bem como a teologia, deveria ser reconstruída em termos da teoria da evolução; e que a função da vida é provocar “não a melhoria da maioria, que, examinada em termos individuais, mostra ser composta pelos mais inúteis dos tipos”, mas “a criação do gênio”, o desenvolvimento e a elevação de personalidades superiores.<br />
Parsifal? Seria uma exaltação ao cristianismo, à piedade, ao amor espiritual, e a um mundo redimido por um “puro louco”, “o louco em Cristo”. Nietzsche afastou-se sem dizer palavra, e dali em diante nunca mais falou com Wagner. “É-me impossível reconhecer grandeza que não esteja unida a franqueza e sinceridade para consigo mesmo. No momento em que faço uma descoberta dessas, as realizações de um homem não valem absolutamente nada para mim”. Ele preferia Siegfried , o rebelde, a Parsifal , o santo, e não perdoava Wagner por passar a ver no cristianismo um valor moral e uma beleza compensando, de muito, seus defeitos teológicos. Em O Caso de Wagner, desfere golpes a torto e a direito, com uma fúria neurótica: “Richard Wagner (...), um romântico decrépito e desesperado, desabou subitamente diante da Santa Cruz”.<br />
“Prometa”, disse ele à irmã, “que quando eu morrer, só meus amigos ficarão junto ao meu caixão, e não haverá uma multidão curiosa. Providencie para que nenhum padre ou qualquer outra pessoa fale falsidades à beira do meu túmulo, quando já não poderei me proteger; e deixe-me baixar à minha sepultura como um pagão honesto.”<br />
“Ó grande estrela! Qual seria a tua felicidade, não fosse ela destinada àqueles para quem brilhas? (...) Vê! Estou cansado de minha sabedoria, como a abelha que coletou mel demais; preciso de mãos se estendendo para ela”. E assim ele escreveu Assim Falou Zaratustra (1883) e terminou-o naquele “abençoado momento em que Richard Wagner morria em Veneza”. Foi a sua magnífica resposta a Parsifal; mas o criador de Parsifal estava morto.<br />
Zaratustra foi sua obra prima, e ele sabia disso. “Esta obra não tem igual”, escreveu mais tarde sobre ela. Entretanto, o editor recusou-se a imprimir a última parte, achava que não valia um tostão furado; assim, o autor teve de pagar a edição do próprio bolso. Foram vendidos quarenta exemplares do livro; sete foram dados de presente; só uma pessoa agradeceu; ninguém o elogiou. Nunca houve um homem tão só.<br />
“Se houvesse Deuses, como poderia eu suportar não ser um Deus? Em conseqüência não há Deuses. Quem é mais ímpio do que eu, para que eu possa me deleitar com os seus pensamentos?”, escreveu em Zaratustra. Ainda em Zaratustra: “O que há de grandioso no homem é que ele é uma ponte, e não um objetivo: o que pode ser amado no homem é o fato de ele ser uma transição e uma destruição. Zaratustra se tornou, para Nietzsche, um Evangelho sobre o qual seus livros posteriores eram meramente comentários.<br />
Gostava de escrever em meio aos pombos que se reúnem em grande número em torno dos leões de São Marcos – “esta Piazza San Marco é a minha melhor sala de trabalho”, dizia.<br />
Foi a eloqüência dos profetas, de Amós a Jesus, que fez da visão de uma classe submissa uma ética quase universal; o “mundo” e a “carne” tornaram-se sinônimos do mal, e a pobreza uma prova de virtude. Essa avaliação foi levada ao paroxismo por Jesus: para ele, todo homem tinha o mesmo valor e também direitos iguais; dessa doutrina vieram a democracia, o utilitarismo e o socialismo; o progresso era, agora, definido em termos dessas filosofias plebéias, em termos de progressivas igualização e vulgarização, em termos de decadência e vida declinante (A.B.M.).<br />
Por trás de toda essa “moralidade” está uma vontade secreta de poder. Até no amor à verdade existe o desejo de possuí-la. A humildade é a coloração protetora da vontade do poder.<br />
Do Nietzsche psicólogo, temos: “A maior parte de nossa atividade intelectual acontece inconscientemente, sem ser percebida por nós; (...) o pensamento consciente (...) é o mais fraco. <br />
Dizia: “Toda a moralidade da Europa está baseada nos valores que são úteis ao rebanho”. Os grandes indivíduos só aparecem em épocas de perigo, violência e implacável necessidade.<br />
Uma filosofia é verdadeira ou falsa, dependendo de ser uma expressão e uma exaltação da vida em ascensão ou descenso.”A meta”, dizia, “não é a Humanidade, mas o super-homem”. Em Vontade de Potência escreveu: “Para que servem as máquinas, então, se todos os indivíduos só servem para mantê-las?”<br />
Ao homem não deveria ser permitido amar e ser sábio ao mesmo tempo. Deveríamos, portanto, declarar nulos os votos dos amantes e tornar o amor um impedimento legal para o casamento. Os melhores só deveriam casar-se com os melhores; o amor deveria ficar para a ralé. O propósito do casamento não é apenas a reprodução; deveria ser, também, desenvolvimento. Em Zaratustra escreveu: “Casamento: assim eu chamo a vontade de duas pessoas criarem aquele que é mais do que os que o criaram”.<br />
Para Nietzsche, o caminho para o super-homem deverá passar pela aristocracia. A democracia - “essa mania de contar narizes” – deve ser erradicada antes que seja tarde demais. O triunfo de Cristo foi o começo da democracia; “o primeiro cristão era, em seus instintos mais profundos, um rebelde contra tudo aquilo que era, em seus instintos mais profundos, um rebelde contra tudo aquilo que fosse privilegiado; viveu e lutou incansavelmente por “direitos iguais”; hoje em dia, ele teria sido mandado para a Sibéria”. Democracia significa deriva, a veneração da mediocridade e o ódio à excelência.<br />
O problema da Alemanha é uma teimosia mental que paga pela sua solidez de caráter; falta à Alemanha as longas tradições de cultura que fizeram dos franceses o mais refinado e sutil de todos os povos da Europa.<br />
Para Nietzsche, socialismo é inveja: “eles querem algo que nós temos”, escreveu. Achava que o escravo só é nobre quando se revolta. Seja como for, o escravo é mais nobre do que seus senhores modernos – a burguesia. É um sinal de inferioridade da cultura do século XIX o fato de o homem de dinheiro ser objeto de tanta adoração e inveja. “Só o homem de intelecto deveria ter propriedades. Olhem para “a loucura atual das nações, que desejam acima de tudo produzir o máximo possível e ser tão ricas quanto possível”. “Hoje em dia, a moralidade mercantil não passa, na realidade, de um refinamento da moralidade pirata - comprar no mercado mais barato de todos e vender no mercado mais caro de todos.”<br />
Em O Anticristo escreveu que sempre e em toda parte, alguns serão líderes, e outros, seguidores; a maioria será compelida, e estará feliz, a trabalhar sob a direção intelectual de homens superiores. Disse que “mandar é mais difícil do que obedecer.” E que a sociedade ideal seria dividida em três classes: produtores, funcionários públicos e governantes.<br />
Ainda no que se refere à aristocracia, dizia que nada pode contaminar e enfraquecer tanto uma aristocracia quando o casamento com novos-ricos. Todo nascimento é o veredicto da natureza em relação a um casamento; e o homem perfeito só chega depois de gerações de seleção e preparação; “os ancestrais de um homem pagaram o preço daquilo que ele é.”<br />
Em Ecce Homo escreveu que “aquele que souber respirar no ar de meus escritos estará consciente de que se trata do ar das alturas, que é estimulante. O homem deve ser feito para ele; caso contrário, é provável que o mate.”<br />
De todos os livros de Nietzsche, Zaratustra é o mais protegido contra a crítica, em parte por ser obscuro, e em parte porque seus inexpugnáveis méritos reduzem o valor de qualquer defeito encontrado.<br />
Quanto ao sistema ético de Além do Bem e do Mal, disse que a maioria dos códigos morais é imposta de cima, e não de baixo. E a massa elogia e condena pela imitação do prestígio.<br />
Nietzsche não reconhece o lugar e o valor dos instintos sociais. Repelido em sua busca do amor, ele se voltou contra a mulher com uma amargura indigna de um filósofo e anormal em um homem. Entretanto, mais verdadeiras em relação a ele do que ao Jesus ao qual ele as dirigiu, são as seguintes palavras suas: “Ele morreu cedo demais; ele próprio teria revogado a sua doutrina se tivesse atingido uma idade mais madura; nobre bastante para revogar, ele era.” <br />
Por fim, Nietzsche tem sido refutado por todo aspirante à respeitabilidade; e, no entanto, permanece como um marco no pensamento moderno e um pico de montanha na prosa alemã. Não há dúvida de foi culpado de um pequeno exagero quando predisse que o futuro iria dividir o passado em “Antes de Nietzsche” e “Depois de Nietzsche”, mas conseguiu realmente fazer um saudável levantamento crítico de instituições e opiniões que durante séculos tinham sido considerados como perfeitamente naturais. (...) Abriu uma nova vista para o drama e a filosofia gregas; mostrou as sementes da decadência romântica na música de Wagner; analisou a nossa natureza humana com uma sutileza tão afiada quanto o bisturi de um cirurgião; desnudou certas raízes ocultas da moralidade como nenhum outro pensador moderno havia feito, embora, naturalmente, os pontos essenciais da ética de Nietzsche se encontrem em Platão, Maquiavel, Hobbes, La Rochefoucauld e até mesmo no Vautrin de O Pai Gaiot, de Balzac; introduziu no domínio da ética um valor até então praticamente desconhecido – ou seja, a aristocracia; forçou uma reflexão honesta sobre as implicações éticas do darwinismo; escreveu o maior poema em prosa da literatura de seu século e, acima de tudo, concebeu o homem como algo que o homem deve ultrapassar.<br />
“Talvez eu saiba, melhor do que ninguém, por que o homem é o único animal que ri: ele, e só ele, sofre de uma maneira tão excruciante, que foi obrigado a inventar o riso”, escreveu em A Vontade do Poder. A doença e uma crescente cegueira foram o lado fisiológico de seu colapso. Ele começou a dar lugar a paranóicas manias de grandeza e perseguição. <br />
Morreu em 1900. Raramente um homem pagou um preço tão alto pelo gênio.<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: <br />
DURANT, Will. A História da Filosofia. Capítulo IX. In: Friedrich Nietzsche. Coleção Os Pensadores. Editora Nova Cultural. – São Paulo, 1996. Pp-371-410.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-37685064002136761032010-01-05T15:21:00.005-03:002010-01-08T10:02:41.393-03:00Filosofia Antiga<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8FmgVoabRTvr5sebJapwXpuTCf96HRyhxn7QQONpFhMaVLictb42IUZcdSjOLA0ULsE8C4ci40ANi4Kr7FSgjRt7SQeO3ham7zy0pS0tdJapHVRae8T8ST5ZHgnKduJlKmPNJazhzS-Qi/s1600-h/HERACLITO.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 113px; height: 137px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8FmgVoabRTvr5sebJapwXpuTCf96HRyhxn7QQONpFhMaVLictb42IUZcdSjOLA0ULsE8C4ci40ANi4Kr7FSgjRt7SQeO3ham7zy0pS0tdJapHVRae8T8ST5ZHgnKduJlKmPNJazhzS-Qi/s200/HERACLITO.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424327860533448370" /></a><br /> <br />IMAGENS DO FLUXO HERACLÍTICO NA LITERATURA<br /><br />Rinaldo de França Lima<br /><br />“Eu vejo o futuro repetir o passado.<br />Eu vejo um museu de grandes novidades.<br />O tempo não pára”.<br />(Cazuza )<br /><br /><br />Resumo: A partir do fragmento “Não se pode pisar duas vezes nos mesmos rios, pois as águas novas estão sempre fluindo sobre ti”, discorrer apresentação que contemple, de forma abrangente, o pensamento de Heráclito de Éfeso, no que se refere à sua doutrina de que tudo se acha num estado fluente. A apresentação deverá ser encerrada com ilustrações extraídas da literatura, seja portuguesa, brasileira ou estrangeira. Os textos podem ser em prosa ou verso, desde que correlacionados ao assunto enfocado.<br /><br />Antes de nos aprofundarmos mais amiúde sobre o gênio de Heráclito, lembremos que entre Pitágoras e Heráclito houve um outro filósofo de menor importância: Xenófanes. Jônio, Xenófanes viveu a maior parte de sua vida no sul da Itália. Acreditava que todas as coisas são feitas de terra e água. Para ele, “Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que é vergonhoso e infortunado entre os mortais: roubos, adultérios e falsidades... Os mortais julgam que os deuses são gerados como eles próprios, usam roupas e têm voz e formas como as deles... Se os bois, cavalos e leões tivessem mãos, e produzissem obras de arte como os homens, os cavalos pintariam os seus deuses com formas de cavalo, os bois com formas de boi, formando os seus corpos à imagem dos da sua própria espécie. Os etíopes fazem os seus deuses negros e de nariz chato; os deuses dos trácios têm olhos azuis e cabelos ruivos” (RUSSEL, 1967, p, 17). Xenófanes zombava da doutrina pitagórica da transmigração: “Afirmam que, certa vez, ele (Pitágoras) estava passando por um lugar onde alguém maltratava um cão. Ele teria tentado interromper a cena dizendo: “Pára, não lhe batas! É a alma de um amigo! Reconheci-o logo que lhe ouvi a voz”. Xenófanes, como pensador independente não é de primeira plana”. (RUSSEL, idem, p. 48).<br />O primeiro a inventar uma teoria que ainda exerce influência foi Heráclito, que floresceu cerca do ano 500 a.C. Era cidadão aristocrata de Éfeso. Sua doutrina repousava na máxima: Tudo se acha num estado fluente. Considerava o fogo como substância fundamental. Segundo Russel, “não parece ter sido uma criatura de caráter amável (...) Era desdenhoso, o oposto de um democrata”. Dissera certa feita que “fariam bem os efésios se se enforcassem, deixando a cidade para os rapazes imberbes”. Acreditava que “A guerra é o pai de tudo e o rei de todas as coisas; fez de certas criaturas deuses e de outros homens, umas, livres e, outras, escravas”. Heráclito aprecia o poder obtido mediante autodomínio, e despreza as paixões que distraem o homem de suas ambições centrais (RUSSEL, idem, p. 49).<br />Tinha outra doutrina, à qual se entregava mais do que à do fluxo perpétuo: era a teoria da mistura das coisas opostas. Dizia: “é o oposto que é bom para nós”. Russel cita: “Esta doutrina contém o gérmen da filosofia de Hegel, que procede mediante uma síntese de contrários. A metafísica de Heráclito, como a de Anaximandro, é dominada por uma concepção de justiça cósmica, que impede que a luta de opostos termine com a vitória completa de uma das partes”.<br />A doutrina de que tudo se acha num estado fluente é a mais famosa das opiniões de Heráclito e a que seus discípulos mais ressaltam, como se vê no Teeteto, de Platão. “Não se pode pisar duas vezes nos mesmos rios, pois as águas novas estão sempre fluindo sobre ti”. O que Heráclito quer dizer é que precisamos ver como a realidade se altera constantemente, como a água de um rio que se altera, como um vegetal qualquer que cresce e se desenvolve, e até o próprio homem, que cresce, e se desenvolve, se transforma, ou seja, sofre alterações a cada instante. Contudo, à medida que nos tornamos diferentes, mantemos a nossa identidade; embora sejamos diferentes, continuamos sempre sendo iguais. A cada instante um ente se altera, mais permanece o mesmo, porém esta alteração não é uma alteração onde surge um ente inteiramente novo, é o ente anterior modificado, é um novo ente, que possui como essência o ente anterior; exemplificando, um ser humano ao nascer não se tornará diferente quando envelhecer, será o mesmo ser humano, mas modificado, ou seja, velho. O que estamos tentando dizer é que toda identidade possui diferenças, por exemplo: jovem e velho, pequeno e grande, verde e maduro; são opostos que se completam em uma unidade, no uno, na identidade. Afirma-se então que cada diferença encontra a sua identidade de duas maneiras: 1ª – Em sua posição e afirmação do que ele é. 2ª – Pela diferença, pelo o que ele não é, ou seja, o seu oposto;<br />Neste ponto, escolhemos alguns excertos, extraídos de autores como Carl Rogers (Abordagem Centrada na Pessoa – ACP), Clarice Lispector (pequeno texto obtido a partir de sua obra Água Viva) e por último a letra da canção brasileira Como uma onda, de autoria do compositor e jornalista Nelson Mota, sucesso permanente na voz do cantor Lulu Santos.<br />Comecemos por Carl Rogers. Rogers fala de uma abertura à experiência, ao novo, ao imprevisível, ou no contexto do qual estamos falando, uma tentativa de criar o próximo acorde, sem saber muito bem os acordes seguintes, senão no momento em que estão acontecendo; portanto, quando se descobre o acorde, ele já é passado, pois quando se dá o instante-já, este “é” o instante-já; nós sempre chegamos atrasados com relação aos nossos sentimentos”. Para Rogers, “cada momento se daria como no fluxo heraclítico, como na velha metáfora em que se afirma que não se toma banho duas vezes no mesmo rio. Assim, se dão os instantes, pois estes, para este viver existencial, são sempre novos, sempre encarados e experimentados da maneira como se apresentam ao organismo, experimentados no aqui-e-agora (instante-já)”. (ROGERS, 1978, p.274).<br />Em Clarice Lispector, a personagem vivida em Água Viva passa por muitos momentos que a autora chama, também, de instantes-já, nos quais o momento é vivenciado no próprio instante em que acontece. O vivido é desdobrado no próprio momento em que acontece. Três momentos da obra de Clarice merecem destaque nesta apresentação. O primeiro: “Sim, esta é a vida vista pela vida. Mas de repente esqueço o como captar o que acontece, não sei como captar o que existe, senão vivendo aqui cada coisa que surgir e não importa o que: estou quase livre de meus erros. Deixo o cavalo livre correr fogoso. Eu, que troto nervosa e só a realidade delimita”. (LISPECTOR, 1973, p. 18). O segundo momento que destaco, diz o seguinte: “Meu tema é o instante! Meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes quando os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos, só me comprometo com a vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para” (LISPECTOR, idem, p. 10). Para encerrar Clarice, o fragmento mais belo: “Mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente o chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará num imediato que absorve o presente e torna-o passado. Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando está agora sendo transposto em escrita, o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante, quero ser seu fluxo” (LISPECTOR, idem, p.15).<br />Em ambos, Rogers e Clarice, percebemos que usam a mesma ferramenta, a metáfora. Clarice, através da arte e Rogers através da Psicologia, mas ambos a partir da vida.<br />Por fim, uma curta canção brasileira que mostra de forma poeticamente clara todo o fluxo do pensamento heraclítico. Grande sucesso na voz de Lulu Santos, a composição do Nelson Mota assim nos brinda:<br /><br />“Nada do que foi será<br />De novo do jeito que já foi um dia<br />Tudo passa<br />Tudo sempre passará<br />A vida vem em ondas<br />Como um mar<br />Num indo e vindo infinito<br />Tudo que se vê não é<br />Igual ao que a gente viu a um segundo<br />Tudo muda o tempo todo<br />No mundo<br />Não adianta fugir<br />Nem mentir pra si mesmo agora<br />Há tanta vida lá fora<br />Aqui dentro sempre<br />Como uma onda no mar “.<br /><br />Em resumo, para Heráclito tudo está em completo fluxo, isto é, num constante vir-a-ser, em movimento contínuo, o que nos leva a um questionamento: até que ponto a identidade humana é preservada? Heráclito nos diz: “Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente”. E para concluir este trabalho, cito Wellington Lima Amorim, graduado em Filosofia pela UFRJ: “O devir é que faz com que os opostos sejam subsumidos<a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4712399645730590753#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> numa mesma unidade, é a mudança que permitirá a dar limites aos opostos, para formar a unidade, logo o devir é a essência, ou seja, o princípio, o que permanece. (...) Hegel é influenciado pelo pensamento de Heráclito como ele próprio afirma em sua frase:” Não existe frase de Heráclito que eu não tenha usado em minha Lógica”.<br /><br /><br />BIBLIOGRAFIA<br /><br />RUSSEL, Bertrand. Obras Filosóficas, in Heráclito. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1967, pp. 45-55.<br /><br />FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. 3 ed. Curitiba. Editora Positivo, 2004.<br /><br />VIEIRA, Emanuel Meireles. Fotografias de Perfumes: Uma Compreensão Clariceana de Conceitos de Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers. <a href="http://rogeriana.com/meireles/perfumes.htm.%20Acesso%20em%2018/12/2007">http://rogeriana.com/meireles/perfumes.htm.%20Acesso%20em%2018/12/2007</a>.<br /><br />AMORIM, Wellington Lima. A influência de Parmênides e Heráclito na Lógica Hegeliana. <a href="http://www.dialetica-brasil.org/">http://www.dialetica-brasil.org/</a>. Acesso em 15/12/07.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4712399645730590753#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Subsumir: do lat. Sumere, “tomar, aceitar”. Em Filosofia, conceber um indivíduo como compreendido numa espécie (AURÉLIO).Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-50265586302754028182010-01-05T15:15:00.000-03:002010-01-05T15:16:01.090-03:00História da FilosofiaHISTÓRIA DA FILOSOFIA<br /><br />Will Durant<br /><br />Tópicos<br /><br /><br />1. INTRODUÇÃO<br /><br />Toda ciência começa como filosofia e acaba como arte; surge na hipótese e flui para a realização. Filosofia é uma interpretação hipotética do desconhecido.<br /><br />Filosofia significa e abrange cinco campos de estudo e discurso: a lógica, a estética, a ética, a política e a metafísica. Lógica é o estudo do método ideal de pensamento e pesquisa. Estética é o estudo da forma ideal, ou beleza; é a filosofia da arte. Ética é o estudo da conduta ideal; o mais elevado dos conhecimentos. Política é o estudo da organização social ideal. Metafísica é o estudo da “realidade máxima” de todas as coisas: da natureza real e final da “matéria” (ontologia), da “mente” (psicologia filosófica) e da inter-relação de “mente” e de “matéria” nos processos de percepção de conhecimento (epistemologia).<br /><br />O gênio ouve os sobretons e a música das esferas; o gênio sabe o que Pitágoras queria dizer quando declarou que a filosofia é a mais sublime das músicas.<br /><br />2. PLATÃO<br /><br />“Porque um homem livre deve ser livre também na aquisição do conhecimento. (...) O conhecimento que é adquirido sob coação não se fixa na mente. Por isso, não usem coação, mas deixem que a educação inicial seja mais uma espécie de diversão; isso lhes permitirá mais a descoberta da tendência natural da criança (536)”.<br /><br />“Pensar com clareza, que é metafísica; e governar com inteligência, que é política. (...) A nossa jovem Elite precisa aprender a pensar com clareza. Com essa finalidade, ele irá estudar a doutrina das Idéias”.<br />Para Platão, como para Bertrand Russel, a matemática é, portanto, o indispensável prelúdio à filosofia e à sua mais alta forma.<br /><br />A essência de uma educação mais elevada é a busca das Idéias.<br /><br />Temos de classificar e coordenar nossa experiência dos sentidos em termos de lei e de propósito; só pela falta disso é que a mente do imbecil difere da mente de César.<br /><br />Generalizações e abstrações de nada valem se não forem testadas por este mundo concreto.<br /><br />Por filosofia Platão entende uma cultura ativa, sabedoria que se mistura com a atividade concreta da vida; não entende um metafísico de gabinete e sem utilidade; Platão “é o homem que menos se assemelha a Kant, o que é (com todo respeito) um grande mérito”.<br /><br />Em resumo: a sociedade perfeita seria aquela em que cada classe e cada unidade estivesse fazendo o trabalho ao qual sua natureza e sua aptidão melhor se adaptassem; aquela em que nenhuma classe ou indivíduo iria interferir nos outros, mas todos iriam cooperar na diferença para produzir um todo eficiente e harmonioso (433-4). Este seria um Estado justo.<br /><br />“Justiça”, diz Platão, “é ter e fazer o que nos compete” (433).<br /><br />“...cada homem irá receber o equivalente àquilo que produz e irá exercer a função para a qual esteja mais bem preparado”.<br /><br />Justiça seria como aquela harmonia de relações graças à qual os planetas são mantidos unidos em seu movimento ordenado.<br /><br />“táxis Kai Kosmos” – uma ordem e a beleza.<br />A verdade muda de roupa com freqüência (...), mas sob o novo hábito continua sempre a mesma. (...) Todas as concepções morais giram em torno do bem geral.<br /><br />Moralidade, disse Jesus, é bondade para com os fracos; moralidade, disse Nietzsche, é a bravura dos fortes; moralidade, disse Platão, é a eficiente harmonia do todo”.<br /><br />Grande parte da política do catolicismo derivou das “mentiras reais” de Platão ou foi por elas influenciada: as idéias do céu, do purgatório e do inferno, em sua forma medieval, têm sua origem detectada no último livro de A República.<br /><br />Arruma os homens em classes como um entomologista classifica moscas; e não é contrário a usar embustes sacerdotais para assegurar os seus fins.<br /><br />3. ARISTÓTELES<br /><br />(...) Mas os dois (Platão e Aristóteles) eram gênios; e é notório que os gênios combinam entre si com a mesma harmonia com que a dinamite combina com o fogo.<br /><br />A sua metafísica surgiu de sua biologia.<br /><br />Matéria, em seu sentido mais amplo, é a possibilidade de forma.<br /><br />Entre várias causas que determinam um acontecimento, a causa final, que determina o propósito, é a mais decisiva e importante.<br /><br />Agente motor imóvel = primum móbile immotum.<br /><br />Enteléquia (Entelecheia) = tendo (echo) sua finalidade (telos) dentro (entos); um daqueles magníficos termos aristotélicos que reúnem em si mesmos toda uma filosofia.<br /><br />Aristóteles destrói a alma a fim de lhe dar a imortalidade.<br />Aristóteles começa reconhecendo francamente que o objetivo da vida não é a bondade pela bondade, mas a felicidade.<br /><br />A amizade é mais necessária aos felizes do que aos infelizes; porque a felicidade é multiplicada quando é compartilhada.<br /><br />Aristóteles combate o realismo de Platão em relação aos universais, e o seu idealismo quanto ao governo.<br /><br />“Desde a hora do nascimento, alguns são destinado à sujeição, e outros ao comando”.<br /><br />“O escravo é uma ferramenta dotada de vida; a ferramenta é um escravo inanimado”.<br /><br />“Se todo instrumento realizasse o seu trabalho, obedecendo ou antevendo a vontade dos outros (...), se a lançadeira tecesse, ou se o plectro tocasse a lira, sem mão a guiá-lo, os chefes não precisariam, com certeza, de assistentes, nem os mestres de escravos”.<br /><br />Através da fala, o homem desenvolveu a sociedade; através da sociedade, a inteligência; através da inteligência, a ordem; e através da ordem, a civilização. “Para viver sozinho”, diz Aristóteles, “é preciso ser um animal ou um deus” (Política, I, 2. “Ou”, acrescenta Nietzsche, que extrai quase toda a sua filosofia política de Aristóteles, “as duas coisas – isto é, filósofo.”<br /><br />O governante que quiser evitar uma revolução deve evitar extremos de pobreza e riqueza.<br /><br />“A dificuldade com a aristocracia hereditária está em que ela não tem base econômica permanente. (...) Onde a capacidade não ocupa o primeiro lugar, não existe a verdadeira aristocracia”.<br /><br />A democracia é, em geral, o resultado de uma revolução contra a plutocracia.<br />Tendo em vista que o povo é enganado com muita facilidade, e é muito volúvel quanto a seus pontos de vista, a eleição deveria ser limitada aos inteligentes. O que precisamos é de uma combinação de aristocracia e democracia.<br /><br />Ele acha que o silogismo é uma descrição da maneira de raciocinar dos homens. (...) Supõe que o pensamento começa com premissas e procura as conclusões dessas premissas, quando na verdade o pensamento começa com conclusões hipotéticas r procura as premissas que o justifiquem.<br /><br />(...) Como seríamos tolos a ponto de esquecer que dois mil anos apenas alteraram os pontos insignificantes da lógica de Aristóteles, que Occam, Bacon, Whewell, Mill e uma centena de outros só acharam manchas em seu sol e que a criação, por Aristóteles, dessa nova disciplina de pensamento e a sua firme criação das linhas essenciais dessa disciplina continuam entre as duradouras realizações da mente humana!<br /><br />A ética de Aristóteles é uma ramificação de sua lógica: a vida ideal é como um silogismo adequado.<br /><br />Ele se esquece que o comunismo de Platão destinava-se apenas à elite, a minoria altruísta e desprovida de ganância.<br /><br />Não percebe que o controle individual dos meios de produção só era estimulante e salutar quando esses meios eram tão simples que podiam ser adquiridos por qualquer homem.<br /><br />...E nos primeiros círculos do Inferno, diz Dante:<br />Vi, lá, o Mestre daqueles que sabem,<br />Em meio à família filosófica,<br />Por todos admirado e por todos reverenciado;<br />Lá vi também Platão, e Sócrates,<br />Mais perto dele do que os demais.<br />4. BACON<br /><br />O segredo da paz não é tornar nossas realizações iguais aos nossos desejos, mas baixar nossos desejos ao nível de nossas realizações. “Se o que você possui lhe parece insuficiente”, disse o estico Sêneca, “então, mesmo que você possua o mundo, ainda irá sentir-se infeliz”.<br /><br />Achava (...) que o conhecimento não aplicado em ação era uma pálida vaidade acadêmica.<br /><br />“A indagação da verdade, que é namorá-la ou cortejá-la; o conhecimento da verdade, que é o elogio a ela; e a crença na verdade, que é gozá-la, são o bem soberano das naturezas humanas”.<br /><br />“Certos livros são para serem provados, outros para serem engolidos, e alguns poucos para serem mastigados e digeridos”.<br /><br />“O dinheiro é como o esterco, só é bom se for espalhado”.<br /><br />Para ele, a ciência, por si só, não é suficiente: deve haver uma força e uma disciplina fora das ciências para coordená-las e dirigi-las para um objetivo.<br /><br />“O saber conquista ou alivia o medo da morte e de um destino adverso”.<br /><br />“A filosofia nos leva, primeiro, a procurar os bens do espírito; o resto será fornecido ou, então, dele não se sentirá muita necessidade”.<br /><br />Toda inteligência clara e honesta sabe que nenhuma causa pode ser sem causa, nem qualquer motor não movido. Talvez a maior reconstrução na filosofia devesse simplesmente pararmos de mentir.<br /><br />“Os homens não são animais eretos, mas deuses imortais”.<br /><br />Francis Bacon distingue três tipos de ambição da Humanidade. O primeiro é o daqueles que desejam estender seu poder em seu país natal; tipo este que é vulgar e degenerado. O segundo é o daqueles que trabalham para estender o poder de seu país e o seu domínio entre os homens; este tem, sem dúvida, mais dignidade, mas não menos ganância. Mas se um homem se esforça por estabelecer e ampliar o poder e o domínio da própria raça humana sobre o universo, sua ambição é, sem dúvida, uma coisa mais sadia e mais nobre do que as outras duas”.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-55253187381318095902010-01-05T12:46:00.003-03:002010-01-05T15:42:40.461-03:00ÉticaÉTICA A NOCÔMACOS<br />Livro I<br />Felicidade: o bem supremo<br /><br />Claramente a ética aristotélica é teleológica, ou seja, tem um fim. O termo vem do grego τέλος, fim. É o estudo dos fins últimos da <a title="Sociedade" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade">sociedade</a>, <a title="Humanidade" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Humanidade">humanidade</a> e <a title="Natureza" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Natureza">natureza</a>. Suas origens remontam a <a title="Aristóteles" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles">Aristóteles</a> com a sua noção de que as coisas servem a um propósito. Ou seja, o termo serve para indicar a parte da filosofia natural que explica o fim das coisas.<br /> Toda ação do homem é realizada com vistas a um fim. Se, pois, tais ações tendem a um fim, e este fim, por sua vez, deve ser um bem supremo, então, o fim último de todas as ações humanas é o bem. Para Aristóteles, esse bem supremo é a felicidade, para onde todas as coisas tendem. Analogicamente, é como um sistema de bacias nas quais pequenos rios, outros maiores convergem para um caudal maior para enfim desembocar num oceano. A felicidade é caracterizada, então, como um bem supremo por ser um bem em si mesmo. Logo, é em busca da felicidade que se justifica a boa ação humana. Todos os outros bens são, podemos assim dizer, os meios para atingir o bem maior que é a felicidade.<br />Logo no início do livro I da Ética a Nicômaco, Aristóteles nos diz que “toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem; por isso foi dito acertadamente (segundo nota do tradutor, provavelmente por Eudoxo) <a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=5525318738131809590#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> que o bem é aquilo a que todas as coisas visam” (cap. 1).<br />A passagem acima caracteriza a ética teleológica de Aristóteles. É natural, ou seja, faz parte da própria natureza humana direcionar todas as suas ações para uma finalidade, pois sempre que houver uma ação, obrigatoriamente haverá uma intenção última. E qual seria esta última intenção para a qual se dirige a ação humana? Na concepção teleológica de Aristóteles percebemos claramente que um bem maior é a finalidade de bens ulteriores, finais. Entretanto, deve haver um fim, ou seja, um fim último, um bem desejado por si só, como o próprio Aristóteles diz no capítulo 2, parágrafo primeiro: “Se há, então, para as ações que praticamos alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito), de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão, evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens.”<br />Aristóteles apresenta uma hierarquia de bens, na qual divide tais bens em relativos e intrínsecos ao homem. Os bens relativos seriam aqueles necessários para a vida diária, ou seja, os bens materiais, os prazeres da vida, etc., e mudam a todo instante, uma vez que sempre desejam outros e maiores. Por outro lado, os bens intrínsecos não visam outros porque são auto-suficientes, ou seja, os bens intrínsecos são bens supremos.<br />Para Aristóteles, a felicidade é um fim último. É, portanto, um bem supremo que todos desejam. Para ele, há uma diversidade de compreensão por parte dos homens acerca da natureza da felicidade. Para muitas pessoas, a felicidade está nos prazeres mais imediatos; para outras, nas riquezas. Sobre a felicidade há, também, divergências, ou seja, alguns a identificam com coisas diferentes, dependendo das circunstâncias, como bem expõe o filósofo no capítulo quatro, primeiro parágrafo: “A maioria pensa que se trata de algo simples e óbvio, como o prazer, a riqueza ou as honrarias; mas até as pessoas componentes da maioria divergem entre si, e muitas vezes a mesma pessoa identifica o bem com coisas diferentes, dependendo das circunstâncias – com a saúde, quando ela está doente, e com a riqueza quando empobrece.”<br />Para Aristóteles, esses bens – fortuna, prazeres imediatos, saúde, honrarias, etc., - são denominados de bens relativos. São apenas os pré-requisitos para se atingir a felicidade. São, portanto, meios para se chegar ao fim último, que é o bem supremo. Assim, esses bens não são negados em sua teoria, todavia são entendidos como necessários para o homem conseguir uma vida feliz. Sendo assim, poderíamos dizer com segurança que o ser humano que possui amigos, riqueza, família, casa, emprego, telefone celular, estudo, carro, saúde, TV de LCD, provavelmente terá boas condições para viver feliz. Sob essa perspectiva, Aristóteles, no capítulo 8, parágrafo último, assim esclarece: “Mas evidentemente, como já dissemos, a felicidade também requer bens exteriores, pois é impossível, ou na melhor das hipóteses não é fácil, praticar belas ações sem os instrumentos próprios. Em muitas ações usamos amigos e riquezas e poder político como instrumentos, e há certas coisas cuja falta empana a felicidade – boa estirpe, bons filhos, beleza – pois o homem de má aparência, ou mal nascido, ou só no mundo e sem filhos, tem poucas possibilidades de ser feliz, e tê-las-á ainda menores se seus filhos e amigos forem irremediavelmente maus ou se, tendo sido bons filhos e amigos, estes tiverem morrido. Como dissemos, então, a felicidade parece requerer o complemento desta ventura, e é por isso que algumas pessoas identificam a felicidade com a boa sorte, embora outras a identifiquem com a excelência.”<br />Prosseguindo em sua discussão, diz-nos o estagirita que o homem possui um elemento essencial, que o diferencia dos outros seres vivos. Aristóteles está falando da racionalidade. Para ele, somente o homem é constituído de razão, pois nenhum outro animal, ou vegetal, possui esta característica natural que lhe é imanente. Perguntamo-nos aqui em que consiste a racionalidade no pensamento de Aristóteles, e em que ela contribui para a felicidade humana. Todos concordam que a racionalidade é uma faculdade extremamente fundamental e central para a compreensão da felicidade, posto que é essa atividade racional que constitui a natureza da felicidade.<br />Dotado da razão, o homem carrega consigo toda a potencialidade de ser um homem virtuoso. Para Aristóteles, a virtude é uma faculdade da alma responsável pela ação do homem e é adquirida pelo hábito, pelo exercício constante. Em outras palavras, é agindo de forma virtuosa que o homem se torna virtuoso. É exercitando o hábito de escrever que se torna um bom escritor. Portanto, a virtude adquirida pelo hábito e aperfeiçoada pela razão é a excelência moral do homem e por ela se alcança a felicidade.<br />A pergunta inquietante da ética é: “Como podemos atingir a felicidade?”. Entretanto, para Aristóteles, a felicidade é um bem imanente e realizável pelo homem e para o homem. Desta forma, a felicidade é conseguida pelo homem quando as suas ações estão de acordo com a atividade racional.<br />Ficou dito linhas acima que a felicidade é o bem supremo, que é auto-suficiente, desejado por si e por causa de si e nunca em vista de outro bem. Ficou dito, ainda, que é um bem que se adquire constantemente, não é algo estagnado, estanque, mas um movimento de ação que dá vida ao homem. Portanto, é a felicidade um bem eminentemente humano e essencial para a vida dos homens.<br />É importante enfatizar que todas as considerações feitas acerca da felicidade são aproximações parciais da felicidade, visto que a virtude, a justiça, os bens da alma e os bens exteriores, são bens relativos à ação individual de cada ser humano. No entanto, homem algum consegue ser feliz plenamente estando sozinho.<br />Em vista do acima exposto, Aristóteles defende que o homem é por natureza um ser político, o qual não consegue viver sozinho, por isso ele somente realizaria a sua felicidade plena na polis. Dito de outra forma, é o homem por natureza um ser social. É na polis que ele, o homem, completa a sua felicidade, visto que é lá que ele vai poder praticar as ações virtuosas. Não teria sentido algum ele ser virtuoso se não fosse pelo motivo de compartilhar com os demais cidadãos. De que valeria um homem virtuoso vivendo no deserto?<br />Para Aristóteles, a felicidade entendida na polis deve sempre visar o bem comum dos cidadãos. Aquele que age em vista do bem comum vive feliz. Assim, a felicidade é a arte de viver bem e é o bem supremo através do qual todas as ações do homem são voltadas.<br />Para concluir, a felicidade não é um bem realizável totalmente, mas sim, um bem que se busca constantemente na ação de viver. Desta forma, no livro I da Ética a Nicômaco, o filósofo apresenta uma hierarquia de bens, relativos e intrínsecos ao homem, bens esses que são classificados em insuficientes e auto-suficientes. A partir dessa classificação, ele define a felicidade como um bem auto-suficiente, ou seja, um fim intrínseco ao homem e um bem supremo. A felicidade é, então, um fim último e um bem supremo que todos os homens almejam.<br /><br />REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA<br />ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Coleção OS PENSADORES. Ed. Nova Cultural. São Paulo, 1996, PP. 118-136.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=5525318738131809590#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Eudoxo de <a title="Cnido" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Cnido">Cnido</a> (em <a title="Língua grega antiga" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_grega_antiga">grego</a> Ευδοξος) (Cnido, atual <a title="Turquia" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Turquia">Turquia</a>, entre <a title="390 a.C." href="http://pt.wikipedia.org/wiki/390_a.C.">390</a> e <a title="338 a.C." href="http://pt.wikipedia.org/wiki/338_a.C.">338 a.C.</a>) foi um <a title="Astronomia" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Astronomia">astrônomo</a>, <a title="Matemática" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Matem%C3%A1tica">matemático</a> e <a title="Filosofia" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia">filósofo</a> <a title="Grécia Antiga" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9cia_Antiga">grego</a>. Viajou ao <a title="Egipto" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Egipto">Egito</a>, de onde teria trazido o cálculo mais exato do <a title="Ano solar" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Ano_solar">ano solar</a> que introduziu na <a title="Grécia" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9cia">Grécia</a>. O valor que atribuía era de 365 dias e 1/4, valor adotado pelo <a title="Calendário juliano" href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Calend%C3%A1rio_juliano">calendário juliano</a>. Viveu quase sempre em sua cidade natal, onde fundou em escola e um observatório.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-73370822218248703662010-01-05T12:45:00.000-03:002010-01-05T12:50:43.623-03:00Filosofia SocialSECULARIZAÇÃO E DESENCANTAMENTO DO MUNDO<br /><br /><br /> Rinaldo de França Lima<a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=7337082221824870366#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a><br /><br /><br />O presente trabalho tem por finalidade dissertar sobre o conceito de secularização e desencantamento do mundo, a partir do ensaio “Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido”, de autoria de Antônio Flávio Pierucci, pesquisador e estudioso sobre religião no Brasil. Trata-se de uma publicação eletrônica, resgatada da Revista Brasileira de Ciências Sociais, datado de 1998. Houve, também, a participação neste trabalho do artigo elaborado por Darli Alves de Souza, O Desencantamento do Mundo em 2006. Souza é doutor em Ciências da Religião pela PUC/SP.<br />Pierucci procura rastrear toda a trajetória da construção do conceito de “Desencantamento do Mundo”, de forma cronológica, ao longo de toda a obra produzida por Weber. Para Pierucci, é a produção intelectual weberiana mais importante para o entendimento da modernidade. Ao final de seu meticuloso trabalho, Pierucci descobre que havia aberto um caminho para uma nova possível investigação para um “novo encantamento do mundo”, como bem o manifestam suas próprias palavras, segundo as quais defende “a necessidade inadiável de reabrirmos hoje no Brasil, entre os sociólogos da religião, a discussão conceitual do problema da secularização e argüir da utilidade de nos enfrentarmos de novo e seriamente como os velhos significados com os quais a coisa se pôs de pé, nos quais se levantou a questão. São referências que devem ser revalorizadas nos dias de hoje. Na América Latina principalmente. E o Cone Sul não me deixa mentir” (PIERUCCI, 1998, p. 2).<br /> Ao todo são dezessete passos meticulosamente contados e comentados com singular maestria por Pierucci acerca do sintagma, no ensaio Secularização em Max Weber – Da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido.<br /> Logo de início, Pierucci vai mostrar que é uma postura equivocada o fato de que quando se trata do estudo de Weber, achar-se que se trata estritamente de sociologia da religião. Para Pierucci, a reflexão weberiana não está circunscrita neste universo, muito embora a contribuição de seu trabalho nessa área seja inegavelmente necessária. Entretanto, não se pode circunscrevê-lo no universo da sociologia da religião pelo simples fato de que àquela época não existia ainda essa área do conhecimento, ou melhor, a sociologia ainda estava se consolidando enquanto ciência social. Além disso, argumenta Pierucci, ninguém poderá dizer que é conhecedor da sociologia de Weber se não passar por sua sociologia da religião. A reflexão sobre o “desencantamento do mundo” não é meramente um estudo sobre religião ou religiões, e sim um estudo, uma análise exaustiva de um conceito de entendimento da sociedade ocidental e de maneira mais específica da modernidade.<br /> O sintagma “desencantamento do mundo” teve sua origem, ou pelo menos serviu de inspiração para Weber, a partir das reflexões de um filósofo alemão chamado Friedrich Schiller (1750-1805). O termo desencantamento vem sendo usado com diferentes conotações, confundindo-se com desencanto e com um estado psicológico de desilusão em relação ao mundo, o que não corresponde aos fatos. Pierucci argumenta acerca de apenas dois sentidos bastante específicos para o desencantamento do mundo e afirma ainda que, nas 17 passagens onde a expressão é usada textualmente por Weber, este faz questão de esclarecer o significado que está atribuindo ao termo. Em resumo, seja pela interpretação religiosa, seja pela perspectiva científica, o desencantamento está intimamente ligado à desmagificação. Dito com outras palavras, o desentancamento do mundo é um processo histórico e se refere à adoção de éticas reguladoras afastando o caráter mágico atribuído ao mundo. O conceito aparece pela primeira vez em Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva, pouco antes de 1913 e é nos adendos de A Ética protestante e o espírito do capitalismo, cuja segunda versão foi editada em 1920, que se fez presente pela última. Em A ciência como vocação, o termo aparece literalmente em seis passagens diferentes.<br /> Diz Pierucci que é no ensaio Consideração Intermediária, onde Weber mostra-se “bastante incisivo ao afirmar que a intelectualização científica é fator decisivo para o desencantamento do mundo, uma vez que obriga a religião a abandonar sua pretensão de propor o racional”, conforme Caroline Jaques Cubas. Das 17 vezes que o conceito é empregado, 11 delas tratam de sua significação literal, ou seja, do desencantamento enquanto desmagificação da religião.<br /> Segundo Pierucci, diz Cubas, “nesse processo de racionalização, a valorização de um deus que regula, pune, conduz e recompensa está intimamente ligada ao desenvolvimento de laços éticos que vão ligar o indivíduo a um mundo ordenado por obrigações e responsabilidades, clamando pela manutenção de uma conduta regular fundada na racionalidade normativa.”<br /> Nos adendos de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o desencantamento do mundo é explicitado enquanto um processo histórico empiricamente perceptível. Ao longo de seu trabalho, Antônio Flávio Pierucci vai dissertando sobre o conceito de desencantamento do mundo, argumentando de forma cada vez mais contundente sobre seus usos possíveis e coerentes, de conformidade com aquilo que foi proposto pelo próprio Weber. Algumas vezes falando do desencantamento religioso, outras do desencantamento científico, mas sempre procurando manter-se fiel ao pensamento weberiano, apresentando não apenas uma discussão conceitual, mas principalmente um amplo panorama sobre os temas mais recorrentes da obra weberiana, entre eles, o processo de racionalização do Ocidente.<br /> Cabe ressaltar que “desencantamento do mundo” é algo essencialmente weberiano, entretanto o termo não foi cunhado por Weber, nem adotado por Schiller, mas adaptado por ele, Weber, a partir de um sintagma similar, diz Pierucci. O termo cunhado por Schiller seria “desencanto do mundo”. Portanto, aqui se encontra o nascedouro daquilo que para Pierucci é quase uma obsessão: entender o desenvolvimento e a evolução de um conceito importantíssimo para a compreensão do mundo ocidental dos últimos séculos.<br /> Pierucci enfatiza que a discussão do conceito weberiano de secularização necessariamente invade o terreno da conceituação de legitimidade, do tratamento teórico dos problemas de legitimação da autoridade, problemas que todos sabemos recorrentes, permanentes, no Estado moderno. No Brasil, ele lastima que a abordagem da secularização por muitos sociólogos da religião simplesmente não satisfaz. Ou seja, os termos não andam bem colocados. Para ele, estão em alta as adesões religiosas e a conversão tem estado em evidência, o que foi se tornando fora do foco dos sociólogos “a dimensão verdadeiramente hard da secularização, aquela que se instala na esfera da normalidade jurídico-política”. Hoje, tanto no Brasil, como no Cone Sul e em toda a América Latina, na América do Norte, na Ásia e Europa, a secularização, como diz Pierucci, “já era” (PIERUCCI, 1998, p. 4). Daí o seu apelo para que essa retomada seja feita, como dito linhas acima, e que leve a uma nova e possível investigação para um “novo encantamento do mundo”.<br /> Pierucci constata que nas três últimas décadas do século XX, as religiões têm-se revitalizado e se expandido e multiplicado a olhos vistos. Constata também que é um fenômeno quase palpável em escala mundial “o novo e heterogêneo despertar religioso”, que estaria “a fermentar não só o Terceiro, mas também e principalmente o Primeiro Mundo, não sem registrar, nos anos 80, vigorosa irrupção no Leste europeu, o qual, andam dizendo, ter-se-ia tornado pós-comunista em larga medida por causa do fator religioso” (PIERUCCI, 1998, p. 5).<br /> A primeira vez em que a expressão “desencantamento do mundo” (Entzauberung der Welt) se dá é num artigo publicado na revista Logos, em setembro de 1913, segundo Pierucci. No texto, Weber desenvolve vários elementos da Sociologia no contexto alemão, no período compreendido entre 1913-1914, que segundo Pierucci é um momento importante do debate metodológico da Sociologia, que, àquela altura, ainda não estava totalmente firmada, conforme dito linhas acima.<br /> É importante ressaltar os dados de Pierucci acerca do seu trabalho. Nove vezes o termo desencantamento é empregado como desmagificação; quatro vezes como perda de sentido e outras quatro como desmagificação mais perda de sentido. Demonstra o autor que há dois sentidos do sintagma. Primeiro, desencantamento do mundo pela religião; segundo, desencantamento pela ciência. Para Pierucci, há uma clara passagem da magia para a religião que é, de certa maneira, pano de fundo para entendimento do desencantamento do mundo.<br /> Dando continuidade à tarefa de dissecar o mais importante sintagma weberiano, Pierucci destaca três aspectos importantes desses passos, quais sejam: primeiro, “a relação de complementação entre o desencantamento do mundo e a ascese intramundana do protestantismo ascético; desencantamento do mundo no plano das idéias, ou seja, desencantamento das imagens do mundo; desencantamento como moralização religiosa ou eticização da conduta religiosa” (SOUZA, 2006).<br />No primeiro aspecto acima mencionado, Pierucci argumenta que a religião é algo que se vive no extra cotidiano, mas que se complementa no tempo e espaço cotidiano, ou seja, é algo que não se pode separar. Complementando, eleva-se o crente a uma busca constante, a um aperfeiçoamento diário, quer nos negócios, quer na sua vida particular para atingir a graça.<br /> No segundo aspecto, há que se ter em mente que idéias religiosas são as idéias de como se vê o mundo, ou seja, as imagens que se tem dele. Para Weber, “...são aqueles pontos de vista supra pessoais que articulam os aspectos fundamentais da relação do homem com o mundo. Em sentido mais amplo, elas são imagens de mundo, mais precisamente, elas devem sua existência à necessidade, e à busca intelectual de uma narrativa coerente do mundo e, como tal, são criadas predominantemente por grupos religiosos, profetas e intelectuais”. A racionalização e a intelectualização que permitiriam essa maneira de ver o mundo.<br /> É importante destacar que desencantamento do mundo não significa uma perda para a religião. Também não é perder religião, no sentido de sentimento religioso, mas sim, moralizar a própria religião. Com uma religião racionalizada. É importante ter no mundo uma atitude condizente com as práticas religiosas.<br /> Para Weber, desencantamento do mundo é a desmagificação da busca da salvação. Pierucci apresenta esse elemento como “a outra face do processo de moralização da prática religiosa, um processo histórico-religioso tipicamente ocidental e de sérias conseqüências para o viver humano” (SOUZA, 2006). Pierucci separa racionalização religiosa de racionalização técnico-científica. Weber, com a expressão Entzauberung der welt refere-se “ao processo de racionalização da religião, o qual tem conseqüências na conduta de vida de modo ético-ascético, isto é, nada mais e nada menos que a religião determinando a conduta de vida racionalizada na prática, ou seja, no cotidiano das pessoas” (SOUZA,2006). Para Pierucci, a religião aparelha a realidade intramundana de sentido, principalmente a partir de profecias racionais. O processo de desencantamento é a saída da magia para a profecia e que determina a conduta de vida plena de sentido, isto porque é a vontade de Deus, seja ela concreta ou abstrata.<br /><br />1. Conclusão<br />Três tópicos merecem ser abordados com o fim de melhor esclarecer os elementos mais importantes ligados ao tema tratado: primeiro, o desencantamento do mundo como eticização religiosa em seu ponto máximo. Pode-se dizer que o protestantismo praticante conseguiu unir uma rejeição religiosa do mundo com uma ascese intramundana comandada pela ética protestante, amparada no “dever ser”, obedecendo às vontades de Deus através de profecia, tudo isso traduzido numa vida racional e santificada ao mesmo tempo; segundo, o desencantamento do mundo como não sendo puramente secularização ou racionalização do mundo. Ou seja, não se pode confundir desencantamento do mundo com processo de secularização do mundo. Secularização passa por outros caminhos, talvez mais bem técnicos ou científicos. Secularização implica afastamento da religião, fato que não se constata em Max Weber ao cunhar o termo em estudo; por fim, o protestantismo ascético como processo final do desencantamento do mundo. Fica claro que o desencantamento é religioso e não científico. Não tem nada a ver com desilusão, desalento em relação à vida. É desmagificação do mundo através da racionalização da religião. Podemos inferir que o termo “desencantamento do mundo” apresenta-se com dois sentidos: o primeiro é o sentido religioso de desencantar o mundo através da religião. O segundo, refere-se ao fato de que a ciência não consegue dar sentido ao todo do mundo, mas a cada parte. Tanto um sentido como o outro, são expostos ao longo das obras de Weber de forma simultânea, permanecendo o mesmo do princípio do afim.<br />Por fim, a chave de ouro para fechamento da questão “desencantamento do mundo” vem a ser justamente o “reencantamento do mundo”. E aqui entra a proposta de Pierucci. Para ele, este reencantamento passa, necessariamente, por uma outra esfera cultural da vida, esfera esta que não é religiosa mas erótica. Ele irá dizer que se trata de uma esfera onde mora uma força irracional que é a força sexual que, segundo ele, talvez seja uma das principais forças necessárias para reencantar o mundo. Quer o autor dizer que, num mundo em que vivemos tão cheio de problemas de todas as espécies, tantas burocracias, tantas contradições, tanta irracionalidade, uma reflexão mais cautelosa de Max Weber traria mais subsídios para reencantar o mundo através dessa força irracional que move o ser humano, ou melhor, que é imanente ao ser humano.<br />Diante disso, uma reflexão cautelosa de Weber dará subsídios para se reencantar o mundo através da força mais irracional do ser humano. Mas o que isso significaria? Significa que aí há uma luta entre duas forças místicas, de um lado a mística supramundana, que transcende este mundo através da rejeição religiosa do mundo em uma conduta de vida ascética que só tem sentido se depositar esperança de salvação no outro mundo através de um Deus (PIERUCCI, 1998, p. 15), citado por Souza que conclui: “Esse ponto final do autor é profundamente instigante para pensar a religião. É óbvio que essa reflexão de Pierucci sobre a obra de Weber subverte muitas posturas religiosas e até mesmo a própria religião. Quando aqui se refere à religião, é importante ressaltar que são aquelas chamadas por Weber de religiões de salvação que, necessariamente, têm como característica o ato transcendente de sair deste mundo depositando sua fé, esperança e principalmente a plenitude da salvação no outro mundo.”<br /><br />2. Referências<br />1. PIERUCCI, Antônio Flávio. Secularização em Max Weber: Da serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido. São Paulo, 1998. Disponível em: <a href="http://www.scielo.br/scielo">http://www.scielo.br/scielo</a>. Acesso em 24 nov. 2008.<br />2. SOUZA, Darli Alves de. O Desencantamento do Mundo. São Paulo, 2006. Disponível em: <a href="http://oficinadaescrita.files.wordpress.com/">http://oficinadaescrita.files.wordpress.com</a>. Acesso em 24 nov. 2008.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=7337082221824870366#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Curso Filosofia, UFS, quarto período, 2008.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-60871066483229403242010-01-05T11:58:00.017-03:002011-02-15T16:23:06.330-03:00Momento FilosóficoNesta seção estão incluídos alguns momentos filosóficos. São pequenos trechos que normalmente contemplam citações e momentos relacionados com a filosofia. Fazem parte de uma coletânia originada de e-mails que mando para um seleto grupo de amigos, uns estudantes de filosofia, outros apenas amantes.<br />
<br />
15/02/2011<br />
O texto abaixo é um resumo do capítulo 9 da obra OS CÃES FILÓSOFOS: História da Filosofia de Resistência, de autoria do filósofo brasileiro Hélio Soares do Amaral. A obra “consiste em narrar as origens e o desenvolvimento da filosofia de uma linhagem intelectual que ousava pensar com independência, à moda de cães, face ao racionalismo socrático." ("orelhada" minha).<br />
Lembro que o movimento dos cínicos começou com Antístenes, Diógenes e Cratês. Neste capítulo, o autor (Hélio Soares do Amaral) traça um perfil do Nazareno (Jesus), que a muitos pode não agradar. Mas...<br />
<br />
“O perfil de Jesus é assombroso.<br />
A narrativa do autor que se intitula Mateus – apropriação indébita do Apóstolo de mesmo nome – de que Maria foi fecundada por Deus esconde uma acusação de que Jesus ouviu a vida inteira de que a gravidez de sua mãe fora adúltera para os padrões ortodoxos.<br />
As expressões “filho unigênito de Deus”, “primogênito entre as criaturas” são jargões evangélicos ou epistolares – propaganda – para o serviço da fé.<br />
Então, o que fez o Nazareno para merecer origem tão prodigiosa? A crer pelos irmãos e pela mãe, nos textos canônicos, nada.<br />
Jesus recusa-se a deixá-la entrar [a mãe] no recinto em que está falando. <br />
Em outras oportunidades Jesus irrita-se quando uma mulher diz “abençoado o ventre que te trouxe” (Lc 11,27) e se queixa da rejeição da “própria família” e em sua “própria casa” (Mc. 6,4). “Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai...não pode ser meu discípulo” é uma bofetada.<br />
Com o aparecimento do título Kristós, dado pelos kristianoi – cristãos = ungidos – de origem cipriota em Antioquia, ficou sendo Jesus Cristo até hoje.<br />
Se se der crédito ao evangelho de João (2,4), Jesus não “perdoara” a mãe por ocasião das Bodas de Caná: “o que temos eu e tu com isto, mulher?”. O mesmo evangelho refaz a situação pondo Maria ao pé da cruz num episódio claramente inventado, pois que os discípulos, todos, fugiram e as mulheres acompanhavam de longe, não havendo testemunhas oculares já que a vítima morria solitária, de acordo com a lei vigente.<br />
Parece que a morte na cruz reconciliou a família, post factum . Tiago [“meio-irmão”] está à testa da comunidade herdeira, de Jerusalém, dois anos depois, tendo sido sucedido por um primo de Jesus, Simão, até o ano 107.<br />
O período de vida de Jesus conhecido, o da pregação, foi curto. Uns estudiosos dão-lhe alguns meses de vida pública, outros, dois anos e três meses mais ou menos.<br />
Os aprendizes de Jesus adotaram os hábitos e o costume dos filósofos cínicos de ir dois a dois, evitando aglomerações.<br />
Jesus tinha um irmão importante em Jerusalém, Tiago o Justo, citado com João Batista em Josefo [Flávio Josefo]. O irmão mais velho de Jesus tinha amigos poderosos em Jerusalém. Parece que o avô de ambos, Joaquim, era rico.<br />
Neste perfil de Jesus tem importância uma família especial, a dos irmãos Maria, Marta e Lázaro, em Betânia, nas proximidades de Jerusalém.<br />
De Jesus se disse que fundou uma religião, o cristianismo. Não, o cristianismo foi obra coletiva, foi forjado nas koinonias, thissoi e collegia. A Jesus coube a invenção de determinada espécie de vida e de costumes cotidianos para agir como disciplina da vontade, para afastar o tédio.<br />
Jesus foi um nó com milhões e milhões de conexões."<br />
<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:<br />
AMARAL, Hélio Soares do. Os cães filósofos: História da filosofia de resistência. In: Cão Divino no Bosque de Adônis (PP. 49-58). – São Paulo: Annablume, 2006. 170 p.<br />
<br />
<br />
27/01/2011<br />
"Uma das características definidoras da filosofia analítica [é] a preocupação com a análise do significado de conceitos como forma privilegiada de tratamento das questões centrais da experiência humana(...). Na fase inicial da filosofia analítica acentuou-se a ruptura com a tradição, tratando-se do que se poderia chamar (...) de fase de quebra de paradimas, a fase revolucionária em que a filosofia que emerge se volta contra a tradição anterior então em crise.<br />
Em seguida, a filosofia analítica entra (...) em sua fase de ciência normal, constituindo uma tradição se não hegemônica pelo menos em larga escala dominante nos países de língua inglesa. A nova tradição (...) tende a favorecer a exegese textual de seus textos fundadores e o comentário a eles.<br />
Uma tradição filosófica se mantém viva quando se renova, quando é capaz de gerar novos problemas, quando seus problemas e o modo de tratamento deles permanecem atuais, quando encontra bons leitores e intérpretes que a levem adiante.<br />
A filosofia está sempre em permanente discussão com o seu passado, e a filosofia analítica não é uma exceção, mesmo que por vezes não tenha admitido isso, considerando-se livre dos pressupostos da tradição. Contudo, reconhecer sua herança é tão importante para uma corrente filosófica quanto é para os filósofos de uma determinada corrente evitar falar apenas para eles mesmos, devendo buscar sempre ampliar o círculo de seus interlocutores, única forma de renovar-se e permanecer relevante para o debate contemporâneo."<br />
<br />
Caros amigos, o texto acima é um compacto de um artigo publicado pelo Danilo Marcondes na revista FILOSOFIA ESPECIAL, ano II, numero 9, sob o título Maturidade Pluralista, no qual discorre sobre filosofia analítica. Prestem atenção nos dois últimos parágrafos. São importantes para entendermos o quanto é importante o debate amplo em todos os segmentos da filosofia. Danilo Marcondes é doutor pela University of Saint Andrews na Grã Bretanha, professor titular de filosofia da PUC-Rio e professor adjunto de Filosofia da Universidade Federal Fluminense, trabalha sobretudo com filosofia da linguagem de tradição analítica, principalmente a pragmática.<br />
<br />
25/08/2010<br />
Por considerar bastante interessante a participação do "Kalós" Guilherme no MF abaixo, achei por bem publicar seu texto na íntegra:<br />
"Essa discussão do Onfray sobre a hegemonia da tradição metafísica nos currículos de filosofia e mesmo da 'oficial' história da filosofia, de influência notadamente platônica e hegeliana, é muito interessante. Recentemente (já há alguns poucos anos), o Onfray se empenhou em 're-contar' a história da filosofia, trabalhando até hoje para construir o que ele chamou de Uma CONTRA-história da filosofia.<br />
<br />
Nesta obra, além de uma crítica acerca do lugar na metafísica na tradição filosófica, Onfray passa a re-compor a história da filosofia a partir dos autores 'esquecidos' pela 'história oficial' da filosofia, ou seja, a partir de autores tidos pela nossa tradição como 'menores', como os cínicos, materialistas, sofistas, ateus, libertinos, etc... Onfray nos conta uma outra história da filosofia, seguindo movimento inverso da tradição hegemônica que perdura até os nossos dias, analisando não somente a importância destes autores, como também os motivos que levaram os gigantes da filosofia a os relegarem ao ostracismo.<br />
<br />
Independente de se acreditar ou não no argumento de Onfray, penso que pelo menos a discussão é muito interessante (aliás, pelo menos ponderar sobre os argumentos, é parte fundamental do nosso métier...)!<br />
<br />
A quem interessar possa, a coleção chama-se, em português, Contra-história da filosofia, e está sendo publicada pela editora Martins Fontes. Já foram traduzidos 3 volumes para a nossa língua dos 5 já publicados na França (até onde eu acompanhei; mas soube por um colega que o sexto volume já foi publicado na França; eu não confirmo a informação...). Para quem souber ler em francês, no Brasil não é difícil de encontrar também os volumes 4 e 5 (estão disponíveis para venda em grandes livrarias - ex.: livraria saraiva, livraria cultura). O projeto do Onfray é de publicar aproximadamente 9 volumes (salvo engano...)."<br />
<br />
13/08/2010<br />
"...pressuposto que se é uma pessoa, tem-se também, necessariamente, a filosofia de sua pessoa: no entanto, há uma diferença relevante. Em um são suas lacunas que filosofam, em outro suas riquezas e forças.<br />
<br />
Toda a filosofia que coloca a paz mais alto do que a guerra, toda ética com uma convicção negativa do conceito de felicidade, toda metafísica e física que conhecem um termo final, um estado terminal de qualquer espécie, todo preponderante desejo estético ou religioso por um à-parte, um além, um fora, um acima, permitem que se pergunte se não foi a doença aquilo que inspirou o filósofo. (...) Eu me perguntei se (...) a filosofia até agora não foi em geral somente uma interpretação do corpo e um mal-entendido sobre o corpo. Por trás dos mais altos juízos de valor (...) estão escondidos mal-entendidos sobre a índole corporal, seja de indivíduos, seja de classes, ou de raças inteiras.<br />
<br />
...Em todo filosofar até agora nunca se tratou da "verdade", mas de algo outro, digamos saúde, futuro, crescimento, potência, vida...<br />
<br />
Nós filósofos não temos a liberdade de separar entre alma e corpo, como o povo separa, e menos ainda temos a liberdade de separar entre alma e espírito. Não somos rãs pensantes, nem aparelhos de objetivação e máquinas registradoras com vísceras congeladas - temos constantemente de parir nossos pensamentos de nossa dor e maternalmente transmimtir-lhes tudo o que temos em nós de sangue, coração, fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino, fatalidade.<br />
<br />
FONTE:<br />
<br />
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Coleção "Os Pensadores" - Prefácio da Segunda Edição (1886) - Ed. Nova Cultural - São Paulo.<br />
<br />
16/07/2010<br />
<br />
Título Original: Freud - EUA 1962<br />
<br />
Atores: Montgomery Clift, Susannah York, Larry Parks, Susan Kohner, Eileen Herlie, Fernand Ledoux, David McCallum, Rosalie Crutchley, David Kossoff, Joseph Fürst, Alexander Mango, Leonard Sachs, Eric Portman<br />
<br />
Diretor: John Huston<br />
<br />
Sinopse: A Versátil, sob licença da Screen Media Ventures, apresenta o inédito Freud, Além da Alma, aclamado clássico do mestre John Huston sobre a vida de Sigmund Freud (1856 - 1939). Esta caixa com 2 DVDs traz o filme em versão integral e muitos extras, incluindo um depoimento do Prof. Renato Mezan (PUC), um dos maiores especialistas brasileiros na obra de Freud, e o documentário Freud em Viena.<br />
O roteiro cobre o período da vida de Freud desde sua graduação em Medicina na Universidade de Viena até o desenvolvimento de suas primeiras teorias psicanalíticas, relacionando suas descobertas acerca do funcionamento do inconsciente humano às suas experiências pessoais. Ao tratar uma jovem histérica e sexualmente reprimida, Freud (o astro Montgomery Clift em grande atuação) formula o conceito do Complexo de Édipo. <br />
Com ótimos diálogos e direção magistral de John Huston, Freud, Além da Alma é uma excelente introdução às idéias do criador da Psicanálise.<br />
O filme começa com um texto que eu considero emblemático. Nele, John Houston associa o nome de três dos maiores gênios da história da Humanidade, Copérnico, Darwin e Freud, tecendo uma introdução que vale a pena ser lida. Vejamos...<br />
<br />
"Desde tempos antigos houve três grandes mudanças na idéia do homem sobre si mesmo. Três grandes choques abalaram nossa vaidade. <br />
Antes de Copérnico (1473-1543), achávamos que éramos o centro do universo. Que todos os corpos celestiais giravam em redor da nossa Terra. Mas o grande astrônomo desbancou esse conceito e fomos obrigados a admitir que nosso planeta é um dos muitos que giram em redor do Sol e que há outros sistemas solares além do nosso, em mundos infinitos. <br />
Antes de Charles Darwin (1808-1882) o homem acreditava que era uma espécie única separada do reino animal. Mas o grande biólogo nos fez ver que nosso organismo físico é produto de um vasto processo evolutivo, cujas leis são iguais para nós ou para qualquer outro animal.<br />
Antes de Sigmund Freud (1856-1939) o homem acreditava que o que dizia e fazia era produto apenas de seu desejo consciente. Mas o grande psicólogo demonstrou a existência de outra parte de nossa mente que funciona no maior segredo e que pode governar nossas vidas. Esta é a viagem de Freud a uma região quase tão obscura quanto o próprio inferno, o inconsciente humano, e de como ele acendeu uma luz."<br />
<br />
10/05/2010<br />
“...um é maníaco! Tem mania de grandeza! E o outro é um depressivo! E as duas tendências modernas que dominam o pensamento filosófico do século XIX até pelo menos metade do século XX são os filhotes de Kant e Hegel.”<br />
..................................................................................<br />
“Hegel nunca discute com ninguém, ele simplesmente coloca as perguntas numa outra faixa e despreza aquilo que os caras estão discutindo.”<br />
..................................................................................<br />
“...a filosofia é Platão e Aristóteles, tem que decorar o que eles ensinaram, depois os outros que vêm em seguida são gorilas, os outros são micos, a proporção é essa, então, você tem que pegar os dois, aprender com eles, e depois você vai ver os restantes. Se você não faz isso você não entende que está trabalhando dentro de uma área que já foi demarcada por Platão e Aristóteles. Você está trabalhando dentro de temas que eles inauguraram, com métodos que eles inauguraram. E que você pode ir além deles com a condição de que você os absorva. Se você não fez isto, você vai fazer burrada, não tem jeito, e é o que esses caras fazem, eles têm um conhecimento insuficiente de Platão e Aristóteles, muito insuficiente. Então, eles achavam que Platão e Aristóteles eram aquilo que os professores deles estavam ensinando. É a mesma coisa você ler o livro da Marilena Chauí, você acha que você conhece Espinosa, é a mesma coisa. Então, é claro que não é assim.”<br />
.....................................................................................<br />
“...o Arthur O. Lovejoy tem razão quando ele diz que a história da filosofia inteira é um conjunto de notas de rodapé a Platão e Aristóteles.”<br />
.....................................................................................<br />
“...o tamanhico do mundo na concepção de Descartes, Kant ou do próprio Hegel comparado com a abertura para a realidade que tinha um Platão e Aristóteles chega a ser cômica. Então, o Kant com o seu conjunto de precauções, conjunto quase obsessivo de precauções, e Hegel com a sua ambição ilimitada, comparados com os antigos, esses aí se tornam cômicos; melhor, não tinha que ter nenhum desses problemas, tudo isso já está resolvido há muito tempo. Isso tudo são falsos problemas, encarados de uma maneira falsa, que vai dar um resultado falso e só vai produzir o mal.”<br />
<br />
FONTE:<br />
CARVALHO, Olavo de. Kant e Hegel – Origem do positivismo e marxismo. História Essencial da Filosofia – Aula 28 – pg. 22-24.<br />
<br />
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">06/04/2010.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">Proponho-me aqui a reproduzir uma das mais belas cenas já apresentadas no cinema sobre um diálogo entre dois dos maiores nomes da filosofia moderna, dois vultos que fazem parte dos pensadores que colocaram o planeta na Modernidade. Trata-se do diálogo entre Pascal e Descartes, extraído do filme de Roberto Rossellini “Blaise Pascal”, uma co-produção Itália/França, de 1972, que traz Pierre Arditi no papel-título. De acordo com a ficha, “o filme apresenta uma cinebiografia do filósofo, teólogo e matemático francês Blaise Pascal (1623-1662). Na obra, Rossellini acompanha a trajetória de Pascal, dos 17 anos até sua morte precoce, mostrando seus célebres estudos de Matemática e Geometria, incluindo a criação da primeira calculadora mecânica; seus trabalhos revolucionários sobre o vácuo, os fluidos e a pressão atmosférica; sua relação com o Jansenismo e a concepção de suas principais obras filosófico-religiosas. Com austeridade, ternura e realismo, Rossellini realizou um filme de extrema beleza sobre os conflitos religiosos e filosóficos de um personagem histórico fascinante.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">A cena tem lugar no Convento dos Mínimos, onde o Sr. Descartes vai falar para uma seleta platéia. Estamos no ano de 1639.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Como um homem que caminha sozinho e nas trevas, resolvi ir com cautela e lentamente e com tanta introspecção, que avançava muito pouco. Isso me protegia, no mínimo, de cair em erro. Então decidi não aceitar como verdadeiro nada que não parecesse como tal à minha consciência de modo evidente. E assim que a idade me permitiu escapar da autoridade dos mestres, abandonei o estudo das Letras e resolvi não procurar outra ciência senão aquela que se escondia em mim mesmo e no grande livro do mundo. No curso de minhas viagens, percebi que poderia parecer que havia mais verdade nos raciocínios das pessoas sobre seus próprios problemas do que nos pensamentos de um homem de letras fechado em um gabinete. Aprendi também a não crer em nada com firmeza excessiva. E durante nove anos vaguei por toda parte do mundo tentando erradicar todos os erros que tinham se insinuado em meu espírito. Foi então que comecei a descobrir os fundamentos de uma ciência admirável. Aprendi a conduzir meus pensamentos em ordem, começando pelas questões mais simples, mais fáceis de conhecer, para chegar gradualmente ao conhecimento dos mais complexos. Tomei como modelo, portanto, aquele sistema de raciocínios tão simples e fáceis que os matemáticos usam habitualmente. Aprendi também a corrigir com esse sistema os erros dos nossos sentidos, os da visão, por exemplo, que nos indicam erradamente que a Terra é imensa e a Lua e o Sol maiores que as outras estrelas. Quando decidi publicar alguns livros queria ser incluído no número dos escritores mais simples, escrevendo em francês e não em latim, em uma língua com a qual os camponeses, melhor que os filósofos, pudessem julgar a verdade. Sabem que vivo muito pouco na França e menos ainda em Paris, onde vejo tantas pessoas que se enganam em suas opiniões e em seus cálculos, que parece até uma doença universal. Todos parecem importar-se apenas com o próprio proveito. Mas agora percebo que isso não é uma verdade completa. Pois vocês estão aqui, meus amigos, você, meu caro Mersenne, cuja amizade me conforta e demonstra que afinal não sou completamente estrangeiro em meu próprio país.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">(Aplausos).</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">(Neste momento, Padre Mersenne apresenta-lhe Blaise Pascal):</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Eis aqui um jovem que, entre nós, o ouviu com a maior atenção.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- E quem é ele? – pergunta Descartes.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- É o filho de Étienne Pascal. Ele nos maravilhou com seus trabalhos e suas idéias e mais ainda com suas interessantes experiências sobre o vácuo – responde-lhe Mersenne.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- O que acaba de dizer – continua Pascal – me perturbou, pois percebi que tomei uma estrada diversa da sua. Sinto-me assustado.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Contaram-me do interessante diálogo que manteve com o Padre Noel, da Companhia de Jesus – diz Descartes.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Sim, sim. É verdade. Repeti tais idéias também em outras ocasiões.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Não concorda comigo, hein?</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Bem, sim, devo confessá-lo!</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Nesse caso, ficarei grato de ouvir suas explicações.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Disse que aprendeu a conduzir seus pensamentos em ordem, começando pelos problemas mais simples para chegar, pouco a pouco, aos mais complexos. Para edificar sua bela construção, são necessários, porém, fundamentos cuja solidez não dê margem a dúvidas. O único fundamento que nos propõe se baseia no discernimento de sua razão que, parece-me claro, simboliza toda a razão humana. Mas, a razão me parece um fundamento pouco confiável, visto o posto que ocupa no mundo. Ela (está?) certo que ela existe, mas mal situada entre o que é infinitamente pequeno e o que é infinitamente grande como o senhor descreveu, decepcionado com a inconstância das aparências, incerta em seus limites. Como não é a razão, mas uma intuição sutil que nos diz que existem três dimensões no espaço, considero que não é por meio do raciocínio mas por intuição brutal e por ruptura que conseguimos partilhar algumas certezas. E as dimensões de nosso espaço não podem ser medidas. Elas não têm quantidade, são ilimitadas e infinitas pela qualidade que têm. Ora, ouvindo-as, poderíamos acreditar que passo a passo, aumentando sem cessar seus conhecimentos os homens entenderão um dia todo o mecanismo do mundo da mesma forma que um expectador que está nos bastidores de um teatro consegue ver o carro do herói sendo alçado nos ares. Mas o universo infinito, no qual estamos, nunca deixará de ser infinito e nossos conhecimentos não deixarão de ser finitos e limitados apesar das coisas novas que irão sendo acrescentadas. O método de pesquisa de que falou, por exemplo, medir a distância que nos separa deste a outro ponto. No entanto, são incapazes de avaliar a qualidade do percurso. O espírito geométrico pode sustentar fortemente alguns princípios, mas não é capaz de captar a diversidade de tudo que nos circunda. Pode, efetivamente, distinguir todos os tons da voz? Os modos de andar, de tossir, de assoar-se, de espirrar? Pode distinguir as frutas e dentre elas as uvas e, nestas, a moscatel? Parte dos argumentos mais simples para chegar aos mais complexos. Mas, não deveríamos, antes, partir dos mais complexos para descer aos mais simples? Estamos pouco seguros de nossos passos e vivemos entre uma infinidade e um abismo de quantidades. Uma infinidade e um abismo de movimentos. Uma infinidade e um abismo de tempos. Por que não podemos aprender a nos conhecer de modo mais justo e formar reflexões que, a meu ver, valem mais do que toda a geometria? O senhor fala de um método, sem dúvida, mas para se dar conta do infinito é preciso uma infinidade de métodos. E Deus não seria o único que pode conhecê-los, dado que só Ele é infinito?</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">- Sim, são objeções brilhantíssimas, senhor, que já me vieram à mente, mas que expulsei. Mas pode ser que a verdadeira fineza esteja justamente em não querer usar finezas.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">(Agora Descartes já está de pé, ensaiando retirar-se). “Guardarei a lembrança de seu discurso”. (E se despede com um ligeiro cumprimento).</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">(Aplausos para Descartes).</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">(Padre Mersenne acompanha Descartes até a porta e retorna para falar com Pascal, que lhe diz: “É um grande homem.”</div><br />
<br />
11/02/2010<br />
Amigos do saber, vejam o pequeno texto a seguir. É uma fotografia de toda a história da política no Ocidente. É como se você em apenas um olhar vislumbrasse um quadro no qual o artista transmite um pensamento, uma idéia.<br />
<br />
"Quem acompanhe a história das idéias políticas em contraponto com a história das ações políticas e não como uma sucessão de teorias a boiarem no céu das idéias puras, verificará que jamais houve no Ocidente uma só doutrina, monárquica ou republicana, revolucionária ou reacionária, escravagista ou libertária, que não fosse absorvida para servir de pretexto e reforço na luta pelo Império. Tão forte é o magnetismo da idéia de Império, que as outras orbitam em torno dela como satélites, cuja oposição aparente mascara apenas o fato de girarem em torno de um mesmo eixo, de servirem a um mesmo propósito e senhor. Teocracia e monarquia, república e democracia, nacionalismo e internacionalismo, revolução e reação, capitalismo e socialismo, e todas aquelas outras bandeiras em nome das quais os homens matam e morrem, quando vistas já não desde o ponto de vista das motivações subjetivas que movem os seus mártires, mas desde a perspectiva dos resultados reais a que servem na escala dos séculos, já não são mais que os estandartes das divisões, batalhões e esquadrões em que se esconde o descomunal exército empenhado num só objetivo: a formação do Império. Os pensadores políticos e religiosos do Ocidente não criaram uma só idéia que, mais dia menos dia, não servisse a incentivar ou a legitimar a luta por essa finalidade. Em toda a variedade de processos e mutações que constitui a história do Ocidente, essa é a única constante."<br />
<br />
Sigo com uma nota de rodapé que o autor acrescenta ao texto acima:<br />
<br />
"Prevendo objeções levianas que nossos acadêmicos semiletrados não deixarão de apresentar, esclareço que não estou com isso inventando uma 'teoria da História', que substituísse o conceito de 'Império' aos 'três estados' de Comte, à luta de classes, ao determinismo geográfico e a outras forças às quais os teóricos atribuíram o papel de 'motores' do acontecer histórico. A dominância da idéia de Império não é uma teoria: é um fato, e um fato específico da História do Ocidente. Se fosse uma teoria, pretenderia ter um alcance genérico, um poder explicativo sobre o processo histórico em geral. Mas nada de similar a esse fato tipicamente Ocidental se observa no Oriente, onde a eclosão de um surto imperialista é antes uma exceção do que uma regra. Veja-se por exemplo o caso da China, poderosíssima e no entanto acomodada dentro de suas fronteiras durante milênios, só caindo na tentação imperialista ao contaminar-se de idéias Ocidentais. Veja-se o mundo islâmico, perpetuamente dividido em nações hostis e só de raro em raro tendo alguma iniciativa de unificação imperial, comichão passageira e mal sucedida. Não, senhores: o imperialismo não é uma pretensa 'lei histórica': é um fato ocorrido numa certa parte do mundo. Não pode refutar-se mediante argumentos teóricos; tem de ser discutido no terreno da narração histórica, que só o comprova."<br />
<br />
FONTE: <br />
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. É Realizações, São Paulo, 2004. Pg. 210.<br />
<br />
03/02/2010<br />
Meus caros, conforme o prometido vou fechar aqui este Momento com a segunda parte da citação do Olavo de Carvalho:<br />
<br />
"O novo intelecutual abomina a universidade. O motivo é claro. Nascidas e formadas pela iniciativa independente de grupos de estudiosos, as universidades, aos poucos, conseguem conservar sua independência, ora aliando-se a um contra os outros, ora ao contrário, ora mandando ambas as autoridades às favas e promovendo arruaças estudantis que faziam tremer os poderosos de ambos os partidos. A longa disputa encerra-se na Renascença, com a vitória do Papa: as universidades tornam-se órgãos da Igreja. Vencidos, os reis, a classe aristocrática, começam a formar, fora da universidade, seu próprio quadro de intelectuais. Os novos pensadores, que empinam o nariz ante o ensino universitário - Maquiavel, Descartes, Montaigne - não são franco-atiradores: são funcionários da corte ou membros da classe aristocrática. Expressam o despeito dos rejeitados pelos vencedores do dia."<br />
FONTE: <br />
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. É realizações, São Paulo, 2004, pp. 165-166.<br />
<br />
<br />
03/02/2010<br />
Entender um contexto histórico é de fundamental importância para a compreensão dos conceitos filosóficos. O nascimento e desenvolvimento da Universidade sempre exerceu um fascínio e curiosidade sobre todos nós da comunidade acadêmica. Olavo de Carvalho, grande pensador brasileiro contemporâneo, traça um perfil do universitário medieval, e em seguida do renascentista, de forma bem interessante. Vejamos o que ele escreveu no O Jardim das Aflições, p. 165:<br />
<br />
"Este [o intelectual medieval] era na essência um universitário, um membro da orgulhosa casta acadêmica que, escorada no aplauso das hordas de estudantes, desafiava os reis e o Papa. A casta era internacional, formada de homens que abandonavam seu torrão natal para instalar-se nos grandes centros universitários onde se falava uma língua supranacional, o latim, e onde conviviam em pé de igualdade franceses, irlandeses, italianos, saxões, totalmente esquecidos de suas diferenças de origem. Para o letrado, o amor à pátria era um atavismo condenável, um resíduo de mundanismo, do mesmo modo que toda nostalgia do passado, da origem familiar, da paisagem natal: Nada se pode fazer, escrevia Hugo de S. Vitor, pelo aluno que tem saudades da cabana onde nasceu.<br />
O novo intelectual é, ao contrário, um membro ou servidor da casta palaciana. Vive na corte, já não entre seus colegas de ofício, unidos pelo comum desprezo às suas origens nacionais e de classe, mas entre príncipes e duques, damas e pajens, soldados e cortesãs. Sua atmosfera verbal já não é a seca terminologia técnica da dialética escolástica, mas a da conversação amena e elegante em língua nacional, recheada de floreios bajulatórios. A diferentes classes sociais, correspondem diferentes mestres: os medievais tinham encontrado os seus em Platão e Aristóteles: o humanista vai inspirar-se em Ovídio, Horácio, Virgílio, e sobretudo em Quintiliano. O codificador da retórica antiga vai adquirir, aos olhos da nova classe, uma autoridade que nem Aristóteles pudera alcançar na Idade Média. Está acima da crítica, e qualquer discussão pode ser cortada pela raiz mediante a fórmula: C'est assez que Quintilien l'ait dit...[É suficiente o que Quintiliano disse]."<br />
<br />
07/01/2010<br />
“O número de balelas que circulam a respeito da Inquisição é assombroso. Elas constituem um capítulo importante do fabulário popular – do ‘senso comum’, diria Gramsci – que sustenta a crença na superioridade do mundo moderno e de seus intelectuais. Eis algumas:<br />
1 - A Inquisição atrasou o desenvolvimento científico, proibindo a circulação dos livros que traziam novas descobertas. <br />
Comentário - A Inquisição examinava apenas livros de interesse teológico direto, que nada poderiam acrescentar ao desenvolvimento da ciência moderna. Basta examinar o Índex Librorum Prohibitorum para verificar que nele não consta nenhuma das obras de Copérnico, Kepler, Newton, Descartes, Galileu, Bacon, Harvey e tutti quanti.<br />
2 – Giordano Bruno foi um mártir da ciência, condenado pela Inquisição por defender teorias científicas. <br />
Comentário - Ele não foi condenado por defender teorias científicas, mas por prática de feitiçaria, que na época era crime (...). Para completar, a pesquisa histórica mais recente revelou que Bruno esteve muito provavelmente envolvido em atividades de espionagem contra a Igreja Católica.<br />
3 – A Inquisição instituiu a perseguição aos judeus. <br />
Comentário – As matanças de judeus, promovidas por devedores espertos ou por monges fanáticos, eram um hábito consagrado na Península Ibérica.<br />
4 – A Inquisição instituiu a tortura generalizada. <br />
Comentário – A tortura era considerada um procedimento legítimo e praticado em toda parte desde a Grécia antiga.<br />
5 – O processo de Galileu foi um caso de perseguição inquisitorial. <br />
Comentário – Bem ao contrário, o processo foi uma pizza, uma farsa concebida pelo Papa – padrinho de Galileu – para que seu protegido se livrasse de um grupo de inquisidores fanáticos mediante uma simples declaração oral sem efeitos práticos, após a qual ele pôde continuar divulgando suas idéias sem que ninguém voltasse a incomodá-lo.<br />
6 – A Inquisição espanhola foi um momento culminante da violência institucionalizada, comparável ao comunismo e ao nazismo. <br />
Comentário – Conversa mole. A Inquisição espanhola mandou executar, no total, não mais de 20 mil pessoas em quatro séculos, isto é, em média, quatro por ano.<br />
<br />
FONTE:<br />
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. De Epicuro à Ressureição de César: Ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. É Realizações Ltda. – 2 ed., São Paulo, 2004. – Pg. 35 (Nota de Rodapé).<br />
<br />
<br />
06/01/2010<br />
"...dos três regimes antigos, o primeiro - a monarquia - aparece dividido em dois no Espírito das Leis, sendo que um deles, a monarquia limitada, recebe elogios, e outro, o despotismo, críticas; e os dois outros regimes da tradição reduzem-se a gêneros do terceiro regime de Montesquieu, a república, que pode ser aristocrática ou democrática."<br />
"Montesquieu não é apenas um precursor da reflexão política do século XIX: é-o também da mais recente, de uma que ainda hoje está por se completar."<br />
"Um princípio, diz ele, é necessário para dar vida a cada estrutura de governo: na república será a virtude, na monarquia a honra, e no despotismo, o temor."<br />
"...nenhuma forma de governo - por dura que seja como a despótica - pode sobreviver sem um aval que lhe seja dado pelas paixões dos governados (...). Não há Estado, governo ou sociedade sem um contrato pelo qual, em algum momento, os homens teriam avalizado o poder que sobre eles seria exercido."<br />
"Montesquieu, porém, não é contratualista,"<br />
(Renato Janine Ribeiro ao apresentar O Espírito das Leis, de Montesquieu).<br />
<br />
FONTE:<br />
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O Espírito das Leis. Tradução: Cristina Murachco. - 3ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2005. - (Paidéia).<br />
<br />
Nota: os "momentos" abaixo já haviam sido postados por e-mail e, posteriormente transpostos para esta seção todos de uma só vez.<br />
<br />
I<br />
"...detesto o vulgo, a multidão não me contenta. Somente uma coisa me fascina: aquela em virtude da qual me sinto livre na sujeição, contente no sofrimento, rico na indigência e vivo na morte. Aquela em virtude da qual não invejo os que são servos na liberdade, sofrem no prazer, são pobres nas riquezas e mortos em vida, porque trazem no próprio corpo os grilhões que os prendem, no espírito o inferno que os oprime, na alma o erro que os debilita, na mente o letargo que os mata. Não há, por isso, magnanimidade que os liberte nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciência que os avive."<br />
<br />
(Giodano Bruno, 1548-1600, acusado de heresia e preso pelo Santo Ofício, reconhece os seus erros e parece livrar-se da fogueira. Mas, a pedido do papa, as autoridades venezianas, depois de alguma hesitação, o entregam ao tribunal da Inquisição de Roma. Fica encarcerado durante sete anos, negando-se a abjurar suas doutrinas, das quais não se retrata. Foi queimado em 1600.<br />
<br />
II<br />
"É muito difícil entender o que é falado. A cada passo, em nossa experiência diária, tomamos consciência disto. Frequentemente, depois de conversar por horas a fio com alguém, e de nos explicar e reesplicar por meio de expressões como "Não era bem isto que eu queria dizer", "o senhor não me entendeu", "não me exprimi com clareza", concluímos silenciosamente: "Quantos mal-entendidos em meio a tantas palavras!". É curioso. Parece que não deveria ser assim. Falamos a mesma língua. Usamos palavras que ambos conhecemos. E, a despeito disto, as significações não foram comunicadas. Por que? É que os sentidos não podem ser comunicados diretamente. Como bem observou Wittgenstein, "uma palavra tem o sentido que alguém lhe deu". "O sentido de uma palavra é o seu uso na linguagem". Para se entender não basta ler ou ouvir. É necessário descobrir o código segundo o qual as palavras são usadas".<br />
<br />
(Rubem Alves, ao apresentar A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO, de Feuerbach, Papirus, Campinas, SP, 1988).<br />
<br />
III<br />
"Quando o regente, por economia, vendeu a metade dos cavalos que ocupavam as estrebarias reais, François observou como teria sido mais sensato demitir metade dos burros que ocupavam a corte real. Por fim, todas as coisas espirituosas e maliciosas cochichadas em Paris eram atribuídas a ele; e o seu azar foi que entre elas estavam dois poemas acusando o regente de desejar usurpar o trono. O regente enfureceu-se; e encontrando-se com o jovem certo dia, no parque, disse-lhe: 'M. Arouet, eu aposto que posso vos mostrar uma coisa que nunca viu'. 'O que é?' 'O interior da Bastilha.' Arouet o viu no dia seguinte, 16 de abril de 1717".<br />
<br />
(Contexto: com a morte de Luís XIV, o Luís que o sucedeu era bastante jovem, tendo ocupado o comando da França um regente. Wil Durant está se referindo ao jovem de 21 anos, François Marie Arouet, que passou a adotar o pseudônimo de Voltaire - não se sabe bem porquê - durante os nove meses em que permaneceu na Bastilha).<br />
<br />
IV<br />
"Em 1715, orgulhoso de seus 21 anos, [Voltaire] foi para Paris, bem a tempo de presenciar a morte de Luís XIV. Como o Luís que o sucedeu era demasiado moço para governar a França, e muito menos Paris, o poder caiu em mãos de um regente; e durante esse quase interregno, a vida correu solta na capital do mundo, e o jovem Arouet correu com ela. Em pouco tempo, adquiriu a reputação de um jovem brilhante e imprudente. Quando o regente, por economia vendeu a metade dos cavalos que ocupavam as estrebarias reais, François observou como teria sido mais sensato demitir metade dos burros que ocupavam a corte real. Por fim, todas as coisas espirituosas e maliciosas cochicadas em Paris eram atribuídas a ele; e o seu azar foi que entre elas estavam dois poemas acusando o regente de desejar usurpar o trono. O regente enfureceu-se; e encontrando-se com o jovem certo dia, no parque, disse-lhe: 'M. Arouet, eu aposto que posso vos mostrar uma coisa que nunca viu'. 'O que é?' 'O interior da Bastilha.' Arouet o viu no dia seguinte, 16 de abril de 1717."<br />
<br />
Fonte:<br />
DURANT, WILL. História da Filosofia. Editora Nova Cultural. - São Paulo/SP, 1996, p. 203 (Os Pensadores).<br />
<br />
V<br />
Extraí de uma tradução portuguesa de Pedro Galvão, retirado de Obras sobre a Religião Natural, de David Hume (Lisboa: Gulbenkian, 2005), algumas proposições que julgo importantes repassar. Vejamos:<br />
<br />
"É uma incontestável questão de fato que, há cerca de mil e setecentos anos atrás, todos os seres humanos eram politeístas."<br />
"Quanto mais recuamos no passado, mais encontramos a humanidade imersa no politeísmo."<br />
"Os seres humanos dos tempos antigos, desde a época que a escrita e a história alcançam, parecem ter sido todos politeístas."<br />
"Parece certo que, segundo o progresso natural do pensamento humano, a multidão ignorante tem de aceitar uma noção servil e familiar dos poderes superiores antes de alargar essa concepção a esse Ser perfeito que ordenou toda a estrutura da natureza."<br />
"A mente avança gradualmente do inferior para o inferior."<br />
<br />
Fonte: <a href="http://criticanarede.com/html/rel_hume2.html">http://criticanarede.com/html/rel_hume2.html</a><br />
<br />
Nota: Normalmente, os pequenos excertos que envio ao grupo tem alguma relação direta com assuntos vistos durante o curso. Entretanto, se a algum membro da comunidade o assunto for estranho ou não interessar, basta desconsiderar.<br />
VI<br />
"A mais segura caracterização genérica da tradição filosófica européia é que ela consiste numa série de notas de rodapé a Platão."<br />
<br />
(Alfred North Whitehead, Process and Realitu: Na Essay in Cosmology; N. York, Free Press, 1978, p. 39, citado por Roberto Bolzani Filho).<br />
<br />
VII<br />
"O modo de conhecimento dessa realidade se expressa também na célebre alegoria da Caverna, que apresenta o processo de conhecimento das formas como um voltar-se para a luz da verdade, abandonando-se a escuridão ilusória do interior da caverna, onde sombras são erroneamente tidas como reais, para gradativamente, mediante um processo de reconhecimento das distintas formas de ser, alcançar-se a contemplação daquela forma suprema.<br />
Os livros centrais de A República (V, VI e VII)(...) contêm análises sobre a realidade e o modo de seu conhecimento(...). No Protágoras (...) um Sócrates ainda relativamente jovem dialoga com o já famoso sofista, a respeito da possibilidade do ensino da virtude. Sócrates inicialmente defende que ensinar virtude não é possível, enquanto seu interlocutor advoga a tese contrária. No fim do diálogo, uma aporia se instala: ambos acabam invertendo suas posições, e Sócrates constata que, antes de responder à questão sobre se a virtude pode ser ensinada, seria preciso responder à pergunta "o que é a virtude", aquela mesma questão fundamental que nos outros diálogos, como vimos, costumava propor."<br />
<br />
(Roberto Bolzani Filho, na Introdução de "A República").<br />
<br />
Obs: Por que escolhi esse pequeno excerto? Em conversa com um amigo do grupo (Alberto) fiz uma rápida exposição sobre mito da cerverna de Platão, mas para melhor ilustrar, com palavras mais bem trabalhadas, escolhi o texto acima.<br />
<br />
VIII<br />
"É preciso ler essas páginas [A República] em que se descreve a cidade justa, também com os olhos voltados para o contexto político da época - é preciso imaginar certas teses ali defendidas como propostas que Platão poderia considerar como aplicáveis numa cidade, ainda que de forma sempre imperfeita. Ao mesmo tempo que prescreve um ideal. A República comenta um estado de coisas vigente que certamente está na origem da reflexão do filósofo e que ele aspira, de algum modo, reformar(...). A República é a primeira das utopias políticas."<br />
<br />
(Roberto Bolzani Filho, na introdução de A República, Matins Fontes, São Paulo, 2006).<br />
<br />
IX<br />
"No fim do século XII e no princípio do século XIII, a geografia do além se transforma. Entre o Paraíso e o Inferno introduz-se um além duplamente intermediário, porque não durará mais do que o tempo da história e será absorvido pela eternidade: o Purgatório, onde os pecadores, depois da morte, podem expiar e reunir o restante de sua dívida penitencial, antes de ir ao Paraíso, pelos próprios sofrimentos sufrágios dos vivos."<br />
<br />
(LE GOFF, Jacques, La Naissance du Purgaitore, cit. em São Luís - Biografia, Rio de Janeiro, Record, 2002).<br />
<br />
X<br />
"...a metafísica de Platão, sua etérea doutrina das formas, ao estabelecer uma distinção ontológica entre os seres inferiores, sensíveis, e seres superiores, eternamente idênticos e inteligíveis, possibilita uma via para a supressão desse estado de coisas, que, a seus olhos, a sofística contribuiu para sedimentar, ensinando que qualquer tese, se bem defendida, mediante os mais eficazes preceitos de retórica, pode parecer ser o que não é.<br />
...........<br />
Platão acaba por estabelecer em A República uma estratégia associação entre a democracia e aquilo que, para ele e para muitos, está visceralmente ligado a ela: a sofística e a retórica.<br />
...........<br />
(...) Após construir sua cidade (...) Platão nos oferece (...) uma pequena história ideal do inevitável processo de degeneração a que ela estaria sujeita e da relação entre as tradicionais formas de governo que a ela se seguiriam, num processo crescente de corrupção, a cada uma delas correspondendo um tipo de alma."<br />
<br />
(Roberto Bolzani Filho, na introdução de A República, de Platão. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006).<br />
<br />
XI<br />
ARISTÓTELES, Metafísica. Por: Giovanni Reale.<br />
<br />
Ficha de Citações<br />
<br />
Prefácio<br />
<br />
“Platão (...) me ajuda muito mais a compreender Aristóteles do que Tomás de Aquino, porque Tomás o repensa teoreticamente em nova ótica e em nova dimensão.”<br />
<br />
“...a Metafísica de Aristóteles nasce de uma contínua discussão com o mestre e com a Escola dos Platônicos, tendo como pano de fundo justamente as doutrinas não-escritas.<br />
<br />
“Em quase todos os livros da Metafísica, encontramos uma espécie de luta de dois gigantes, com todas as conseqüências que daí derivam.”<br />
<br />
“...quem se dispõe a ler a Metafísica de Aristóteles sem possuir conhecimentos sobre Platão e sobre o platonismo corre o risco de compreender Aristóteles pela metade.”<br />
<br />
“No que se refere ao pensamento de um filósofo grego, particularmente o pensamento metafísico, só o método analítico não pode levar a conclusões definitivas.”<br />
<br />
“Platão (...) afirma, na República, que só quem sabe olhar para o todo, ou seja, para o conjunto, com um olhar sinótico, é dialético, ou seja, filósofo (...), enquanto quem não sabe fazer isso, não o é”.<br />
<br />
“O pensamento humano (...) não pode prescindir da metafísica, porque são de matriz metafísica as idéias com as quais as ciências constroem seus paradigmas científicos e as teologias buscam exprimir racionalmente os conteúdos da fé.”<br />
<br />
“...a Metafísica de Aristóteles é uma verdadeira mina para a reconstrução do pensamento dos filósofos anteriores e contemporâneos ao próprio Aristóteles.”<br />
<br />
“Aristóteles não escreveu seus tratados de metafísica para publicá-los, mas para ter apontamentos e material para suas lições e para seus alunos, dentro do Perípato.”Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-32004174833848720042010-01-05T10:29:00.002-03:002010-01-07T15:50:15.548-03:00Acervo Filosófico do Autor do BlogBIBLIOGRAFIA FILOSÓFICA<br /><br />Rinaldo de França Lima<br /><br />1. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da primeira edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi – 5ª Ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2007.<br /><br />ADORNO, Theodor W. Textos Escolhidos. Consultoria: Paulo Eduardo Arantes. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />ARISTÓTELES. A Política. Atena Editora – Tradução de Nestor Silveira Chaves – 5ª Ed. São Paulo.<br /><br />ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio Introdutório (Vol. I). Ensaio Introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução Marcelo Perine. Edições Loyola – São Paulo – 2005.<br /><br />ARISTÓTELES. Metafísica. Sumário e Comentário (Vol. III). Ensaio Introdutório , texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução Marcelo Perine. Edições Loyola – São Paulo – 2005.<br /><br />ARISTÓTELES. Metafísica. Texto grego com tradução ao lado (Vol II). Ensaio Introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução Marcelo Perine. Edições Loyola – São Paulo – 2005.<br /><br />ARISTÓTELES. Poética/Organon (VI Elencos Sofísticos)/Ética a Nicômaco. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo – 1996.<br /><br />BACON, Francis. Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza/Nova Atlântida. Tradução e Notas de José Aluysio Reis de Andrade. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />BENTHAM, Jeremy. (1748-1832). Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Tradução de Luiz João Baraúna. Sistema de lógica dedutiva e indutiva e outros textos / John Stuart Mill. Traduções de João Marcos Coelho, Pablo Rubén Mariconda. – 2. Ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1979. Coleção OS PENSADORES.<br /><br />BERTEN, André. Filosofia Política. Tradução de Márcio Anatole de Souza Romeiro. – São Paulo: Paulus, 2004. – (Coleção Filosofia.<br /><br />BRANQUINHO, João. Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos / João Branquinho, Desidério Murcho, Nelson Gonçalves Gomes, São Paulo : Martins Fontes, 2006.<br /><br />CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. De Epicuro à Ressurreição de César: Ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. Prefácio de Bruno Tolentino. É Realizações Ltda., São Paulo, 2004.<br /><br />CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o Homem: Introdução a uma filosofia da cultura humana. Tradução de Tomás Rosa Bueno. – São Paulo: Martins Fontes, 1995. – (Coleção Tópicos).<br /><br />CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Tradução de Álvaro Cabral; revisão técnica de Valério Rohden. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.<br /><br />CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Editora Ática S.A. São Paulo – 1994.<br /><br />CÍCERO, Marco Túlio. Da República. Coleção MESTRES PENSADORES. Editora Escala. Tradução de Amador Cisneiros. São Paulo.<br /><br />COGGIOLA, Osvaldo. Introdução à Teoria Econômica Marxista. Coleção Viramundo. São Paulo. 1998.<br /><br />COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva / Discurso Preliminar sobre o Conjunto do Positivismo / Catecismo Positivista. Tradução de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 2000.<br /><br />CONDILLAC, Étienne Bonnot de (1715-1780). Textos Escolhidos / Condillac, Helvétius, Digérando. 2. Ed. Tradução de Luiz Roberto Monzani. – São Paulo – Abril Cultural, 1979.<br /><br />COSSUTTA, Frédéric. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. Tradução: Angela de Noronha Begnami – ET. AL : Revisão da tradução e texto final Paulo Neves. – 2ª Ed. – São Paulo – Martins Fontes, - 2001. (Coleção Leitura e Crítica).<br /><br />COTTINGHAM, John, 1943. Dicionário Descartes. Tradução de Helena Martins; revisão técnica de Ethel Alvarenga; consultoria de Raul Landin. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.<br /><br />DERRIDA, Jacques. Do Espírito : Heidegger e a Questão. Tradução de Constança Marcondes Cesar. – Campinas, SP : Papirus, 1990.<br /><br />DESCARTES, Renê. Discurso do Método/As Paixões da Alma/Meditações/Objeções e Respostas. Coleção OS PENSADORES. Introdução: Gilles-Gaston Granger, Prefácio e Notas: Gérard Lebrun, Tradução: J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1996.<br /><br />DIDEROT. Textos Escolhidos. Tradução e notas de Marilena de Souza Chauí e J. Guinsburg. – São Paulo – Abril Cultural – 1979.<br /><br />DURANT, Will. A Filosofia de Emmanuel Kant. Coleção OS GRANDES FILÓSOFOS. Tradução de Maria Theresa Miranda. Editora Tecnoprint Ltda. – Rio de Janeiro – 19(??).<br /><br />DURANT, Will. A História da Filosofia. Coleção OS PENSADORES. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva – Editora Nova Cultural – São Paulo, 1996.<br /><br />DURANT, Will. OS GRANDES PENSADORES. Tradução de Monteiro Lobato. Oitava Edição. Companhia Editora Nacional – São Paulo – 1968.<br /><br />DURANT, Will. A Filosofia de Platão. Tradução de Maria Theresa Miranda. Edições de Ouro. Editora Tecnoprint S.A.<br /><br />FEUERBACH, Ludwig (1804-1872). A Essência do Cristianismo. Tradução e notas de José da Silva Brandão. – Campinas, SP : Papirus, 1988.<br /><br />FOLSCHEID, Dominique. Metodologia Filosófica / Dominique Folscheid, Jean´JacquesWunemburger; tradução Paulo Neves. – 3ª Ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2006 (Ferramentas).<br /><br />GALILEI, Galileu. O Ensaiador. Texto de Galileu: II Saggiatore. Tradução e notas de Helda Barraco. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />GARAUDY, Roger. Perspectivas do Homem: Existencialismo, Pensamento Católico, Marxismo. 2ª Ed. Tradução de Reinaldo Alves Ávila. Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de Janeiro – 1966.<br /><br />GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. Revisão da tradução: Carlos Eduardo Silveira Matos. – 2ª Ed. – São Paulo – Martins Fontes, 2007 (Paidéia).<br /><br />GUENANCIA, Pierre. Descartes. Tradução Lucy Magalhães. Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro, 1986.<br /><br />HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética (A idéia e o ideal), Estética (O belo artístico ou o ideal). Coleção OS PENSADORES. Tradução de Orlando Vitorino – Editora Nova Cultural, São Paulo, 1996.<br /><br />HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. Tradução de Maria Rodrigues e Hans Harden – Brasilia : Editora Universidade de Brasília, 1995.<br /><br />HEIDEGGER, Martin. Conferências e Escritos Filosóficos. Tradução e notas de Ernildo Stein. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1996.<br /><br />HOBBES DE MALMESBURY, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Coleção OS PENSADORES – Abril S.A., 1974.<br /><br />HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano / Ensaios morais, políticos e literários. Tradução de Anoar Aiex.- Coleção OS PENSADORES – Editora Nova Cultural – São Paulo, 1996.<br /><br />HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. 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Coleção OS PENSADORES. – Editora Nova Cultural – São Paulo, 1996.<br /><br />KANT, Immanuel. Primeiros Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza. Edições 70. Tradução de Arthur Mourão. Rio de Janeiro.<br /><br />KANT, Immanuel, 1724-1804. Escritos Pré-Críticos. Tradução de Jair Barboza...[et AL.]. – São Paulo: Editora UNESP, 2005.<br /><br />KIERKGAARD, Soren Aabye (1813-1855). Diário de um sedutor : Temor e Tremor : O desespero humano. Tradução de Carlos Grifo, Maria José Marinho, Adolfo Casais Monteiro. – São Paulo : Abril Cultural, 1979 (OS PENSADORES).<br /><br />KONDER, Leandro. O que é dialética. Revisão: Newton T. L. Sodré e José E. Andrade. 27ª Ed. – São Paulo, 1994.<br /><br />LAW, Stephen. Guia Ilustrado Zahar : Filosofia. Tradução de Maria Luíza X. de A. Borges. Revisão Técnica Danilo Marcondes. Rio de Janeiro – Jorge Zahar Ed, 2008.<br /><br />LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano. Coleção OS PENSADORES. Tradução de Luiz João Baraúna. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1996.<br /><br />LUTERO, Martinho. Da liberdade do cristão (1520): Prefácios à Bíblia. Tradução Erlon José Paschoal – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.<br /><br />MANNION, James. O livro completo da filosofia : entenda os conceitos básicos dos grandes pensadores: de Sócrates a Sartre. Tradução Fernanda Monteiro dos Santos. – 5ª Ed. – São Paulo – Madras, 2008.<br />MAQUIAVEL, Nicolau. Vida e Obra – Col. OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo, 1999.<br /><br />MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein – 2, Ed. – Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2000.<br /><br />MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política/Do Capital/O Rendimento e suas Fontes. Tradução de Edgard Malagodi. Colaboração de José Arthur Gianotti. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />MARX, Karl. O Capital. Edição Resumida. Resumo dos três volumes por Julian Borchardt. Tradução de Ronaldo Alves Schimidt. 2ª Ed. Zahar Editores – Rio de Janeiro – 1969.<br /><br />MARX, Karl. A Ideologia Alemã. Introdução de Jacob Gorender. Tradução de Luís Cláudio de Castro e Costa. – São Paulo : Martins Fontes, 1998. – (Coleção Clássicos).<br /><br />MOLINARO, Aniceto. Metafísica : Curso Sistemático. Tradução de João Paixão Netto, Roque Frangiotti – São Paulo : Paulus, 2002.<br /><br />MONDIN, Battista (1926). O Homem, quem é ele? Elementops de Antropologia Filosófica. – Ed. 4ª – Edições Paulinas – Tradução R Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari; revisão de Danilo Morales. – São Paulo: Edições Paulinas, 1980.<br /><br />MONTAIGNE, Michel de. Ensaios (Vol I). Coleção OS PENSADORES. Tradução de Sérgio Milliet. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 2000.<br /><br />MONTAIGNE, Michel de. Ensaios (Vol. II). Coleção OS PENSADORES.Tradução de Sérgio Milliet. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 2000.<br /><br />MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. 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Tradução de Carlos Lopes de Matos, Pablo Rubén Mariconda, Luiz João Baraúna, Marinela de Souza Chauí. – São Paulo : Abril Cultural, 1979.<br /><br />NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm (1944-1900). Além do Bem e do Mal. Tradução: Heloísa da Graça Burati – São Paulo : Rideel, 2005.<br /><br />NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Anticristo, Maldição do Cristianismo. Introdução de Mário Perniola. Tradução de Mário Fondelli. Edição Integral. Coleção CLÁSSICOS ECONÔMICOS NEWTON. Rio de Janeiro – 1996.<br />NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm (1844-1900). Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é. Tradução, organização e notas de Marcelo Backes. – Porto Alegre: L & PM, 2006.<br /><br />NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras Incompletas. Seleção de Textos de Gérard Lebrun. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. Posfácio de Antônio Cândido. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />OSBORNE, Richard. Filosofia para Principiantes. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. – 4ª Ed. – Rio de Janeiro:Objetiva, 1998.<br /><br />OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Seleção de textos e supervisão do Prof. José Cavalcante de Souza. Dados biográficos de Remberto Francisco Kuhnem. Tradução de José Cavalcante de Souza e outros. Coleção OS PENSADORES – Abril S.A. – São Paulo, 1973.<br /><br />PASCAL. Pensamentos Escolhidos. Editora Verbo. Lisboa, 1972.<br /><br />PECORARO, Rossano (org). Os Filósofos : Clássicos da Filosofia, V. I – De Sócrates a Rousseau, Petrópolis, RJ : Vozes: Rio de Janeiro : PUC-Rio, 2008. Vários Autores.<br /><br />PECORARO, Rossano (org.). Os Filósofos : Clássicos da Filosofia, Vol. II – De Kant a Popper, Petrópolis, RJ : Vozes: Rio de Janeiro : PUC-Rio, 2008.<br /><br />PECORARO, Rossano (org.). Os Filósofos : Clássicos da Filosofia, Vol. III – De Ortega y Gasset a Vattimo, Petrópolis, RJ : Vozes; Rio de Janeiro : PUC-Rio, 2009.<br /><br />PEIRCE, Charles Sanders. Escritos Coligidos. Seleção de Armando Mora D’Oliveira. Tradução de Armando Mora D’Oliveira e Sérgio Pomerangblum. FREGE, Gottlob. Sobre a justificação científica de uma conceitografia / Os fundamentos da aritmética. Seleção e tradução de Luís Henrique dos Santos. Coleção OS PENSADORES. Abril S.A., São Paulo, 1974.<br /><br />PHILIPPE, Marie-Dominique. Introdução à Filosofia de Aristóteles. Tradução Gabriel Hibon – São Paulo : Paulus, 2002 (Filosofia).<br /><br />PIERUCCI, Antônio Flávio. O Desencantamento do Mundo: todos os passos do conceito em Max Weber – São Paulo:USP – Ed. 34, 2003.<br /><br />PLATÃO. A República: ou sobre a justiça, diálogo político. Tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado; revisão técnica e introdução Roberto Bolzani Filho. São Paulo : Martins Fontes, 2006.<br /><br />PLATÃO. Defesa de Sócrates/Xenofonte/Ditos e Feitos/Memoráveis de Sócrates/Apologia de Sócrates/Aristófanes/As Nuvens. Coleção OS PENSADORES. Tradução de Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade, Gilda Maria Reale Strazynski. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1996.<br /><br />PLATÃO. Diálogos (Eutífron ou Da Religiosidade, Apologia de Sócrates. Críton ou Do Dever, Fédon ou Da Alma). Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1996.<br /><br />RIBEIRO, Renato Janine. Ao leitor sem medo. Hobbes escrevendo contra o seu tempo. Editora da UFMG – 1999.<br /><br />ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens/Discurso sobre as Ciências e as Artes (Vol. II). Coleção OS PENSADORES. Tradução de Lourdes Santos Machado. Introduções e notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social/Ensaio sobre a Origem das Línguas (Vol. I). Tradução de Lourdes Santos Machado. Introduções e notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.<br /><br />RUSSEL, Bertrand. 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Nietzsche (1844-1900) em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane; consultoria: Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.<br /><br />STRATHERN, Paul. Hegel (1770-1831) em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane; consultoria: Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.<br /><br />STRATHERN, Paul. Descartes (1595-1690) em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane; consultoria: Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.<br /><br />STRATHERN, Paul. Aristóteles (384-322 a. C.) em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane; consultoria: Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.<br /><br />VALÉRY, Paul (apresentador). O Pensamento Vivo de Descartes. Tradução de Maria de Lourdes Teixeira. Coleção PENSAMENTO VIVO. Edição Especial para Livraria e Editora Waldré. Livraria Martins Editora. Editora da Universidade de São Paulo – São Paulo – 1981.<br /><br />VICO, Giambattista. (1668-1744). 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Tradução de José Marcos Mariani de Macedo : revisão técnica e edição de texto, apresentação, glossário, correspondência vocabular e índice remissivo: Antônio Flávio Pierucci. – São Paulo : Companhia das Letras, 2004.<br /><br />WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. Coleção OS PENSADORES. Editora Nova Cultural Ltda. – São Paulo – 1999.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-50877230787835022242010-01-02T00:10:00.004-03:002010-01-08T10:31:48.451-03:00Filosofia Medieval<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW2sg3yZg8VDXcsvruq4eHjjVmg2KnxOVL74sr-PC_fGlglNUAoVFpClebTLfpsTQ6AhXJ48UUnY1Jof2s7Ns2djAMGGIqoUS7HFPUqatlKSRJbv63Td2-gxAF3PybW7Lfy3IIkQ4B_zdy/s1600-h/SANTO+AGOSTINHO.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 95px; height: 124px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW2sg3yZg8VDXcsvruq4eHjjVmg2KnxOVL74sr-PC_fGlglNUAoVFpClebTLfpsTQ6AhXJ48UUnY1Jof2s7Ns2djAMGGIqoUS7HFPUqatlKSRJbv63Td2-gxAF3PybW7Lfy3IIkQ4B_zdy/s200/SANTO+AGOSTINHO.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424361072513755378" /></a><br />A natureza do livre-arbítrio em Agostinho a partir da citação: “Se possível, explica-me agora a razão pela qual Deus concedeu ao homem o livre-arbítrio da vontade, já que, não o houvesse recebido, o homem certamente não teria podido pecar”.<br /> Rinaldo de França Lima <br /><br />Resumo: Este trabalho visa analisar a natureza do Livre-Arbítrio em Santo Agostinho de Hipona, a partir da citação: “Se possível, explica-me agora a razão pela qual Deus concedeu ao homem o livre-arbítrio da vontade, já que, não o houvesse recebido, o homem certamente não teria podido pecar”. Visa, também, tecer considerações sobre a origem do mal a partir das concepções de Santo Agostinho e, por fim, levantar algumas questões sobre a natureza do livre-arbítrio.<br />Palavras-chave: Livre-Arbítrio. Vontade. Deus. Pecado.<br />1. Introdução<br />Trata o presente trabalho sobre um dos principais pontos da extensa obra de Santo Agostinho, mais precisamente sobre algumas questões suscitadas a partir da análise de uma indagação feita por um amigo do Santo de Hipona em uma célebre “batalha dialética” entre os dois, indagação esta que pede uma explicação que justifique Deus ter concedido ao homem o Livre-Arbítrio da vontade, já que, casa não o tivesse dado, o homem não teria podido pecar.<br />Todos nós, seres humanos, somos o resultado do meio em que vivemos, da época em que vivemos e das experiências que vivenciamos no decorrer de nossas vidas. Da mesma forma, também tudo o que criamos, que produzimos sofre a inevitável influência das somas das circunstâncias que determinam nossa existência. Com Santo Agostinho não poderia ser diferente no campo da filosofia. É possível que em alguns casos, a vivência de um filósofo produz um resultado contrário àquilo que ele viveu, e ainda que sirva para negar a validade daquilo que ele acreditou, ainda assim, ele não terá deixado de contribuir para o progresso do pensamento humano.<br />Já se disse que a filosofia é produto da angústia, e Santo Agostinho era um homem angustiado – o episódio do roubo das peras em sua adolescência, o atormentaria para o resto de sua vida. Na verdade, a sua inquietude de idéias é que foi o motivo maior para a sua conversão e também para a produção de sua prodigiosa obra filosófico-teológico-literária, sem contar a forte influência materna que sofrera.<br />Desta forma, com o intuito de apresentar minha modesta contribuição para o entendimento do pensamento de Santo Agostinho, é que a partir das próximas páginas lanço-me ao desafio de tecer meu trabalho sobre a natureza do livre-arbítrio na perspectiva agostiniana e, obviamente, expondo, também, o meu olhar.<br />2. Desenvolvimento<br /> O livro II, que trata da existência de Deus, começa com a indagação de Evódio, sobre a qual passarei em seguida a dissertar sobre a natureza do livre-arbítrio em Santo Agostinho. Pergunta Evódio: “Se possível, explica-me agora a razão pela qual Deus concedeu ao homem o livre-arbítrio da vontade, já que, caso não o houvesse recebido, o homem certamente não teria podido pecar”. <br /> Antes de entrar na resposta à questão proposta, necessário se faz uma contextualização da doutrina do Livre-Arbítrio. Esta se origina fundamentalmente da constante preocupação de Santo Agostinho com problemas práticos e complexos como o mal principalmente, a liberdade, a graça a qual chegou ao encontro pelo caminho da interioridade, e a predestinação.<br /> Na obra em discussão, Santo Agostinho trava diálogos à maneira platônica com Evódio, um amigo seu, e esta obra tem como pano de fundo o problema da liberdade humana e da origem do mal moral, problema com o qual ele se preocupava desde sua adolescência. Agostinho não aceitava determinadas situações e sofria com a idéia de que Deus fosse a causa do pecado. E no Livre-Arbítrio deixa evidente que Deus não nos induz a cometer o mal, mas nos dá a liberdade de escolha entre fazer o bem e fazer o mal.<br /> Agostinho foi profundamente impressionado pelo problema do mal. Foi também de certa forma prejudicado pela solução dualista fornecida pelos maniqueus, na medida em que lhe impedia o conhecimento do justo conceito de Deus e da possibilidade da vida moral. A solução deste problema por ele encontrada foi a sua libertação e a sua grande descoberta filosógico-teológico, e marca uma diferença fundamental entre o pensamento grego e o pensamento cristão. Antes de tudo, Agostinho nega a realidade metafísica do mal. O mal, para ele, não é ser, mas privação do ser, como a treva é a ausência da luz. Tal ausência é imprescindível em todo ser que não seja Deus. Resumindo a doutrina de Agostinho acerca do mal, podemos dizer que este é, fundamentalmente, a privação do bem. Este bem pode ser não devido ou devido a uma determinada natureza. Se esse bem é devido nasce o verdadeiro problema do mal. A solução do problema passa a ser estética para o mal físico, mora para o mal moral.<br /> A grande questão milenar que faz os teólogos e mesmo os leigos perderem o sono é a seguinte: se Deus é onisciente e todo-poderoso, como relacionar tal proposição com a noção do livre-arbítrio e da existência do mal no mundo? Se Deus sabe com antecedência como os indivíduos se comportarão e permite que assim ajam, então ele permite que o mal exista. Neste caso, os homens não deveriam ser responsabilizados por seus atos, pois tais ações existiriam na mente de Deus muito antes da criação dos homens.<br /> O argumento de Agostinho é o de que a sabedoria infinita de Deus e sua onisciência não possuem nenhuma influência em nosso livre-arbítrio. A responsabilidade pessoal governa a condição humana. Ainda assim, Deus nos guia, bastando para isso que nós o busquemos. Por esse motivo, podemos ser apenas parcialmente responsáveis quando praticamos o bem e assumimos toda a culpa quando fazemos o mal.<br /> Voltando ao cerne da questão, ou seja, a natureza do livre-arbítrio, percebemos que o próprio tom do diálogo denota questionamentos que no mínimo sugerem dúvidas, o que em si já é um prenúncio de que contradições existem. Ora, se Deus nos concedeu a vontade livre para fazer o bem, por que desviamos essa vontade e fazemos o mal? Pergunta Evódio se foi um bem ou não o livre-arbítrio nos ter sido dado, argumentando que “se é incerto ela nos ter sido dada [...], tampouco é certo que seja um bem ela nos ter sido dada”. Continua Evódio: “Não é igualmente certo que seja Deus o doador”. E conclui: “A incerteza sobre a conveniência do dom torna incerta a origem, isto é, o fato de ser Aquele a quem não nos é permitido crer que conceda algo que não deveria ter concedido”.<br /> Podemos começar dizendo que a natureza do livre-arbítrio é espiritual. Agostinho nos lembra (pg. 135) que “a natureza corpórea é de grau inferior à natureza espiritual”. Daí que, diz ele, “o espírito é um bem maior que o corpo”. Para Agostinho, ninguém pode viver com retidão sem o livre-arbítrio. “A vontade livre, segundo ele, é um bem e um dom de Deus, e que é preciso condenar aqueles que abusam desse bem, em vez de dizer que o doador não deveria tê-la dado a nós”.<br /> Em seguida, Agostinho vai dizer que o livre-arbítrio não é o bem mais perfeito. E que “não somente os grandes bens, mas também os pequenos, só podem provir daquele por quem existem todos os bens, isto é, de Deus”. Para ele, Deus pôs à nossa disposição não somente grandes bens, mas também bens médios e bens inferiores. O livre arbítrio pode servir ora para o bem, ora para o mal. Daí mais um caráter controverso do livre arbítrio: a ambigüidade. Agostinho chega a admitir ser a livre vontade, apesar de não ser o melhor que Deus podia nos oferecer, melhor do que se não tivesse nos dado.<br /> Para Agostinho, quando a vontade adere ao bem imutável, ou seja, a Deus, o homem possui vida feliz. Conta-nos que os bens desejados pelos pecadores não são maus. Também não é má a vontade livre do homem. O mal, para ele, “consiste na aversão da vontade ao bem imutável para se converter nos bens transitórios”. <br /> Em seu capítulo 20, Livro 2, conclui Agostinho que o mal se origina da deficiência do livre arbítrio. Analisemos a questão. Destaco os pontos chaves dessa última parte do livro II, entretanto não vejo Agostinho fechar questão sobre a natureza do livre arbítrio. Por exemplo, quando pergunta se se pode acusar Deus como o autor do pecado, ele mesmo responde categoricamente “Não”, argumentando que “não se pode conhecer o que é simplesmente nada”, ou seja, não pode existir realidade alguma que não venha de Deus e, se o mal é a ausência total do bem, Deus não pode ser responsabilizado por ele. Segundo Agostinho, “a um ser ao qual for retirado completamente três elementos fundamentais – medida, número e ordem -, neste nada restará. Ao contrário, diz ele, “em toda parte onde se encontrarem esses três elementos, existe a perfeição plenamente realizada. De acordo com suas palavras, “se acontecesse a supressão total do bem, o que restaria não é um quase nada, mas sim um absoluto nada.”<br /> Próximo à sua conclusão, ainda nos diz que não existe realidade alguma que não venha de Deus, e que, de onde pode proceder o movimento de aversão, que constitui o pecado, ele não vem de Deus.<br /> Findo o capítulo, Agostinha mostra-se seguro sobre a origem do pecado, entretanto Evódio não se dá por convencido, combinando os dois retomarem a discussão em diálogo futuro.<br /> Entretanto, a meu ver, algumas questões sobre o livre arbítrio precisam ser aqui colocadas, posto que se revestem de capital importância no que concerne à doutrina de Agostinho. <br /> Se aceitarmos que o homem está numa situação de neutralidade, ou seja, podendo escolher livremente entre fazer o bem ou o mal, isso implica pelo menos em três ou quatro situações de clara contradição, senão vejamos: a) o homem tem pelo menos um mérito em sua salvação, pois afinal de contas a escolha foi dele, todavia esta conclusão entra em choque com a teoria da graça, segundo a qual o homem não tem qualquer mérito em sua salvação; b) o homem não está condenado ao inferno até o momento em que optar se deseja aceitar o Cristo ou não, só se tornando perdido a partir do momento em que renegar livremente o Evangelho. Se assim for, será melhor para ele que não lhe seja pregado evangelho algum. Podemos imaginar culturas diferentes, muitas delas que sequer têm conhecimento de tais religiões. Em tais situações, obviamente, ninguém estaria condenado a arder no inferno de Dante. Portanto, quando um homem desses tiver que se apresentar no Juízo Final, poderá argumentar que não pode ser condenado visto que não lhe foi pregado Evangelho algum. Por essa perspectiva, a pregação do Evangelho pode se tornar até um grande risco, pois poderá levar o homem para o caminho da perdição; c) caso a resposta seja que o homem não tem acesso aos Evangelhos, por exemplo, que é inimigo de Deus e que a sua natureza pecaminosa o leva a ser escravo do pecado e das paixões carnais, como entender que ele possa escolher livremente o bem e o evangelho se a Escritura diz que a tendência da carne é para o pecado? Estas são algumas questões que são levantadas diante da situação do homem frente ao bem e o mal.<br /> Outra questão é: se existe o livre arbítrio, todos os homens são livres em suas vontades. Portanto, ninguém, nem mesmo Deus, pode forçá-los a fazer qualquer coisa que eles não queiram. Ora, se a verdade humana é livre então ela é inviolável. Então, como justificar situações como, por exemplo, diante do texto de Jonas, que mostra como o profeta fugiu da sua missão, mas Deus o levou a cumpri-la, mesmo contra sua vontade? Como falar de livre-arbítrio se em casos como estes e outros relatos bíblicos, o homem não fez a sua vontade, mas a vontade de Deus? Ora, se a vontade humana é livre, então, é inviolável, mas neste caso ela foi violada. Portanto, não é livre.<br /> Mais outra questão se nos apresenta: e se ao homem é concedido o livre-arbítrio, qual o sentido de se orar por sua conversão? Se, como diz Agostinho, a decisão é do homem e totalmente livre da influência de Deus, se é ele que decide por si próprio, para que orar pedindo a sua conversão, uma vez que Deus não pode obrigá-lo a decidir-se? Afinal de contas, a decisão cabe ao homem e não a Deus.<br /><br />3. Conclusão<br />O Deus, como concebemos, ou seja, cristão, ocidental, é descrito como perfeito e bom, onisciente e onipresente. Se tudo isso for verdadeiro, podemos imaginar que Deus não só quer eliminar o mal, como é capaz de fazê-lo. Mas, isso nos leva a indagar: então, por que existe o mal? Seria porque Deus não existe? Quem poderá responder tal questão? Só Deus!<br />Tentemos entender o argumento. Primeiramente, a que a palavra mal está se referindo? Regra geral, o termo é usado para significar atos ou motivos moralmente errados, que podemos descrever como mal moral. Aqui neste argumento está incluso o sofrimento que não decorre de situações não morais, como o causado por catástrofes como terremotos, secas, doenças em geral, o sofrimento dos animais em seus habitats, quando necessitam eliminar outros animais a fim de manter sua sobrevivência, etc.<br />Para que a existência do mal seja incompatível com a existência de Deus, devemos supor, ainda, que sendo Deus bom, Ele tem o desejo de eliminar o mal do mundo. Mas, se algum mal for realmente necessário, como por exemplo, as doenças, se não sentíssemos dor, como poderíamos aprender a lidar com ela? Nesses casos, a nossa suposição de que Deus teria que eliminar todo o mal não faria sentido.<br />Alguns teóricos dizem que algum mal é necessário para fazer do mundo um lugar bom e agradável de viver. Esses mesmos estudiosos poderiam argumentar que não poderíamos mensurar o que é bom se não pudéssemos comparar o bem com o mal.<br />São tantas as discussões a respeito do mal, tantas as contradições sobre o livre-arbítrio que, se tivéssemos de buscar tudo o que se escreveu e se pensou a respeito, incontáveis páginas seriam escritas. Todavia, limitei-me ao mínimo possível, visto que o espaço a mim concedido para o presente trabalho não contempla um volume maior de páginas.<br />Para encerrar a discussão sobre o mal, utilizo-me das palavras de Stephen Law em seu Guia Ilustrado Zahar Filosofia: “Uma teodicéia é uma argumentação que tenta justificar o mal, tornando-o compatível com a existência de um Deus onipotente, onisciente e bom. A abordagem do mal necessário é uma teodicéia, tal como a proposição de que ele resulta de nosso livre-arbítrio e a idéia de que é essencial para nosso crescimento moral e espiritual. Teodicéias precisam conseguir mostrar que este é o melhor dos mundos possível: que menos mal levaria à perda de um bem substancial”.<br />Finalmente, podemos dizer que o mal é causado pela maneira como exercemos o nosso livre-arbítrio. Deus no-lo concedeu como sendo algo muito bom. Entretanto nós, criaturas moralmente imperfeitas que somos, nem sempre o usamos para o bem e, por muitas vezes, o utilizamos para fazer o mal. Mas, como diz a argumentação de Agostinho, ainda é melhor ter o livre-arbítrio e causar o mal devido a decisões erradas do que não o ter.<br />Para Agostinho. A teodicéia acima descrita não justifica apenas o mal moral. Para ele, também o mal natural resulta do mal moral. O pecado original cometido por Adão e Eva levou à queda, que alterou a natureza e a vida dos homens para todo o sempre. Como conseqüências da queda sobrevieram a discórdia entre os homens, as dores do parto e todas as adversidades que devemos suportar para sobreviver. Todo o mal, seja ele natural ou moral, foi causado pelo livre-arbítrio do homem, disso está convencido Santo Agostinho. Entretanto, nosso livre-arbítrio não pode ser literalmente a causa do mal natural, e mesmo que fosse pareceria excessivamente injusto. Afinal, por que crianças e animais deveriam sofrer as causas de uma decisão tomada num passado remoto por duas pessoas? O livre-arbítrio pode ser um grande bem, entretanto isso não significa que nunca devamos influir nele. “Não apelamos para o valor do livre-arbítrio de um assassino para justificar nada fazer para detê-lo. Por que, então, Deus o faria? Alguns respondem que Deus teria de interferir tantas vezes para evitar o mal que causamos que isso solaparia a própria essência de nosso livre-arbítrio” (LAW : 2008, PG. 155).<br /><br />4. Referências<br />AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. São Paulo. Paulus. 1995 (Patrística).<br />LAW, Stephen. Guia Ilustrado Zahar: Filosofia. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed. 2008.<br />MANNION, James. O livro completo da filosofia: entenda os conceitos básicos dos grandes pensadores: de Sócrates a Sartre – 5. Ed. – São Paulo : Madras, 2008.<br /><br /><br />Crítica de Santo Tomás de Aquino ao argumento ontológico de Santo Anselmo de Cantuária, levando-se em consideração as cinco provas da existência de Deus e o problema da verdade em Aquino.<br /><br />1. PARTE I: Os principais pontos do argumento ontológico de Anselmo de Cantuária.<br /><br />Étienne Gilson assim começa por definir o espírito de Anselmo de Cantuária: “...espírito de um vigor e de uma sutileza dialética raros. Nutrida do pensamento de santo Agostinho, sua obra apresenta no estado de implicação e de indicação várias idéias que se desenvolverão mais tarde e excede em todas as direções o argumento ontológico a que se parece praticamente reduzi-la” (Gilson, 2007, p. 291).<br />É ainda que assim se reporta a Cantuária: “Anselmo toma nitidamente consciência da atitude que adota no que concerne às relações entre a razão e a fé. O Monologium foi escrito especialmente a pedido de certos monges de Bec, que desejavam um modelo de meditação sobre a existência e a essência de Deus, em que tudo seria provado pela razão e em que absolutamente nada seria baseado na autoridade da Escritura (Gilson, 2007, p. 292).<br />Para Anselmo, duas fontes de conhecimento estão à disposição dos homens: a primeira é a razão; a segunda, a fé. A fé é para o homem, segundo ele, o dado de que este deve partir. E completa Gilson: “O fato que o homem deve compreender e a realidade que sua razão pode interpretar lhe são fornecidos pela revelação; não se compreende para crer, mas, ao contrário, crê-se para compreender” (Gilson, 2007, p. 291). Em uma palavra: a inteligência pressupõe a fé.<br />Diz ainda Gilson que “entre a fé e a visão beatífica a que todos aspiramos, há neste mundo um intermediário, que é a inteligência da fé. Compreender sua fé é aproximar-se da própria visão de Deus. A ordem a observar na busca da verdade é, pois, a seguinte: primeiro crer nos mistérios da fé antes de discuti-los pela razão; depois esforçar-se por compreender aquilo em que se crê. Não dar precedência à fé, como fazem os dialéticos, é presunção; não apelar em seguida para a razão, como nos proíbem seus adversários, é negligência” (Gilson, 2007, pg. 292).<br />Segundo Gilson, Santo Anselmo não recuou diante da tarefa de demonstrar a necessidade da Trindade e da Encarnação, tarefa que Santo Tomás de Aquino declara contraditória e impossível. Anselmo fez, portanto, com a técnica filosófica de que dispunha naquela época, o que Tomás de Aquino iria refazer no século XIII com uma técnica filosófica enriquecida pela descoberta da obra inteira de Aristóteles (Gilson, 2007, p. 293).<br />A parte mais fecunda e mais forte da obra de santo Anselmo consiste, segundo Gilson, “em suas demonstrações da existência de Deus. Inspiradas em Santo Agostinho, elas superam, porém, as provas agostinianas pela solidez e o rigor de sua construção dialética” (Gilson, 2007, 294).<br />Seu argumento ontológico e sobre o qual nos debruçaremos durante esta primeira parte é, literalmente: “Há um ser primeiro, superior a tudo o que existe, e é esse ser a que chamamos Deus”. Para ele, uma só hipótese permanece inteligível: a de que tudo o que existe, existem em virtude de uma só causa, e essa causa que existe por si é Deus. Anselmo está preocupado em fornecer provas tão manifestas quanto possível da existência de Deus, e que se impõem como que pó si mesmas ao assentimento de nosso espírito (Gilson, 2007, p. 296).<br />É importante neste ponto a interpretação de Étienne Gilson acerca do argumento ontológico de Anselmo. Diz-nos Gilson que Anselmo “apenas leva ao extremo esse caráter da prova, coroando as demonstrações precedentes com o argumento ontológico desenvolvido no Proslogium. As três provas anteriores são demasiado complicadas, ainda que demonstrativas; ele precisa de uma só prova, que baste a si mesma e da qual decorra, ao contrário, necessariamente, todo o resto”. E continua: “Essa prova parte da idéia de Deus que nos é fornecida pela fé e resulta, conforme o método de Anselmo, na inteligência desse dado da fé. Cremos que Deus existe e que ele é o ser tal que não se pode conceber um maior que ele”. <br />Em outras palavras, a tentativa de mostrar que é racional crer em Deus tem uma longa história. Santo Anselmo afirmou que podemos inferir que Deus existe da mera idéia de Deus, ou seja, apenas pensando sobre o que Deus é, podemos concluir que ele deve existir. Analisemos a sua silogística: primeira premissa, Deus é um ser tão grande que maior não pode ser concebido; segunda premissa, Deus pode ser concebido como mera idéia ou como realmente existindo; conclusão, existir é maior do que não existir, logo, Deus deve existir. Este é exatamente o argumento ontológico de Santo Anselmo de Cantuária. Entretanto, Gaunilo, um monge que viveu no século XI, refutou esse argumento. Usou o argumento da ilha pefeita, “tão excelente que melhor não pode ser concebida”. Portanto, essa ilha deve existir, porque seria menos excelente se não existisse. Mas isto é absurdo. É claro que tal ilha não existe. Não se pode concluir a existência de algo da idéia de que esse algo é perfeito. Santo Anselmo estava ciente do problema e contra-argumentou que o argumento ontológico funciona apenas para Deus, visto que a relação entre Deus e a grandeza ou perfeição é única.<br />Continuando a exposição sobre o argumento ontológico de Anselmo, Gilson nos diz que “uma coisa pode existir numa inteligência sem que essa inteligência saiba que a coisa existe: quando um pintor imagina a obra que fará, ele a tem em sua inteligência, mas não conhece a sua existência, pois ainda não a fez; quando executou seu quadro, ao contrário, tem sua obra em sua inteligência e conhece a sua existência, pois já a realizou. Portanto, pode-se convencer o próprio insensato de que, ao menos em seu espírito, há um ser tal que não se possa conceber outro maior, porque, se ele ouve essa fórmula, ele a compreende e porque tudo o que se compreende existe na inteligência” (Gilson, 2007, p. 297). Continuemos com o argumento ontológico de Anselmo pela visão de Gilson: “O que é tal que não se pode conceber nada maior não pode existir apenas na inteligência. De fato, existir na realidade é ser maior do que existir na inteligência apenas. Portanto, se o ser que é tal, que não se pode conceber nada maior existe apenas na inteligência, diz-se que aquilo que não se pode conceber nada maior é aquilo que se pode conceber algo maior, o que é contraditório. O ser tal que não se pode conceber outro maior existe, pois, indubitavelmente, tanto na Inteligência como na realidade.” (Gilson, 2007, p. 297).<br />Ainda em plena Idade Média o argumento ontológico de Anselmo foi contestado. Ainda em vida, segundo Gilson, Anselmo encontrou na pessoa do monge Gaunilo um penetrante contraditor. Gaunilo objetava que não se pode basear na existência do pensamento para daí inferir a existência fora do pensamento, ao que Anselmo respondeu que “a passagem da existência no pensamento à existência na realidade só é possível e necessária quando se trata do ser maior que se possa conceber e é próprio apenas de Deus que não se possa pensar que ele não existe”. (Gilson, 2007, p. 298).<br />Ainda que se recuse a prova como tal, reconhecer-se á, sem dúvida, diz-nos Gilson, que “Santo Anselmo viu justo ao sublinhar a força irresistível com a qual a noção de ser absoluto, isto é, tal que não se possa conceber outro maior, pede, de certa forma, a colocação da sua existência pelo pensamento que o concebe” (Gilson, 2007, 298).<br />Conta-nos Gilson que a doutrina de Anselmo foi retomada ao longo do séculos por vários pensadores, entre os quais se destacam São Boaventura, Descartes, Leibniz e Hegel, sendo que cada um retomou-a a sua maneira, mas Tomás de Aquino, Locke e Kant a rejeitaram, cada um também à sua maneira, entretanto, o que há de comum em todos aqueles que a admitem é a identificação da existência real com o ser inteligível concebido pelo pensamento. O que têm em comum todos os que condenam seu princípio é a recusa de colocar qualquer problema da existência à parte de um dado empiricamente existente, assinala Gilson (Gilson, 2007, p. 299).<br />É importante que se destaque como Santo Anselmo chegou ao seu argumento ontológico. Ele parte da idéia da existência das idéias gerais. Ele insiste na realidade dos gêneros e das espécies, a ponto de fazer do realismo uma condição necessária da ortodoxia teológica (Gilson, 2007, p. 302). Para ele, se sequer se compreende como vários homens podem [...] formar um só homem, compreender-se-á menos ainda como um só Deus pode consistir em três pessoas distintas” (Gilson, 2007, p. 302). Esta realidade atribuída às idéias gerais é, de resto, um dos elementos que orientaram o pensamento de santo Anselmo para a descoberta do argumento ontológico e que lhe permitiram argumentos diretamente sobre os graus de perfeição para se elevar a Deus (Gilson, 2007, p. 302). Ou seja, a idéia do ser mais perfeito que se possa conceber nos introduz de saída numa certa ordem de realidade.<br />Para concluir a exposição sobre o argumento ontológico de Anselmo de Cantuária, utilizo-me das palavras de Étienne Gilson, para quem toda coisa é verdadeira enquanto é o que deve ser segundo sua idéia em Deus. A verdade é a conformidade do que existe à regra que fixa o que deve ser, e como essa regra é sempre, afina de contas, a essência criadora, Santo Anselmo conclui que só há uma verdade de tudo o que é verdadeiro, ou seja, Deus (Gilson, 2007, p. 303).<br />As teses de Anselmo sondam profundamente os problemas que tocam. Sua teologia estava avançada em relação à teologia de caráter ainda patrístico que Abelardo iria propor (Gilson, 2007, p; 303). O que mais falta a essa doutrina, conclui Gilson, “é uma filosofia de natureza densa o bastante para equilibrar a atordoante virtuosidade dialética de seu autor. [...] Toda a obra de Santo Anselmo é um diálogo entre a lógica e a revelação cristã. Portanto, não causará espécie que ela tenha uma importância capital para a história da teologia; mas, se o interesse que apresenta para a história de filosofia é mais limitado, aqui ela ganha em profundidade o que perde por extensão. A prova da existência de Deus tirada apenas da sua idéia foi e continua a ser uma dessas experiências metafísicas de que se pode dizer que nascem eternas, porque atingem o termo final de um dos caminhos que o espírito humano pode seguir (Gilson, 2007, p. 303).<br /><br />2. PARTE II: Crítica de Tomás de Aquino a Anselmo de Cantuária.<br />Alberto Magno era o aristotélico mais eminente entre os filósofos de sua época. É sob a orientação dele que Tomás de Aquino vai permanecer por muitos anos, até que, em 1256, obtém o grau de mestre e licença para ensinar.<br />Enquanto o pensamento de Santo Agostinho representa o desenvolvimento de uma filosofia cristã baseada em Platão e no neoplatonismo, São Tomás de Aquino resgata a filosofia de Aristóteles, mostrando ser possível desenvolver uma leitura do estagirita compatível com a fé cristã. <br />Sua principal contribuição à filosofia se encontra nas grandes sínteses das principais questões filosóficas e teológicas da época: a Suma contra os gentios e a Suma Teológica.<br />Ao contrário de Anselmo de Cantuária, para quem “É preciso crer para entender”, Tomás de Aquino está convencido de que é a razão que procura demonstrar racionalmente aquilo que a fé revela, sendo portanto um caminho para a fé.<br />As “cinco vias” consistem em cinco grandes linhas de argumentação por meio das quais se pode provar a existência de Deus. A importância de seus argumentos reside na suposição de se chegar ao entendimento de Deus, mesmo que de forma parcial e indireta, a partir da consideração do mundo natural, do universo, entendido como criação divina. Seria possível, desta forma, reconhecer através da razão, as marcas do Criador em sua Criação.<br />Cabe aqui enfatizar a influência do pensamento aristotélico na filosofia de São Tomás, refletida nas referências feitas pelo santo aos tratados de Aristóteles sobre Física (para a discussão sobre a natureza do movimento na primeira via); sobre Metafísica (para a discussão sobre causa eficiente na segunda via); e também sobre seu emprego de conceitos aristotélicos como os de necessidade, existência, finalidade ou causa final (para a discussão da quinta via, ou seja, o argumento teleológico). Tomás busca examinar cada questão em todos os seus diferentes ângulos, esgotando assim, todas as possibilidades lógicas possíveis.<br />A seguir, serão expostas as três questões que podem ser formuladas sobre a existência de Deus. Em seguida, serão expostas as objeções feitas por Tomás e logo depois suas respostas conclusivas:<br />1. A existência de Deus é uma verdade evidente?<br />2. A existência de Deus pode ser demonstrada?<br />3. Deus existe?<br />À primeira questão, Tomás de Aquino vai ponderar, cautelosamente, dizendo que a existência de Deus “parece” ser evidente. Se verdades evidentes são aquelas cujo conhecimento está em nós naturalmente, como é o caso dos primeiros princípios, e o que diz Damasceno (“O conhecimento da existência de Deus é inato a todos os homens”), então, a existência de Deus é evidente.<br />Denominamos evidentes as verdades que conhecemos, desde que possamos compreender o significado dos termos que as exprimem. É o que Aristóteles atribui aos primeiros princípios da demonstração. Ou seja, quando compreendemos o significado do todo e também o significado da parte, entendemos logo que o todo é maior que a parte. Aquino noz diz que, desde que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, saberemos de imediato que Deus existe. A palavra “Deus” designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja superior. Mas, se o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento, infere-se que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no pensamento desde que se entenda esta palavra, também existe na realidade. Logo, a existência de Deus é evidente.<br />Se consideramos que a existência da verdade é evidente e se aquele que nega a existência da verdade concorda que a verdade não existe, e mais, se a verdade não existe, pode-se concluir que a não-existência da verdade é uma afirmação verdadeira. E se alguma coisa é verdadeira, então a verdade existe. Silogisticamente falando, se Deus é a própria verdade, logo a existência de Deus é evidente. “Deus compreende todas as coisas no mesmo instante. Seu conhecimento não é um hábito, nem discursivo ou argumentativo. Deus é a verdade – isto deve ser compreendido literalmente (Russel, 1968, p. 172).<br />Dispomos de duas maneiras de dizer que uma coisa é evidente. Primeiro, uma coisa pode ser evidente em si mesma e não por nós, ou pode ser evidente em si mesma e por nós. Por exemplo, uma afirmação é evidente quando o atributo está contido no sujeito (o homem é um animal). Neste caso, todos sabem que o atributo “animal” está contido no sujeito “homem”. Logo, a proposição é verdadeira em si mesma e por nós. Por outro lado, se alguns desconhecem o atributo e o sujeito de uma proposição, então ela será evidente em si mesma, mas não o será para aqueles que ignoram o que são o sujeito e o atributo. Aquino vale-se desse argumento para concluir que, quando se afirma que “Deus é”, considerada em si mesma a proposição é evidente, já que o atributo é idêntico ao sujeito. Ou seja, Deus é, de fato, o seu ser. Mas, como não sabemos o que Deus é, esta proposição não é evidente para nós, precisa ser demonstrada por aquilo que é menos conhecido na realidade.<br />No que concerne à primeira objeção, argumenta Aquino que, num determinado estado de consciência – vago, confuso – o conhecimento da existência de algo é inato entre nós, uma vez que Deus é a busca maior do homem, ou seja, a sua felicidade. E o homem deseja naturalmente ser feliz. E o que o homem deseja naturalmente, ele conhece naturalmente. Mas para Aquino isso não é conhecer a existência de Deus.<br />Com relação à segunda objeção, aquele que escuta a palavra “Deus” pode ignorar que ela designa algo do qual nada pode ser maior, mas mesmo que acreditemos que todos defendam a palavra “Deus” como se Deus tivesse uma forma corporal, não significaria que representariam esta coisa como algo real ou apenas uma representação mental.<br />À terceira objeção, Tomás de Aquino vai responder que a existência da verdade indeterminada é evidente por si mesma, mas que a existência da primeira verdade não é evidente em si mesma para nós.<br />Formuladas as questões sobre a existência de Deus, expostas as objeções e respondidas tais objeções, passemos às respostas de Tomás de Aquino sobre a existência de Deus a partir das “cinco vias”.<br /> Na primeira via, Aquino usa o argumento do primeiro motor. Ou seja, tudo o que move deve seu movimento a algo que o move. Nada é movido e movente ao mesmo tempo. Todo motor é motor em ato e todo movido é movido por potência que transforma em ato. Mover é transformar potência em ato. O movido é a passagem de potência em ato e há um motor primeiro que não tem nem potência porque é ato puro, isto é, Deus; <br />Na segunda via, Aquino usa o argumento da primeira causa eficiente. É a via que é tomada das causas, é o que explica o efeito. Explicando melhor: quando digo que alguma coisa “é”, estou recorrendo a uma causa formal, que delimita a matéria; recorro também a uma causa material para dizer que substância a constitui; passo à causa final para encontrar a sua finalidade e por fim vou à causa eficiente para encontrar a causa exterior que explica o efeito daquela coisa.<br />O argumento do existente necessário ou a via da contingência, Tomás de Aquino mostra que coisas podem ser e não ser, ou seja, são contingentes, logo, deve existir algo necessário. Há um ente necessário de razão, ou seja, necessário do necessário: Deus.<br />A via do grau de perfeição ou argumento pelos graus do ser nos mostra que conhecemos a realidade em graus, entretanto só podemos dizer de mais ou de menos em relação ao que “é”. O que é configura os graus do ser.<br />Por último, o argumento do governador supremo das coisas ou Causa Final. Algumas coisas da realidade necessitam de uma espécie de conhecimento. Necessita de algo inteligente que o governe, como, por exemplo a flecha precisa de um arqueiro. Tudo busca uma finalidade. Podemos ver que na natureza tudo age para um fim. Não estamos à deriva.<br />3. Conclusão<br /> Santo Anselmo, o pai da escolástica, está entre os teóricos que instituíram e criaram o lema de que a razão estaria a serviço da fé. Suas questões principais foram a precedência da fé sobre a razão, as espécies de verdades, as relações entre Deus e o mundo e as provas da existência de Deus. Seu argumento ontológico resume-se na proposição: “Deus é aquele do qual não se pode cogitar outro maior”.<br />Santo Tomás de Aquino fundou sua filosofia no realismo, isto é, tudo o que existe se dá na realidade, ou seja, o que nos dá o conhecimento é a própria realidade. O conhecimento está relacionado com o “ser” no sentido de “existência” e é a posteriori. É por meio da realidade, ou seja, é da própria estrutura do ser humano que o conhecimento para em direção ao supra-sensível que Santo Tomás de Aquino propõe o conhecimento de Deus. E o caminho até esse conhecimento passa pelas coisas sensíveis. Dessa forma, prova a existência de Deus pelas suas “cinco vias”. <br />Percebe-se em Santo Anselmo uma aceitação da verdade revelada de modo incondicional. Ele parece, apenas parece, agir mais à luz da fé do que da razão. E por ter fornecido elementos da ciência da fé para mais tarde seu contributo desenvolver-se melhor, é conhecido como o pai da escolástica.<br />Seu argumento foi refutado com a justificativa de ser uma transição não aceita da ordem ideal para a ordem real, ou seja, ele dá um salto da ordem lógica para o real e isso é ilógico, posto que na ordem lógica não há como dá saltos. E Tomás de Aquino vai fundamentar SUS argumentos obedecendo às mais rígidas normas do silogismo aristotélico, sem pular etapas.<br />Tomás de Aquino rejeita a prova ontológica de Anselmo e segue o caminho oposto. Parte do real para provar a existência de Deus. Com Tomás, o cristianismo recebe uma definição racional, coerente, clara. A lógica foi amplamente usada em seu raciocínio e em suas argumentações, cujo fundamento é o encontro da verdade.<br /><br />4. Referência Bibliográfica<br />GILSON, Étienne. Anselmo de Cantuária. IN: A filosofia na Idade Média. 2ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007. – (Paidéia).<br /><br />SANTO AGOSTINHO - Estudo Dirigido<br /> Para chegar até Santo Agostinho, preliminarmente procurarei fazer breve resumo dos séculos que o antecederam, tomando como base sempre o estudo do filósofo americano Will Durant (História da Filosofia Ocidental, Livro Segundo). Ao capítulo IV da primeira parte do Livro Segundo (Os Padres da Igreja), tentarei fazer inserções sobre O Desenvolvimento Religioso dos Judeus, O Cristianismo Durante os Quatro Primeiros Séculos, e Três Doutrinas da Igreja. E por fim, entrarei no capítulo A Filosofia e a Teologia de Santo Agostinho.<br />1. INTRODUÇÃO – A Igreja colocou as crenças religiosas em relação mais estreita com as circunstâncias sociais e políticas do que a tinham tido antes ou depois do período medieval. A Igreja é uma instituição social construída sobre um credo em parte filosófico, em parte relacionado com a história sagrada. Conseguiu poder e riqueza por meio desse credo. Todos os homens desse período que contribuíram para a vida intelectual eram eclesiásticos. A aristocracia secular cria o sistema feudal, que refreia ligeiramente a predominante e turbulenta anarquia. A humildade cristã é pregada pelo clero, mas praticada somente pelas classes inferiores. A partir do século XI, a Igreja consegue emancipar-se da aristocracia feudal, e essa emancipação é uma das causas do ressurgimento da Europa, mergulhada na era do obscurantismo. A vida, durante esses séculos, era precária e cheia de agruras. Má como era na realidade, as superstições tenebrosas tornavam-na ainda pior. Pensava-se que a grande maioria, mesmo de cristãos, iria para o inferno. A todo momento, os homens sentiam-se tomados de espíritos maus e expostos às maquinações de bruxas e feiticeiros. A miséria geral aumentou a intensidade do sentimento religioso.<br />2. O DESENVOLVIMENTO RELIGIOSO DOS JUDEUS – Não só a Cristandade, mas também o Islã derivam seu monoteísmo de uma fonte judaica. Pode bem ser que o mundo de hoje deva a sua própria existência do monoteísmo, tanto no Oriente como no Ocidente, aos macabeus. Os cristãos procuravam praticar a humildade cristã; os judeus, em geral, não o faziam. Os cristãos aprenderam nos Evangelhos a pensar mal dos fariseus, no entanto Mateus era fariseu e ensina aquelas máximas éticas que consideramos como sendo as mais características do ensinamento de Cristo. Depois do primeiro século, o Cristianismo também se cristalizou, e as relações entre o judaísmo e o Cristianismo foram completamente hostis e exteriores. O Cristianismo estimulou poderosamente o anti-semitismo. Durante toda a Idade Média, os judeus não participaram da cultura dos países cristãos, tendo sido perseguidos com excessiva severidade para que pudessem contribuir para a civilização, além de fornecer capital para a construção de catedrais e outros empreendimentos semelhantes. Foi só entre os maometanos, nesse período, que os judeus foram tratados com humanidade, podendo dedicar-se à filosofia e à especulação esclarecida.<br />3. O CRISTIANISMO DURANTE OS QUATRO PRIMEIROS SÉCULOS – O Cristianismo, devido a São Paulo, conservou o que havia de atraente nas doutrinas dos judeus, sem os traços que os gentios achavam difícil assimilar. Foi através do maniqueísmo que Santo Agostinho chegou à fé católica. O maniqueísmo combinava elementos cristãos e zoroástricos, ensinando que o mal é um princípio positivo, incorporado na matéria, enquanto que o bem é um princípio positivo, incorporado no espírito. Condenava que se comesse carne e tudo o que dizia respeito ao sexo, mesmo no casamento. A síntese da filosofia grega e das escrituras hebraicas permaneceu mais ou menos acidental e fragmentária até o tempo de Orígens (185-254 A.D.). Como Plotino, Orígens foi aluno de Ammonio Sacas, considerado por muitos como o fundador do neoplatonismo. Orígens foi condenado por muitos por manter quatro heresias: a preexistência das almas, que a natureza humana de Cristo existiu antes da Encarnação, que na ressurreição nossos corpos serão transformados em corpos absolutamente etéreos e que todos os homens, e mesmo os demônios, serão, no fim, salvos. Em sua obra Contra Celso, o Cristianismo, diz Celso, vem dos judeus, que são bárbaros; e somente os gregos podem extrair sentido dos ensinamentos dos bárbaros. Por um lado, a razão pura, exercida corretamente, basta para estabelecer o essencial da fé cristã. Por outro lado, porém, as Escrituras provam não apenas essas partes essenciais em si, mas muito mais. O governo da Igreja desenvolveu-se lentamente durante os três primeiros séculos, e rapidamente depois da conversão de Constantino. O desenvolvimento do Cristianismo antes de Constantino, bem como os motivos de sua conversão, foram explicados, de maneira diversa, por vários autores. Gibbson lhes atribui cinco causas: (1) o inflexível e o intolerante zelo dos cristãos, que impedia que os gentios abraçassem a lei de Moisés; (2) a doutrina de uma vida futura; (3) os poderes miraculosos atribuídos à Igreja primitiva; (4) a moral pura e austera dos cristãos; (5) a união e disciplina da república cristã. Os cristãos, em sua maior parte, acreditavam que só eles iriam para o céu. O Taurobolium era dispendioso: um touro tinha de ser morto, fazendo-se com que o seu sangue se derramasse sobre o convertido. Os profetas hebreus, alguns deles, ensinaram a ressurreição do corpo, mas parece que foi dos gregos que os judeus aprenderam a acreditar na ressurreição do espírito. Os cristãos acreditavam firmemente que a virtude seria recompensada no céu e o pecado punido no inferno. Rostovtseff afirma com razão que uma grande parte do exército era constituída de cristãos, tendo sido isso o que mais influiu sobre o Cristianismo. Santo Ambrósio, São Jerônimo e Santo Agostinho viveram a maior parte de suas vidas durante esse período de triunfo católico.<br />4. TRÊS DOUTORES DA IGREJA – Quatro Homens são os chamados Doutores da Igreja ocidental: Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho e o Papa Gregório o Grande. Agostinho viveu até a irrupção dos vândalos na África, e morreu enquanto estes estavam assediando Hipona, da qual era bispo. Fixou a teologia da Igreja até a Reforma e, mais tarde, uma grande parte das doutrinas de Lutero e Calvino. Jerônimo é notável, principalmente, como o tradutor da Vulgata, que permanece até hoje como a versão católica oficial da Bíblia. A teologia cristã teve duas partes: uma concernente à Igreja, e outra à alma individual. Ninguém será salvo a menos que haja sido batizado, e isto faz da Igreja uma intermediária entre a alma e Deus. Agostinho tentou ler a Bíblia, mas achou que ela carecia de dignidade ciceroniana. <br />5. A FILOSOFIA E A TEOLOGIA DE SANTO AGOSTINHO – A melhor obra puramente filosófica dos escritos de Santo Agostinho é o livro décimo primeiro das Confissões. Este livro trata do problema: tendo a Criação ocorrido como afirma o primeiro capítulo do Gênese, e como Santo Agostinho mantém contra os maniqueus, devia ter ocorrido o mais cedo possível. O primeiro ponto que Agostinho vai tentar entender é como a Criação saiu do nada. O panteísmo afirma que Deus e o mundo não são distintos, e que tudo no mundo é parte de Deus, que permanece eternamente fora da corrente do tempo, o que leva Agostinho a uma teoria relativista do tempo sumamente admirável (“Que é, pois, o tempo?”. “Se ninguém me pergunta, eu sei; se desejo explicar a quem o pergunta, não sei”). Há, diz ele, três tempos: “um presente das coisas passadas (memória), um presente das coisas presentes (vista), e um presente das coisas futuras (espera)”. A teoria de que o tempo é apenas um aspecto de nossos pensamentos é uma das formas mais extremadas do subjetivismo que aumentou pouco a pouco na antiguidade, a partir de Protágoras e Sócrates. Seu aspecto emocional é a obsessão do pecado, que veio mais tarde que os seus aspectos intelectuais. Agostinho revela ambas as espécies de subjetivismo. O subjetivismo leva-o a antecipar não só a teoria do tempo, de Kant, como o cogito de Descartes. Em seus Solilóquios, diz: “Tu, que queres saber, sabes quem és? Sei. Onde estás? Não sei. Sabes que tu pensas? Sei”. Isto contém não apenas o cogito de Descartes, mas sua resposta ao ambulo ergo sum de Gassendi. Como filósofo, portanto, Agostinho merece um alto lugar. A Cidade de Deus foi um livro que exerceu imensa influência durante toda a Idade Média, principalmente nas lutas entre a Igreja e os príncipes seculares. O livro começa com considerações surgidas por motivo do saque de Roma e destinadas a mostrar que coisas ainda piores ocorreram em tempos pré-cristãos. Os romanos jamais pouparam os templos nas cidades conquistadas. O saque de Roma foi menos severo do que muitos outros, e essa mitigação foi um resultado do Cristianismo. A parte mais difícil da obra consistirá na refutação dos filósofos, com os melhores dos quais os cristãos estão em grande parte de acordo. Tanto os platônicos como os maniqueus erram ao atribuir o pecado à natureza da carne. Embora os platônicos não sejam tão maus como os maniqueus. Os platônicos são os melhores na lógica e na ética, e os que mais se aproximam do Cristianismo. Deve-se admitir que a relação sexual no matrimônio não é pecado, contanto que a intenção seja a de gerar prole. Santo Agostinho passa a combater os novos Acadêmicos, que afirmam que todas as coisas são duvidosas. “A Igreja de Cristo detesta essas dúvidas, que considera como loucura, tendo um conhecimento sumamente certo das coisas que apreende”. Durante toda a Idade Média e o desenvolvimento gradual do poder papal, bem como durante todo o conflito entre o Papa e o Imperador, Santo Agostinho forneceu à Igreja ocidental a justificação teórica de sua política. Uma grande parte do que há de mais influente na teologia de Santo Agostinho se destina a combater a heresia pelagiana. E uma grande parte do que há de mais feroz na Igreja medieval se deve ao seu sombrio conceito de culpa universal.<br />6. A CONTROVÉRSIA DE AGOSTINHO E PELÁGIO – A discussão sobre o livre-arbítrio e predestinação já se estendia antes de Agostinho. Eram assuntos conflitantes no seio da Igreja. Em Agostinho o assunto foi definido quando ele sumarizou e sistematizou as opiniões já existentes, levando a Igreja a tomar uma posição oficial, ainda que temporariamente . A posição teológica de Pelágio pode ser denominada de “monergismo humano”, porque para ele o poder da vontade humana é decisivo e suficiente na experiência da salvação. Sua célebre frase expressa claramente essa mentalidade, quando afirma : “Se eu devo, eu posso”. <br />A controvérsia entre Agostinho e Pelágio, se resumia em dois pontos teológicos: a liberdade (capacidade) da vontade humana (livre-arbítrio), e na maneira como Deus opera sua graça. Quando ao livre-arbítrio, a discussão era se o ser humano é absolutamente capaz de exercer a sua liberdade, ou não. Agostinho ensinava e defendia a doutrina “do pecado original”, e os seus inevitáveis efeitos mortais sobre a vida de todos os descendentes de Adão. Pelágio, contudo, negava tal contaminação, e afirmava a inocência da alma, como também a absoluta capacidade de escolha tanto moral, quanto espiritual.<br />Agostinho afirmava que todo ser humano é escravo do seu pecado e que o seu livre-arbítrio possui uma fonte pecaminosa, morta espiritualmente. Para ele, o homem carece absolutamente da ação graciosa de Deus em todos os seus aspectos para ser salvo, sendo exposta essa posição na doutrina da predestinação. Pelágio, refutando Agostinho, afirmava que o homem possui tanto o poder volitivo (volição = ato pelo qual a vontade se determina a alguma coisa) para escolher ser salvo, como para desistir desta salvação. Defendia que o ser humano possui uma capacidade de decidir o seu futuro independente da graça de Deus.<br />O próprio Agostinho percebeu incoerências em seu sistema doutrinário registrado em sua obra O Livre Arbítrio . Decidiu escrever um outro livro que expressasse suas idéias de modo mais consistentes e amadurecidas, que ele intitulou Graça e Livre Arbítrio . Mesmo após essa revisão em sua teologia, Agostinho continuou contendo algumas inconsistências em seu sistema. Embora sustentasse a predestinação, em alguns de seus escritos ele não a expressava com coerência, pois esta doutrina estava comprometida com erros doutrinários acerca de seu tendencioso sacramentalismo .<br />As decisões dos concílios (Cartago, 418 d. C., Éfeso (431 d. C., Orange II (529 d. C.) não puseram fim à controvérsia. O Pelagianismo conseguiu sobreviver mesmo após a sua condenação oficial. O próprio Agostinho possuía incoerências em sua doutrina, dando lugar ao surgimento de outro sistema doutrinário, o Semipelagianismo, que procurava estabelecer um sincretismo entre as doutrinas de Agostinho e Pelágio. O objetivo era de acalmar os ânimos desta controvérsia. O Semipelagianismo tem sido a doutrina oficial da Igreja Católica Romana. Foi este sistema teológico que os Reformadores enfrentaram. E deste sistema Jacobus Arminius derivou a sua teologia que ficou conhecida como Arminianismo.<br />7. AGOSTINHO: O MESTRE DO OCIDENTE – “Com Agostinho chegamos ao ponto culminante da patrística e talvez de toda a filosofia Cristã” (Gilson-Bohner). Para Agostinho o natural humano é importante para a compreensão do seu pensamento. Histórica e sistematicamente considerada, a verdade é o ponto de partida do pensamento agostiniano. Existe a verdade? Como a atingimos? Qual é ela? “Quem duvidará que vive, lembra-se, entende, quer, pensa, conhece e julga? Pois, se duvida, vive...se duvida, sabe que não sabe com certeza; se duvida, sabe que não pode dar o seu assentamento temerariamente. E ainda que duvide de tudo o mais, disto não deve duvidar, porque se essas coisas não existissem, seria impossível a dúvida”. Ou, mais concisamente: “Se me engano, sei que existo, pois, se me engano é que existo”. E assim descobriu Agostinho um novo gênero de verdades: as verdades de consciência; pensando desse modo venceu o ceticismo no seu princípio mesmo, pois temos aqui pelo menos o que aquele, o ceticismo, combate em geral. É Agostinho, não somente um precursor do cogito ergo sum cartesiano, mas anuncia também a teoria de Hume sobre o valor da percepção sensível, e a distinção de Leibniz sobre verdades de fato e verdades de razão.<br />Foi Agostinho então levado a buscar outra fonte da verdade. Achou-a no espírito do homem. “Não procure fora! Volta-te para ti mesmo!”.<br />Podemos estabelecer como essencial em Agostinho, com a doutrina da iluminação divida, que ele quis professar um apriorismo teorético-epistemológico. Assim, ele permanece na direção da sua posição espiritual, em geral, platonizante. Mas nas suas expressões literárias, sempre conforme à sua condição de retórico ardoroso, se serve de imagens algo mais fortes, como dele dizia S. Boaventura.<br />Qual é para Agostinho a essência da verdade? Ele tem Aristóteles em vista quando, para citar a reprodução medieval do seu pensamento, diz: Verum definientes dicimus esse quod est, aut non esse quod non est. Agostinho conhece também esta verdade lógica, e a toma mesmo como ponto de partida imediato das suas reflexões. Mas essa verdade recua para um plano inferior, para tornar-se visível o seu fundamento da verdade – as idéias eternas existentes na mente divina. A verdade coincide com elas, as quais – rationes, ideae, species aeternae – constituem propriamente a essência da verdade. Mas então a verdade vem a assumir uma realidade ontológica: “a verdade é o que é” (verum est id quod est), onde o “o que é” já não significa a concordância do juízo com a realidade, mas com os exemplares primeiros na mente de Deus. Neles vê Agostinho, como Platão, o ser verdadeiro, o “ser em verdade”.<br />Agostinho prova a existência de Deus simplesmente porque o seu conceito pertence aos conceitos fundamentais do espírito, como o admitiam os estóicos e também São Paulo (Rom. I, 2). Considera a prova noológica da existência de Deus a mais importante. É a verdade absoluta. Através do imperfeito atingimos o perfeito; através do relativo, o absoluto; e através do humano, o transcendente. Mas exatamente por aí é que chegamos a Deus. Agostinho tem presente o Symposion de Platão, e assim temos nós já também o ponto de vista histórico-ideal, donde devemos partir para uma exata exposição da prova noológica da existência de Deus. Deus é considerado como o ser perfeito, sem o qual o imperfeito não pode ser pensado. Ele é a verdade, o bem e o fundamento exemplar de todas as verdades e valores, o suporte, na expressão platônica. Deus não é deduzido por via de um raciocínio causal, no sentido de ter ele, como causa primeira, estabelecido as verdades, não; é nas verdades mesmo que já nós o apreendemos, assim como mediante os bens particulares atingimos o bem absoluto, embora não em sua omnitude realitatis, certamente com um determinado ser e não outro. <br />Agostinho vê na vida o seu parentesco com o Logos, pois o seu ponto de partida é a alma viva e pessoal, o espírito vivo. “Tu eras mais íntimo a mim que a minha própria intimidade”. “Tarde te amei, ó beleza, ó velha e nova beleza, tarde te amei; e vê, estavas tu no meu íntimo e eu fora, a procurar por ti”.<br />Atributos de Deus – mesmo as nossas idéias sobre Deus só têm aplicação analógica (fora da lógica). “Devemos, na medida do possível, pensar Deus como bom, sem entrar na categoria da qualidade: grande sem a quantidade; criador, sem indigências; superior a todas as coisas, sem situação local; abrangendo-as todas, sem as cingir; onipresente, sem lugar; eterno, sem tempo; criador de tudo o mutável, sem sofrer ele próprio nenhuma mudança, sem sombra de passividade”. <br />As idéias no Espírito divino – Todo ser, fora de Deus, é somente cópia do exemplar primeiro, no seu espírito. Agostinho é partidário da doutrina das Idéias, mas, a exemplo de Filo, transpassou as Idéias para a mente divina. Elas existem em Deus.<br />A Criação – A criação é portanto uma realização das Idéias contidas na plenitude muito mais rica de Deus. A marcha do processo cósmico introduzido com a criação Agostinho a justifica com o auxílio de três fatores: a matéria, o tempo e as formas. A matéria é o substrato de todo ser criado. Cópias são sempre cópias, embora sejam também realidades, mas diminuídas. Contudo, a matéria, para Agostinho, parece ser “quase nada”. Vê-se claramente a influência do platonismo, mas com uma importante transformação, por obras dos filósofos cristãos, que querem exaltar a obra divina da criação. <br />O tempo - Onde não há nem aparências nem ordem, não há também nenhuma mudança e, portanto, nenhum tempo. Tempo e criatura são dois aspectos de uma mesma coisa. E se compreende seja a eternidade algo de totalmente diverso do tempo. A eternidade não admite qualquer mudança, ao passo que o tempo é todo ele mudança. A relação entre a eternidade e a criação do temporal é para nós um enigma. O tempo nos é algo de enigmático. Não podemos vivê-lo senão no momento presente. O fator mais importante no processo cósmico é a forma. Esta ocupa o ponto central, não somente da epistemologia, mas também da metafísica agostiniana.<br />Primado das Idéias – Certos seres, como o dia, o firmamento, a terra, o mar, o ar, o fogo e as almas humanas receberam a existência imediatamente com a sua forma definitiva, ao passo que outros, como os seres vivos e também o corpo do homem apareceram aos poucos, no decurso da evolução.<br />O que Agostinho quer acentuar no processo cósmico é o papel da forma e sua força. Ao mesmo tempo focaliza a sabedoria e a onipotência divina. No processo cósmico o espaço e o tempo não fazem senão acolher no seu seio e alimentar o que Deus criou com a palavra do seu espírito. Eles vêm a ser, como em Platão, apenas as nutrizes, o lugar do devir. Deus porém é que é o Pai donde procede o ser e a vida.<br />Agostinho é um homem de raros dotes psicológicos. Nas Confissões ele demonstra um profundo conhecimento do homem. Para Agostinho o homem como alma constitui uma unidade, como já ensinou a filosofia patrística. A unidade consiste em a alma possuir, usar e governar o corpo. “A alma é uma determinada substância racional, que existe para governar o corpo. O homem é propriamente a alma. O corpo não lhe é uma constituinte da mesma importância. O homem é uma alma racional, que usa de um corpo mortal e terreno. A alma está não somente numa parte do corpo, mas em todo ele, com uma intensidade vital. Fundamental porém para a posição própria da sua psicologia é o platonismo geral dos padres. A nota pessimista que este ainda manifesta em Orígenes – a alma está no corpo como numa prisão – Agostinho a rejeita, mas o homem como essencialmente alma mantém-se e, por Agostinho torna-se um patrimônio comum da posição cristã concernente ao homem. O pensamento fundamental de sua prova da imortalidade é o seguinte: sendo a verdade imutável e eterna, e estando o espírito humano inseparavelmente ligado com ela, deve também este ser eterno. A alma, imersa no tempo pelos seus atos, penetra, através do conteúdo deles, num mundo atemporal – o mundo a verdade. Agostinho vê que é pelo eu vivo que nós lembramos, pensamos, queremos e amamos e que isso supõe uma inseparável união com a verdade e os valores. E sendo na substância mesma do eu vivo que se radica essa união inseparável, a alma é necessariamente imortal.<br />Lei Eterna - “O conceito de lei eterna, infuso em nós, significa, em suma, aquela retidão em virtude da qual tudo se dispõe do melhor modo”. Agostinho dá especialmente e de preferência o nome de lei eterna à lei moral, tomando o todo pela parte e estabelecendo ao mesmo tempo o último e mais universal princípio da lei moral. Para ele, a lei eterna, como expressão ideal da ordem do universo, constitui o princípio da moralidade.<br />O primado da vontade - “A vontade está sempre presente, sim, os homens não são outra coisa mais que vontade”. Para Agostinho, o coração tem também as suas leis. As leis do bem estão indelevelmente gravadas na vontade humana.<br />A Cidade de Deus - Agostinho utilizou praticamente, para a vida concreta, as suas idéias de valor e da filosofia da felicidade, na sua filosofia social e da história, exposta na sua Cidade de Deus. É ele contrário ao arbítrio e ao capricho subjetivo, e constrói sua filosofia social e da história baseado na idéia da ordem. Homens e Estado significam para Agostinho vontades, mas submetidas a uma norma. Este ponto de vista Agostinho o estende ao conjunto da história do mundo. Sua concepção social se reduz a isto: cidade de Deus ou cidade do mundo. A Cidade de Deus consta de homens adaptados à eterna ordem de Deus. Agostinho mostra que as forças do bem estão em contínua oposição às do mal, pois o bem é imortal e a vitória será de Deus.<br />8. O LIVRE ARBÍTRIO – LIVRO I – O PECADO PROVÉM DO LIVRE-ARBÍTRIO<br />Apresentação<br />Patrística – estudo da doutrina, as origens dessa doutrina, suas dependências e empréstimos do meio cultural, filosófico e pela evolução do pensamento teológico dos pais da Igreja. Os “Pais da Igreja” (...) foram forjando, construindo e defendendo a fé, a liturgia, a disciplina, os costumes e os dogmas cristãos, decidindo, assim, os rumos da Igreja.<br />Introdução<br />Formação ideológica do livro – tem como tema o problema da liberdade humana e o da origem do mal moral. O mal visto no conjunto não é mais um malefício, mas sim uma contribuição ao bem comum e à beleza da ordem. Poderia ser dito o mesmo do mal moral, que se opõe diretamente à vontade de Deus.<br />Segundo os dados da fé, Deus todo-poderoso e Bem supremo criou todas as coisas por meio do seu Verbo. O pecado não pode lhe ser imputado. Diz Agostinho: “É preciso compreender aquilo em que cremos”.<br />Breve síntese das idéias fundamentais - Para descobrir a origem do pecado, é preciso saber qual a sua essência. Cometer o mal só é possível pela livre opção de nossa vontade. O livro II é o coração da obra: prova a existência de Deus.<br />O livre-arbítrio e o maniqueísmo – Breve síntese da teoria maniqueísta: duas divindades supremas – o Bem e o Mal / A luz e as Trevas. Duas almas. O Mal é metafísico e ontológico.<br />A solução do problema do mal na interpretação de Agostinho – Ele encontra em Plotino a chave para resolver a questão: o mal não é um ser, mas deficiência e privação do ser. Examina o mal em três níveis: a) metafísico-ontológico; b) moral; c) físico. Do ponto de vista metafísico-ontológico, não existe mal no Cosmos; pela perspectiva moral, o pecado depende da nossa má vontade. O mal deriva do fato de que não há um único bem, e sim muitos bens, consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens. O fato de se ter recebido de Deus uma vontade livre é para nós um grande bem. O mal é o mau uso desse grande bem.<br />As “Retractationes” e a resposta aos pelagianos – Os maniqueus negam o livre-arbítrio da vontade e pretendem fazer recair em Deus a responsabilidade pelo mal e pelo pecado. Agostinho não fala com insistência sobre a graça como medicina e socorro do livre-arbítrio, porém insinua-a várias vezes. Repete que o homem é livre para fazer o bem e que não é forçado a cometer o mal. Sem o livre-arbítrio não haveria mérito nem demérito, glória nem vitupério, responsabilidade nem irresponsabilidade, virtude nem vício.<br />A vontade, a liberdade e a graça – “Duas condições são exigidas para fazer o bem: um dom de Deus que é a graça e o livre-arbítrio” (Etienne Gilson). Esse poder de usar bem o livre-arbítrio é precisamente a liberdade, mas o poder de não fazê-lo e a marca da liberdade.<br />Apreciação geral da obra – O que há de mais valioso na obra é a prova da existência de Deus. Outro ponto de particular valor é a doutrina sobre a Providência, um dos mais possantes faróis a iluminarem constantemente o pensamento de Agostinho. Não há escritor, em toda a Idade Média, que fale ou trate da questão do livre-arbítrio e do pecado que não tenha ido beber na fonte agostiniana.<br />O problema do mal (Livro I – O Pecado provém do Livre-Arbítrio, Cap. 1) – O mal não poderia ser cometido sem ter algum autor. Fazer o mal é renunciar à instrução, pois a verdadeira instrução só pode ser para o bem. E qual a causa de praticarmos o mal? Dia Agostinho: “se não fosse meu ardente desejo de encontrar a verdade, não teria podido emergir de lá nem aspirar à primeira das liberdades – a de poder buscar a verdade”. <br />Pontos fundamentais da fé – Conceber de Deus a opinião mais excelente possível é o começo mais autêntico da piedade.<br />Essência do Pecado/Submissão da razão às paixões – Quem quer que faça um mal o qual não quer que lhe façam, procede mal. Se for mal tudo o que os homens condenam, era crime crer em Cristo e confessar a própria fé. O mal provém da paixão interior. Em todas as espécies de ações más é a paixão que domina.<br />Objeção: e os homicídios cometidos sem paixão? – A concupiscência tende para o objeto. O medo foge. Aquele que mata um homem levado pelo medo, deseja, sem dúvida, viver sem medo.Todas as ações más unicamente são más por causa da paixão pela qual são praticadas, isto é, por desejo culpável.<br />Outra objeção: e os homicídios cometidos em autodefesa, admitidos pela lei civil? – Uma lei que não seja justa não é lei. Poder matar não significa dever matar. A lei permite ao povo delitos menores para impedir que se cometam outros piores (Se Agostinho tivesse vivido na época do holocausto que dizimou milhares de vidas humanas nas tragédias de Hiroshima e Nagasáki, teria ele mantido o pensamento acima?). A morte de agressor injusto é mal menor do que a de um homem que mata em legítima defesa. Que um homem seja violentado em seu corpo contra sua vontade é coisa bem mais horrível do que o fato de o autor de tamanha violência ser morto por aquela a quem intentava agredir. A própria lei que foi promulgada para a defesa do povo não merece acusação alguma de ser portadora de qualquer paixão. Uma boa lei pode ser dada por mau legislador. A lei não obriga ninguém a matar mas deixa a possibilidade de o fazer. Quanto à vida, alguém se poderá pergunta se ele é ou não tirada com a morte do corpo (para Agostinho, aqui, vida e alma são a mesma coisa. O ideal cristão prega que não se deve tirar a vida de ninguém. Vejo em Agostinho uma doutrina cristã bem mais voltada para uma ética mais justa e racional, do que o que tenta pregar o cristianismo moderno). O pudor não poderá ser arrebatado pela profanação involuntária do corpo. Não está em nosso poder conservar tudo o que aquele injusto agressor poderia nos arrebatar. <br />As paixões – desculpadas pela lei civil, condenadas pela lei divina – A divina Providência nada deixa de governar neste mundo. A lei escrita autoriza atoso que a Providência pune. Se a lei humana não faz tudo, não será por isso motivo de reprovação pelo que faz.<br />Solução: saber distinguir a lei eterna das leis temporais – Nada existe que seja tão árduo e difícil que não se torne, com a ajuda divina, bem simples e fácil. Duas leis parecem estar em contradição entre si. Uma delas confere ao povo o poder de eleger os seus magistrados. A outra recusa-lhe essa prerrogativa. Agostinho denomina de lei temporal à lei que a princípio é justa. Na lei temporal dos homens nada existe de justo e legítimo que não tenha sido tirado da lei eterna, esta sendo aquela em virtude da qual é justo que todas as coisas sejam perfeitamente ordenadas.<br />O homem – superior aos animais pela razão – Uma nação constitui-se de homens unidos entre si, sob uma única lei, a lei temporal. Ciência que se denomina pura e propriamente conhecimento, tendo sido adquirida pela razão e pela inteligência, não pode ser ela um mal.<br />O lugar do homem na escala da perfeição dos seres – Só quando a razão domina a todos os movimentos da alma, o homem deve se dizer perfeitamente ordenado.<br />O homem sábio é aquele que vive submisso à razão – Aquele que é dotado de razão não pode estar privado da mente. Sábio, para Agostinho, é aquele a quem a verdade manda assim ser chamado. Ou seja, aquele cuja vida está pacificada pela total submissão das paixões ao domínio da mente. O reino da mente pertence aos sábios.<br />Nada força a razão a submeter-se às paixões – No homem o senhorio da mente constitui a sabedoria, entretanto a mente pode não exercer de fato esse seu senhorio.<br />O Ser supremo não constrange a mente humana a ser escrava das paixões – O responsável pela submissão às paixões só pode ser o livre-arbítrio. Não há nenhuma outra realidade que torne a mente cúmplice da paixão a não ser a própria vontade e o livre-arbítrio.<br />Uma hipótese do platonismo – Como a sabedoria reside na alma, Agostinho pergunta se acaso não terá esta vivido outra vida, antes de se unir a um corpo tal e, assim ter desfrutado antes da posse de alguma sabedoria. Aí me vem uma indagação que nunca me fiz antes: por que alguns seres humanos são mais bem dotados de inteligência do que outros?<br />Nossa boa vontade implica o exercício de quatro virtudes cardeais. A força, disposição da alma pela qual nós desprezamos todos os dissabores e a perda das coisas que não estão sob nosso poder. A temperança, disposição que reprime e terém o nosso apetite longe daquelas coisas que constituem uma vergonha o ser desejáveis. Virtude que reprime as paixões, oposto à boa vontade do que a concupiscência. E quem possui e ama a boa vontade não pode querer mal a ninguém, ou seja, não causa dano a ninguém. A justiça, virtude pela qual damos a cada um o que é seu. <br />Levar a vida feliz ou infeliz depende de nossa boa vontade. Todo aquele que quer viver conforme a retidão e honestidade, se quiser pôr esse bem, acima de todos os bens passageiros da vida, realiza conquista tão grande, com tanta facilidade que o querer e o possuir serão um só e mesmo ato. A lei eterna decretou que o merecimento está na vontade. A desgraça se segue necessariamente, mesmo contra o desejo da felicidade. Todos querem ser felizes, mas nem todos podem sê-lo. Todos querem viver com retidão, e é só com essa boa vontade que têm o direito à vida feliz.<br />Relação da boa vontade com a lei eterna e a temporal – Há duas espécies de homens: uns, amigos das coisas eternas; outros, amigos das coisas temporais. Há também duas leis: uma eterna, outra temporal. Da lei eterna deriva tudo o que é justo e tudo o que pode ser mudado com justiça. A lei eterna ordena desapegar-nos do amor das coisas temporais e voltar-nos purificados para as coisas eternas.<br />Conclusão: a definição da essência do pecado mostra que ele procede do livre-arbítrio. A vontade pode destronar a alma das alturas de onde domina e afastá-la do caminho reto. O mal moral tem sua origem no livre-arbítrio de nossa vontade.<br />LIVRO II – A PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS REVELA-O COMO FONTE DE TODO BOM. DEUS NÃO É O AUTOR DO MAL, MAS DO LIVRE-ARBÍTRIO, QUE É UM BEM.<br />Era necessário que Deus desse ao homem o livre-arbítrio. Primeira condição para a solução do problema: colocar-se no ponto de vista de Deus; segunda condição: não se limitar à fé, mas procurar o seu entendimento. Se é incerto ela (a vontade) nos ser dada, tampouco é certo que seja um bem ela nos ter sido dada. Não é igualmente certo que seja Deus o doador. A incerteza sobre a conveniência do dom torna incerta a origem, isto é, o fato de ser Aquele a quem não nos é permitido crer que conceda algo que não deveria ser concedido (Evódio). Se crer não fosse uma coisa e compreender outra, seria em vão que o profeta teria dito: “Se não o credes não entendereis” (idem, citando Is. 7,9, na LXX). Não se pode considerar como encontrado aquilo em que se acredita sem entender. Ninguém se torna capaz de encontrar a Deus se antes não crer no que há de compreender (Evódio).<br />Início da ascensão a Deus para chegarmos à prova de sua existência – O ser que entende possui também a existência e a vida. E o ser que possui essas três verdades – o ser, o viver e o entender - é melhor do que aquele não possui senão uma ou duas delas. Cada sentido tem certos objetos próprios sobre os quais nos informam, e que alguns dentre eles percebem objetos de modo comum. Seria pela razão que nós compreendemos a existência desse sentido interior. É a própria razão que exerce essa função vital que chamamos de sentido interior. Somente a razão pode definir essas coisas e pode agir sobre objetos submetidos a seu exame. Os sentidos exteriores não se percebem a si mesmos. Somente o sentido interior percebe-se a si mesmo, como sente as impressões que recebe dos cinco sentidos externos. Os sentidos corporais percebem os objetos corporais. Esses mesmos sentidos não podem ter a sensação de si mesmos, entretanto, o sentido interior percebe não só os objetos corporais por intermédio dos exteriores, mas percebe até mesmo esses sentidos, com dito antes. Por fim, a razão conhece tudo isso e conhece-se a si mesma. Portanto, todos esses conhecimentos tornam-se objeto de ciência. É o sentido interior o juiz e guia dos sentidos exteriores. Ou seja, a razão, que transcende a tudo mais no homem. Nós possuímos um corpo e também uma alma que anima o corpo e é a causa de seu desenvolvimento. E acima da razão, só Deus.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-25393261163442725122010-01-02T00:08:00.004-03:002010-01-07T16:56:09.676-03:00Filosofia Moderna<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiI4Ab39mWcuShPUu_Bt5KDtFV6MUBU_J4yarNTDTTk1i-Zv_EVTfDx_c8d_1JMhlA83km50CCBonZow0m-8YyxDxfQjmlazP2G2sbt4O_sFeY8vBL6Kwok5ESMMzhefrJ1nd4881F_S21H/s1600-h/francis-bacon.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 162px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiI4Ab39mWcuShPUu_Bt5KDtFV6MUBU_J4yarNTDTTk1i-Zv_EVTfDx_c8d_1JMhlA83km50CCBonZow0m-8YyxDxfQjmlazP2G2sbt4O_sFeY8vBL6Kwok5ESMMzhefrJ1nd4881F_S21H/s200/francis-bacon.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424089073550444866" /></a><br />07/01/2010<br />DESCARTES, Renê. OS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA. Lisboa, Guimarães Editores, 1998, pg. 25-45.<br />FICHA RESUMO DE CITAÇÕES<br />“Em que consiste a filosofia?” Descartes responde: “um perfeito conhecimento de todas as coisas que ao homem é dado saber”.<br />E, para que este conhecimento assim possa ser, torna-se necessário deduzi-lo das primeiras causas, de tal modo que, para conseguir adquiri-lo, e a isto se chama exatamente filosofar, cumpre começar pela pesquisa dessas primeiras causas, ou seja, dos princípios, os quais devem obedecer a duas condições: a) que se tornem tão claros e evidentes que ao espírito humano não seja permitido duvidar da sua verdade; b) que seja deles, [dos princípios] que dependa o conhecimento das outras coisas, de maneira que possam ser conhecidos sem elas.<br />“Qual a utilidade da filosofia?” Responde o filósofo: “Ser ela apenas que nos distingue dos selvagens e bárbaros, e que é cada nação tanto mais civilizada e polida quanto melhor aí os homens filosofam, e assim, o maior bem de um Estado é possuir verdadeiros filósofos”.<br />“Vale muito mais servir-nos dos nossos olhos para nos conduzirmos e gozar da beleza das cores e da luz, do que mantê-los fechados e, deste modo, seguir a alheia conduta (...), [pois] viver sem filosofar equivale (...) a ter os olhos fechados”.<br />“Não existe alma (...) que (...) não se afaste algumas vezes deles [dos objetos do mundo] para desejar um outro bem maior, ainda que ignore com freqüência, em que consiste (...). Este soberbo bem (...) não é outra coisa senão o conhecimento da verdade através das suas primeiras causas, isto é, a sabedoria, de que a filosofia é o estudo.”<br />“Em que consiste a ciência que possuímos, e quais sãos os graus de sabedoria a que se chegou?” Responde o filósofo: “O primeiro grau contém noções tão claras em si próprias que podem ser adquiridas sem meditação. O segundo compreende tudo o que a experiência dos sentidos nos permite conhecer. O terceiro, o que a conversa dos outros homens nos ensina. O quarto grau, a leitura (...) daqueles escritos por pessoas capazes de nos darem boas instruções, porque (...) toda a sabedoria que se alcança, só é adquirida por estes quatro meios (...). Um quinto grau (...) consiste em procurar as primeiras causas e os verdadeiros princípios donde se podem deduzir as razões de tudo o que se é capaz de saber.”<br />“Os primeiros e os principais [princípios] de que temos notícia são os escritos de Platão e de Aristóteles (...). O primeiro, seguindo as pisadas do seu mestre Sócrates, confessou ingenuamente que nada ainda encontrara de certo, tendo-se contentado em escrever as coisas que lhe pareceram verossímeis”. Quanto a Aristóteles, teve menos franqueza, e embora (...) não tivesse outros princípios que não fossem os do mestre, alterou intensamente a forme de os divulgar e propô-los como verdadeiros e seguros, embora não haja nenhuma aparência que os leve a considerar como tais”.<br />“Os que vieram depois [os seguidores de Platão e Aristóteles] acabaram mais depressa por seguir as suas opiniões do que investigar alguma coisa de melhor.”<br />“A maior parte daqueles homens que desejaram ser filósofos, seguiram cegamente Aristóteles, de maneira que, freqüentemente, corromperam o sentido dos seus escritos [Agostinho, Tomás de Aquino], atribuindo-lhe diversas opiniões que ele próprio não reconheceria como suas”.<br />“As conclusões que se deduzem de um princípio que não é evidente não podem ser evidentes (...). Quando guiados por maus princípios, tanto mais nos afastamos do conhecimento da verdade e da sabedoria, quanto mais nos esforçamos por cultivas e nos aplicarmos cuidadosamente a extrair deles as diversas conseqüências pensando que é isso filosofar (...), donde se conclui que aqueles que menos têm aprendido aquilo a que se chamou até agora Filosofia, são os mais capazes de aprender a verdadeira (...), o que prova que os verdadeiros princípios, pelos quais se pode alcançar o mais alto grau de sabedoria, que consiste no soberano bem da vida humana, são aqueles que expus neste livro”.<br />O nascimento do cogito: “Deste modo, considerando que aquele que pretende duvidar de tudo, não pode duvidar que existe, enquanto duvide, e que, o que assim raciocine, não podendo duvidar de si próprio, duvidando todavia de tudo o resto, não é aquilo a que chamamos um corpo, mas sim aquilo a que chamamos alma ou pensamento, considerei o ser, ou a existência de tal pensamento, como o primeiro princípio do qual deduzi muito claramente os seguintes: a) há um Deus, que é autor de tudo o que existe no mundo; b) há corpos extensos em comprimento, largura e altura e que têm diversas formas. É a partir desses princípios que Descartes deduz todas as outras coisas.<br />O método: <br />“Primeiro o percorram [o livro] completamente, tal como se tratasse de um romance, sem forçar demasiado a atenção, nem vacilar perante as dificuldades que se forem encontrando, para saberem, somente por alto, quais as matérias de que tratei”.<br />“Sendo os princípios claros e nada se devendo deduzir senão por meio de raciocínios muito evidentes, sempre se possui espírito suficiente para compreender as coisas que deles [dos princípios] dependem.<br /><br /><br />A ordem: <br />“...um homem que só possui ainda o conhecimento vulgar e imperfeito que se pode obter pelos quatro meios acima explicados deve, antes de tudo, tratar de formar uma moral [moral provisória] que seja suficiente para sem delongas, regular as ações da sua vida e por, sobretudo, ser nosso dever esforçarmo-nos por viver bem.”<br />“Cumpre-lhe, após isto, estudar a Lógica, não a das escolas, porque esta, falando com propriedade, é apenas uma dialética tendente a ensinar os meios de fazer compreender as coisas que se sabem [Descartes está criticando diretamente Aristóteles].<br />“Bom é se exercite o estudioso a praticar as regras referentes a questões fáceis e simples, como as das matemáticas. Então, desde que haja adquirido o hábito de encontrar a verdade em tais questões, deve começar a aplicar-se a verdadeira filosofia, de que a primeira parte é a metafísica”.<br />“...toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são formadas pela metafísica, o tronco pela física e os ramos que saem deste tronco, constituem todas as outras ciências que, ao cabo, se reduzem a três principais: a medicina, a mecânica e a moral, entendendo eu por moral a mais elevada e mais perfeita, a que, pressupondo inteiro conhecimento das outras ciências, vem a ser o último grau da sabedoria.”<br />“Com a Geometria pretendia eu demonstrar que encontrara várias coisas aí ignoradas e dar assim ocasião a acreditar que se podem descobrir ainda muitas outras a fim de incitar, por esse processo, todos os homens à investigação da verdade”.<br />“E dividi o livro em quatro partes, contendo a primeira os princípios do conhecimento, que é aquilo que se pode chamar a Primeira Filosofia, ou a Metafísica”.<br />“...quando se possuem verdadeiros princípios em filosofia, não se pode deixar, seguindo-os, de encontrar, por vezes, outras verdades; e para se demonstrar a falsidade dos de Aristóteles basta verificar que não se logrou atingir nenhum progresso por seu intermédio durante os séculos em que foram seguidos”.<br />A clareza:<br />“...nunca me atribuam qualquer opinião que não encontrem expressamente nos meus escritos”.<br />“Mas se, enfim, a diferença que observarem entre estes princípios e os de todos os outros (...) não haverá nenhum que não procure aplicar-se a estudo tão proveitoso, ou pelo menos que não favoreça e queira ajudar, com o máximo do seu poder, os que a isso se entregarem frutuosamente”.<br /><br /><br />07/01/2010<br />BANCON E A MODERNIDADE<br /><br />Tópicos para Estudo de Prova<br /><br /> Desde o século IV d. C. até o século XV, a história do conhecimento seguiu duas grandes vertentes: de um lado o conhecimento dos mosteiros e do outro o conhecimento dos estudiosos livre-pensadores da natureza. <br />O nexo entre o método e a filosofia será a questão que norteará todo o curso de Filosofia Moderna. É com Bacon e Descartes que se abrem as portas para a modernidade (modernidade vem de modus). Como pressuposto metodológico, a história da filosofia enquanto núcleo de trabalho vai ser direcionado para o conhecimento racional. A filosofia vai se configurar como uma auto-reflexão do espírito de valor teórico e prático (visão de mundo, weltanschaung). A modernidade se instaura a partir de uma leitura do universo sustentada em critérios da física, da matemática e da geometria. Galileu dizia que o mundo era um livro escrito em linguagem matemática e em caracteres geométricos.<br />Francis Bacon e René Descartes são os primeiros a elaborar reflexões filosóficas que faziam eco aos resultados do conhecimento dos físicos e matemáticos da época. Bacon, ao contrário dos pensadores medievais que direcionavam a produção do conhecimento para contemplar a obra de Deus, defendeu a idéia, muito moderna, de que o produto da ciência deveria ser aplicado diretamente a serviço do progresso. Bacon transformou, assim, o conhecimento em algo útil, coisa estranha tanto para os gregos da antiguidade como para os teólogos medievais.<br /> A filosofia é a ciência dos conceitos, ou seja, em vez de opiniões temos conceitos. Hegel, em Conceito da História da Filosofia, diz: “A Filosofia não contém nenhuma opinião, porque não existem opiniões filosóficas”. E acrescenta: “A Filosofia é a ciência objetiva da verdade, é a ciência da sua necessidade: é conhecer por conceitos, não é opinar nem deduzir uma opinião da outra (...) [pois] “o oposto da opinião é precisamente a verdade, e diante da verdade empalidece a opinião (...). É importante que citemos mais alguns conceitos hegelianos sobre a verdade, como os a seguir: “... para alcançar a verdade, importa renunciar à autonomia do pensamento e sotopor [privilegiar] a razão à cega fé autoritária”. E completa Hegel: “... a convicção individual é o fato último e absolutamente essencial que a razão e a sua filosofia, do ponto de vista subjetivo, reclamam para o conhecimento (Pensadores, pg. 390-391). Por fim, assim se reporta Hegel sobre o assunto: “... A verdade consiste no saber, mas que da verdade apenas se sabe aquilo sobre que se exerceu a reflexão, não por instinto natural; que a verdade não pode ser reconhecida por imediata intuição ou visão, ainda mesmo que esta seja exterior e sensível (...), mas unicamente por meio do trabalho do pensamento” (idem pg. 392).<br /> Na Introdução à História da Filosofia (op. cit. pg. 381), destaque-se o texto a seguir: “A história da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional.”<br /> A obra filosófica se auto-explica. Não se encontra no contexto filosófico os elementos que a compõe. O contexto propõe questões ao filósofo, para que ele possa exteriorizar sua obra. Heiddeger disse: “A vida do filósofo não interessa. O texto por si se explica. Do filósofo só preciso saber o nome em que ano ele nasceu e o ano em que morreu”. O contexto deve ser propositivo e nunca determinante. <br /> Passemos agora a discorrer sobre alguns elementos que atestam o declínio da cultura medieval e o advento do espírito moderno: <br />1) 1453, Maomé II, e a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Os sábios gregos migram para Itália levando consigo os manuscritos dos gregos, notadamente os de Platão, Plotino e Aristóteles. É o que se convencionou denominar de Renascimento do Platonismo (elemento geopolítico); <br />2) a Reforma Protestante (elemento teológico), que surgiu da decadência da Igreja. Na Reforma é a Igreja medieval o ninho de superstição e heteronomias (segundo Kant, sujeição da vontade humana a impulsos passionais). As doutrinas em vigor vão ser questionadas, reformuladas. Santo Agostinho vai seguir uma perspectiva paulina. Vai decodificar a doutrina paulina da graça, que diz ser um dom que é distribuído injustamente. Ou seja, somos “ex-nihilo”, saímos do nada e como tal sempre nos falta algo. Agostinho usa esse esquema para explicar o mal, ou seja, que o mal é uma falta de densidade ontológica, uma privação do bem, que só aparece onde o bem não está. Com o pecado original, perdemos a capacidade de escolha (o livre-arbítrio). Ele diz que sobre a liberdade nós só temos ilusões, ou seja, a liberdade é ilusória. Agostinho é estrategicamente colocado de lado no episódio da doutrina das obras. Em São Paulo, a doutrina da graça remete o homem à sua interioridade, pela qual a lista dos que serão salvos fica nas mãos de Deus. Lutero traduz a Bíblia para o alemão. Foi quando as pessoas não precisaram mais de um intermediário entre elas e Deus. O movimento exige uma reforma em detrimento da fé. Agora, a relação do cristão com a Bíblia é direta. Ora, se eu não preciso de obras, também não preciso de igrejas. Tenho uma subversão da autoridade. E por último, a eliminação do elemento externo (ou seja, nada imagens, igrejas, altares etc.). Note-se que, com a subversão da autoridade, surge um caminho para a autonomia (o oposto de heteronomia). Observe-se, ainda, que o cristianismo fez uma distinção clara: demarcou o Novo e o Velho Testamento. O cristão quase não tem contato com o Velho Testamento, cujo Deus é vingativo, que castiga, enquanto que o Deus do Novo Testamento é mais amor; <br />3) Revolução Galilaica, cuja síntese científica congrega Giordano Bruno, Johannes Kepler e Nicolau Copérnico. O grande elemento nesse contexto é a destituição do modelo astrofísico aristotélico-ptolomáico, principalmente a Física de Aristóteles e a Astronomia de Ptolomeu. O modelo aristotélico é formado por esferas concêntricas, com uma centralidade de movimentos universais. Nele, os astros são formados por uma substância denominada éter (uma substância quintencenciária), que não era nem água, nem terra, nem fogo, nem ar, mas astros formados de matéria incorruptível. É, ainda, um modelo que estabelece um universo topográfico (topos = lugar) e hierarquizado (os mundos sublunares e os mundos supra-lunares). Ou seja, o universo é limitado.<br />Com Galileu, o telescópio representa o respaldo científico vindo da empiria. Ao descobrir as manchas solares, Galileu derruba de vez a tese aristotélica da perfeição dos corpos celestes. O universo agora só pode ser expresso em linguagem matemática, quantitativo. Com a revolução galiláica, perguntou-se como a humanidade pôde se enganar durante 15 séculos? O erro existiu porque faltou o método em ciência. Neste ponto, despontam duas vertentes científicas: a galiláica e a filosófica. Inaugura-se uma filosofia que vai se debruçar sobre a ciência. A filosofia abandona a religião e busca uma verdade metafísica.<br />Pergunta-se neste ponto quais as conseqüências filosóficas que esses três elementos trouxeram para a humanidade: 1) empirismo; 2) racionalismo. Foram essas duas vertentes que levaram a modernidade até o século XIX.<br />Após os prolegômenos, passemos a discorrer sobre a obra de Francis Bacon (1561-1626). Com Bacon, a natureza é separada da filosofia e da ciência. O que há de importante, interessante e novo em Bacon é o fato de sua filosofia não separar o espírito científico do espírito técnico. É exatamente nesse ponto que Bacon é singularmente moderno. Para ele, a ciência desemboca no poder e todo poder verdadeiro passa pela ciência. Para ele, o homem só pode vencer a natureza, obedecendo-a (Natura non nisi parendo vinatas). De fato, conhecer a natureza é conhecer as causas dos fenômenos (Vere scire per causas scire). E, como a relação causa/efeito é imediatamente transponível para uma relação meio/fim, podemos esperar transformar o efeito, caso modifiquemos a causa.<br />Como dito linhas acima, não há separação entre espírito e técnica em Bacon. Se há essa separação, teremos a retórica, uma dialética, uma ciência inócua. Se eu unifico ciência e técnica, tenho o poder. Tenho o uso da natureza em meu favor, tenho a verdadeira ciência, ou seja, a técnica e a ciência aplicadas. Precedentemente a Bacon, havia o que poderíamos chamar de antecipação da mente. A partir de Bacon, uma antecipação da natureza. No primeiro caso, verificava-se um uso exacerbado dos argumentos (retórica), opiniões elegantes e prováveis, tradição (antigos e a leitura dos mesmos pelos medievais); no segundo caso, temos a vitória sobre a natureza por meio da ação. Essa ciência que age se transforma em técnica. A verdade surge de forma mais clara e manifesta. Surgem os verdadeiros filhos da ciência.<br />Passamos agora a tecer comentários sobre selecionados aforismo extraídos do Novo Organum. Podemos conceituar um aforismo como sendo uma proposição concisa que encerra muitos sentidos em poucas palavras. Dito de outra forma, significa determinação, delimitação. Proposição que exprime de maneira sucinta uma verdade, uma regra ou uma máxima concernente à vida prática. No início, essa palavra era usada quase exclusivamente para indicar as fórmulas que exprimem de modo abreviado e mnemônico os preceitos da arte médica, por exemplo, os aforismo de Hipócrates.<br />Selecionamos a seguir alguns aforismos baconianos mais estratégicos: <br />a) acerca da Filosofia: XCV – a Filosofia até esse momento se divide em empíricos e dogmáticos; <br />b) bem-estar do homem, que depende de seu domínio sobre a natureza (CXVI (a Lógica deslocou os homens; criou um mundo que separou o homem do seu meio natural. Bacon propõe uma Filosofia pura e sem mesclas); <br />c) o conhecimento deve ser colocado a serviço do homem. O método atém-se aos fatos particulares. O modelo pretende ir direto às coisas, sem nenhuma modificação. É um método calcado na experiência: <br />d) mas não precisa ter uma utilidade imediata. É o conjunto do saber que deve ser visado. Bacon vai propor uma nova Filosofia; XCIX (sua metodologia é experimental, mas reverbera no intelecto (XCVI, XCIX, L, XXXVIII, XXXIX).<br />e) os sentidos devem ser coadjuvados pelos instrumentos: L (o experimento para guiar os sentidos para a investigação da natureza. O guia é o método, que dá a chave e interpretação das coisas; <br />f) teoria dos ídolos: Os ídolos como os erros da ciência. Bacon dizia que era preciso evitar quatro armadilhas. Era preciso escapar de quatro grandes riscos que poderiam levar o pesquisador a equívocos. Estes quatro fatores de risco Bacon chamou de Ídolos da Tribo, Ídolos da Caverna, Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro (XXXVIII até o XLIV) <br />O primeiro risco a ser evitado eram as falhas inerentes a natureza humana, falhas dos sentidos e do intelecto. Tudo pode não ser o que parece e devemos estar conscientes disso. <br />O segundo risco, Ídolos da Caverna, alerta-nos para nunca pressupormos nada, ou seja, nunca devemos fazer generalizações. Aqui, o pesquisador corre o risco de deixar se influenciar pelas suas idéias pessoais. Para Bacon, o conhecimento deve ser isento de subjetividade, e, por isso, o pesquisador deve estar sempre atento às distorções introduzidas pela sua personalidade. <br />A terceira ameaça, Ídolos do Foro, alguns chamam de Ídolos do Mercado, tem a ver com as coisas que nos seduzem, ou seja, na tentativa de entender as maravilhas do mundo, desenvolvendo-as por meio da linguagem, não fazemos justiça a elas nem somos capazes de compreendê-las completamente. Os Ídolos do Foro introduzem as falhas próprias do uso da linguagem e da comunicação entre os homens. Bacon propõe o rigor no uso de conceitos, sempre que possível sustentados matematicamente para evitar a multiplicidade confusa de significados. Tomemos como exemplo o rigoroso critério utilizado por Antônio Flávio Pierucci para desenvolver seu estudo sobre encantamento do mundo, a partir da obra de Max Weber. <br />Por fim, os Ídolos do Teatro. A filosofia é preventiva em contrapartida com o modelo aristotélico que mostra um mundo fictício, que engendra ilusões. Esses ídolos alertam para as distorções fruto do uso acrítico de falsas teorias, de falsos sistemas filosóficos aceitos pela tradição. Exemplo, idéias com pompas filosóficas – filosofia para principiantes, filosofia pra crianças, EAD, etc. <br />“Os ídola, os vários e vãos fantasmas que assediam e perturbam a mente, tiram vida não só dos estudos e da educação, mas da própria natureza humana”, diz Rossi (pg. 76). E acrescenta: “São estes mundos fantásticos e estas ímpias construções que devem ser destruídos, a fim de que o intelecto tenha novamente condições de espelhar a realidade e afim de que seja preparado o tálamo para as núpcias da Mente e do Universo” (Rossi, pg. 76).<br />“Na raiz da teoria baconiana dos ídola está a convicção de que a situação da mente diante das coisas não é de fato a que deveria ser de direito. A obra de liberação e de purificação das mentes, para Bacon, coincide, desse modo, com uma reforma da atitude do homem diante do mundo (...). A luta contra as falsas imagens presentes no homem parece um meio para realizar a divina promessa e levar a bom termo a obra da redenção” (Rossi, pg. 77).<br />No aforismo XIX abandona-se o método dedutivo e pede-se o método indutivo; XX (a dialética como sinônimo de lógica; XXI (intelecto regulado); XXII (a escolástica não conhecia a indução, nem a experiência, por isso vai direto às generalizações. A indução parte dos elementos particulares até chegar ao geral); XXXVI (a nova ciência propõe um trato direto com as coisas (a natureza). É uma relação homem x natureza sem intermediários. Estamos diante das verdades de fato, que pedem um método indutivo); CVI (a indução é um método que é paulatinamente acompanhado, até que pela totalidade da experiência possa-se chegar à generalização.<br />Nota: método indutivo – a indução é um processo de eliminação, que nos permite separar o fenômeno que buscamos conhecer (que se apresente misturado com outros fenômenos da natureza) de tudo o que não faz parte dele. Esse processo de eliminação envolve não só a observação, a contemplação do fluxo natural dos fenômenos, como também a execução de experiências em larga escala, isto é, a interferência intencional na natureza e a avaliação dos resultados dessa interferência. Cabe ao processo indutivo multiplicar e diversificar as experiências, alterando as condições de sua realização, repeti-las, ampliá-las, aplicar os resultados; verificar as circunstâncias em que está ausente e as possíveis variações do fenômeno. É um método que quer abarcar por completo a natureza. É como se dividisse a natureza em partes controláveis. Bacon sugere que para controlar a natureza, o homem precisa obedecê-la. Podemos comparar a natureza a uma máquina e suas leis representam o seu mecanismo. Por outro lado, a dedução parte de um princípio geral, um axioma fundamental que é aceito sem crítica e que possivelmente está fundamentado na fé ou na necessidade.<br />Bacon propõe, para o pensamento científico, seguir o caminho oposto: partindo das sensações e das coisas particulares, de observações específicas, encontrar leis intermediárias, que, combinadas, podem gerar leis cada vez mais gerais, axiomas gerais, ascendendo contínua e gradativamente, até alcançar os princípios de máxima generalidade. Tal axioma geral deve uma vez verificado mediante prova ou exame, corresponder aos fatos particulares dos quais foi extraído. Bacon estabeleceu, assim, um roteiro de ação que disciplinou as práticas e o sentido dos cientistas dos séculos XVII, XVIII e XIX.<br />Ao contrário de Francis Bacon, que subordina a razão à experiência, seguindo um caminho de caráter indutivo, Descartes submete a experiência à razão, obrigando um percurso dedutivo. Bacon e Descartes são os pilares do consenso moderno em torno de um modo de produzir conhecimento.<br />LXXXV – o modelo de máquinas a que a natureza é comparada é a do relógio. Aqui se funda o mecanicismo, que vai de Galileu até Bacon;<br />XLVI (um dos pontos nevrálgicos para a instauração da modernidade). Aqui se trata da magia supersticiosa. O mistério não se rende à lógica, não se rende à explicação. A crença no misterioso é a base de toda a superstição. Aqui Bacon efetua um corte e rompo com qualquer idéia mística, que possa atrapalhar. A chave do encantamento é a magia, que tenta explicar fenômenos naturais. Como exemplo Bacon cita o caso do naufrágio, os ex-votos. A magia transforma o mundo em um mundo cheio de encantamemento.<br />Nota: o racionalismo ocidental tem uma forte expressão na modernidade. É o processo de desencantamento que levou a que a desintegração das concepções religiosas do mundo gerasse na Europa uma cultura profana. A propósito de um mundo desencantado. O projeto de desencantamento do mundo começa com Bacon. Em Pierucci (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Weber), o desencantamento do mundo começa com os hebreus, que vão unificar as divindades num Deus único, que vai representar uma doutrina estável, mandamentos, liturgia, codificação etc. Já é um primeiro processo de desencantamento do mundo. Esse processo vai culminar com o desencantamento moderno. De acordo com Antônio Flávio Pierucci, Weber usa o termo “desencantamento do mundo” em dois sentidos: ora, o desencantamento pela religião, ora pela ciência (pg. 42), embora alguns autores têm preferido adotar uma nova tradução técnica para Entzauberung. Em vez de “desencantamento” (...), respeitáveis estudiosos hoje propõem o uso da palavra “desmagificação” (pg. 46).<br />Dado o caráter polissêmico do termo, Antônio Flávio Pierucci diz que “o sintagma, o nome, o termo desencantamento do mundo continua com sua carga nada negligenciável de sugestividade, continua a acolher e nutrir possibilidades inúmeras de metaforização, continua propenso à diluição dos seus contornos lógicos, convite, por outro lado, ao adensamento filosófico de seus conteúdos no trabalho de reflexão sobre os grandes dilemas existenciais postos pelo processo de racionalização especificamente ocidental”.<br />LXXXVII – temos a atitude prodigiosa de um lado e a filosofia do outro. Dessas atitudes vem o encantamento. Então, aqui se encontram as fantasias, influência dos astros, adivinhações, revelações, etc. Em consórcio com a Filosofia vem a ciência, onde vamos ter: objetividade, cálculo, racionalidade, realidade empírica, natureza. Isso representa um mundo de desencantamento. Cria-se um projeto moderno de filosofia e ciência. O problema não é acreditar em fantasias, mas quando isso é tomado como ciência em filosofia. Temos um projeto moderno ao qual Weber vai chamar de desencantamento do mundo.<br />Marx com sua crítica ao sistema capitalista, Nietzsche com sua reavaliação do cristianismo e Freud com a descoberta do inconsciente inauguraram uma crítica ao modelo de um mundo desencantado.<br />LXII – grave problema, que é a mescla entre Filosofia e Teologia, mais especificamente entre Aristóteles e a Escolástica. A Teologia vai estar amparada na veneração e na fé. Estamos no domínio da magia, do encantamento. Este é o grande problema que envolve Aristóteles, ou seja, ter sido o responsável por um longo inverno de 15 séculos de magia e encantamento.<br />Para entender a oposição de Bacon à Escolástica, servimo-nos de alguns textos auxiliares à disciplina, porém não menos importantes que o que vem conduzindo todo o semestre, que é o Novo Organum, de Bacon. Nos Discurso preliminar da Enciclopédia, D’Alembert faz alusão a Bacon como o mais eloqüente dos filósofos, o qual dividiu as ciências em diferentes ramos. O método de Bacon, em meio às sombras, ele consegue aclarar um dos setores mais importantes da ciência e da filosofia – a contraposição da Luz (razão) com a Sombra (não-razão, ou seja, encantamento, magia). Bacon faz uma interpretação realista do mundo, que até então percorrera uma trajetória de ignorância. De Bacon a Kant a crítica à Escolástica vai estar sempre presente.<br />LXIII – as categorias aristotélicas serviram para predicar. O mundo seria possível de ser predicado. Tal predicação atravessa o homem, que acaba por romper seus laços com a natureza. Bacon prefere os pré-socráticos aos filósofos posteriores, porque considerava aqueles mais ligados à natureza. <br />Retomando o tema referente à Escolástica, não nos esqueçamos de lembrar que é no seio da Escolástica que nasce a Universidade, é lá o seu reduto maior. Nasce a universidade católica, universal (unidade na diversidade). E como o espírito era universal, o primeiro princípio a ser adotado foi a língua, o latim. Mas, o que nos interessa aqui neste ponto é a figura do Professor de Teologia, que nasce dentro da universidade católica. As abadias não conhecem até então essa figura. Todavia, ele, o professor, tem uma missão importantíssima: a fundamentação da doutrina do ponto de vista científico. Nos séculos XI e XII essa ciência se reduz a um nome: Aristóteles, principalmente com as obras Física, Metafísica, Política, etc. Trata-se, inegavelmente, de um trabalho gigantesco, monumental, mas nem por isso sem distorções nem imune às críticas de seus sucessores. Aristóteles tem uma concepção do mundo como gerado. É um tempo cíclico e um eterno retorno. Pois bem, esse professor de teologia tem a missão de tornar científica a fé cristã. Ele precisa, entretanto, de um método, que pudesse ser desenvolvido mediante lições e questões formuladas, debatidas à exaustão e finalmente sintetizadas. Desta forma, o método desenvolvido pelos teóricos da Escolástica, citemos aqui dois nomes de capital importância, que são Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, são as suas famosas sumas teológicas, dispostas em questões (disputaciones ordinarie), cujos artigos mostram as questões suscitadas, os artigos a elas vinculados, uma conclusão antecipada de cada artigo, seguida de uma solução; por fim, vem uma resposta a cada objeção, fechando a questão.<br />O pensamento filosófico de Francis Bacon representa a tentativa de realizar aquilo que ele mesmo denominou de Instauratio Magna, ou seja, a Grande Restauração. A realização desse plano compreendia uma séria de tratados que, partindo do estado em que se encontrava a ciência da época, acabaria por apresentar um novo método que deveria superar e substituir o de Aristóteles. Esses tratados deveriam apresentar um modo específico de investigação dos fatos, passando, a seguir, para a investigação das leis e retornavam para o mundo dos fatos para nele promover as ações que se revelassem possíveis. Bacon desejava uma reforma completa do conhecimento. A tarefa era, obviamente, gigantesca e o filósofo produziu apenas certo número de tratados. Não obstante, a primeira para da Instauratio foi concluída.<br />Digna de registro será a citação feita por Paolo Rossi (ROSSI: 1992, pg.;78): “A Instauratio configura-se então para Bacon como a tentativa de reconquistar aquilo que o pecado nos arrebatou. Surge como um retorno a um passado distante e perdido, às antigas e felizes condições de vida; é um caminho difícil e lento para reconduzir o homem ao seu originário estado de perfeição.” Ou mais precisamente, “trata-se de substituir essas filosofias não por uma filosofia que pretenda ocupar o lugar daquelas movendo-se no mesmo terreno, mas por uma atitude nova diante da natureza, uma atitude que requer não só um novo método de transmissão do saber e de comunicação entre mentes, mas também um novo conceito de verdade, uma nova moralidade, uma lenta e paciente obra de refinamento e purificação do intelecto” (ROSSI, 1992, pg. 64). Estão nestas últimas palavras todo o projeto restaurador de Francis Bacon.<br />Em seu estudo acerca da oposição Aristóteles versus Escolástica, Rossi diz que Bacon desde os 16 anos “sentiu pela primeira vez um sentimento de decidida aversão pela filosofia de Aristóteles”. Para Rossi, “a idéia de que o gênero humano se perdeu a si próprio e avançou tateando, como um cego, pelo caminho difícil do saber é um dos elementos centrais da filosofia de Bacon” (ROSSI: 1992, pg. 63). A discussão ganha contornos mais acalorados quando Rossi, considerando o caráter religioso de Bacon, não se espanta quando o pensador compara Aristóteles ao Anticristo: “ Se há alguém em filosofia que veio em seu próprio nome, este é Aristóteles que em cada argumento só pediu conselho a si próprio, que desprezou de tal modo a antiguidade, que só se dignou a nomear algum dos antigos apenas para refutá-lo e insultá-los” (cit por Rossi, 1992: pg. 66). A filosofia escolástica parece a Bacon uma típica forma de impostura religiosa.<br />Bacon coloca sobre os ombros da Escolástica a responsabilidade histórica do processo de afastamento de Deus e das Escrituras à filosofia “contenciosa e desordenada de Aristóteles”, gerando uma situação extremamente danosa para o progresso do saber.<br />Os ataques ao binômio Aristóteles/Escolástica se sucedem em cascata de forma espetacular, se é que me é permitido chegar a tais exageros. Rossi fala do interesse de homens como John Colet, Thomas Morus e Tybdale, para os quais seria necessário um retorno à original pureza da fé cristã. “John Colet, segundo Rossi, falava da arrogância de Tomás de Aquino e via na sua obra uma tentativa de misturar a doutrina de Cristo com as filosofias profanas” (Rossi: 1992, pg. 70). Morus afirmava que era necessário voltar à compreensão dos textos de Agostinho e Jerônimo, de Ambrósio e Cipriano, entre outros, porque esses textos “e não naquelas insignificantes “questões” de moda estava solidamente presente a base da teologia cristã” (Rossi, 1992, pg. 70).<br />Para concluir, Rossi escreve: “A Instauratio configura-se então para Bacon como a tentativa de reconquistar aquilo que o pecado nos arrebatou. Surge como um retorno a um passado distante e perdido, às antigas e felizes condições de vida; é um caminho difícil e lento para reconduzir o homem ao seu originário estado de perfeição.” Eis, em poucas palavras, o grande projeto restaurador de Bacon.<br /><br />Aracaju/Se, 14/05/09.<br /><br />RECEPÇÃO DA CRÍTICA À OBRA DE HUME SOBRE A ORIGEM DA CRENÇA RELIGIOSA<br /> Rinaldo de França Lima<a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a><br /><br />Resumo: O presente trabalho tem por objetivo empreender uma curta análise da obra História Natural da Religião, de Davi Hume (1711-1776), dando destaque maior à crítica que referida obra recebeu à época de sua publicação. O método utilizado pelo autor deste ensaio foi o da leitura atenta do texto e das publicações auxiliares, tendo como cuidado maior não se distanciar do verdadeiro pensamento de Hume. Trata-se de uma das primeiras obras a se debruçar sobre o fenômeno da crença religiosa apenas como uma manifestação da natureza humana e não como uma conseqüência da existência de Deus. Trabalharemos neste ensaio monográfico o contexto e a recepção da obra por parte da crítica especializada de então.<br />Palavras-chave: Religião – Crença Religiosa – Crítica – Natureza Humana - Superstição.<br /><br />“Não existe um absurdo teológico tão evidente que não tenha sido adotado, um dia ou outro, por homens dotados do mais vasto e mais refinado entendimento. Nenhum preceito religioso é tão rigoroso que não tenha sido adotado pelo mais libidinoso e mais dissoluto dos homens”.<br />(David Hume, História Natural da Religião, pg. 126.)<br /><br /><br />A) Introdução<br /><br />David Hume (1711-1776), que juntamente com Berkeley e Locke compõe a tríade representativa do empirismo britânico, é um divisor de águas no que concerne ao estudo do fenômeno da crença religiosa. A obra que pretendemos analisar e, simultaneamente, apresentar algumas intervenções críticas, foi publicada pela primeira vez em 1757. Trata-se de uma das primeiras obras a se debruçar sobre o fenômeno da crença religiosa apenas como uma manifestação da natureza humana e não como uma conseqüência da existência de Deus. Trabalharemos neste ensaio monográfico o contexto e a recepção da obra por parte da crítica especializada de então.<br />Escocês de nascimento, Hume descende de uma família abastada de Berwickshire, nas proximidades de Edimburgo. Foi um pensador politicamente liberal, mas de religião calvinista.<br />Por volta dos 15 anos de idade seus interesses intelectuais se voltam para a filosofia. Foi nesta época que começou a fazer sérios questionamentos acerca da religião. Desde muito cedo, portanto, o jovem filósofo mostrara-se preocupado com temas como as provas da existência de Deus e também com o outro lado da moeda: o ateísmo. Ainda por esta época, Hume vai sofrer a influência do cético francês Pierre Bayle (1647-1706), celebrizado por sua obra “Pensées diverses écrites a um docteur de Sorbona e l’ocasion de la comete que parut au mois de décembre 1680”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, para esclarecer que os cometas não constituem presságio de algum mal. Nesta obra, em outras palavras, Bayle procura explicar a aparição do cometa Halley em 1680 nos céus da França sob uma a perspectiva puramente natural, fenomenológica, e não do ponto de vista supersticioso. Obviamente, que a publicação, na verdade um artigo, causa forte rebuliço em toda a população. O evento – a publicação do artigo e não o cometa em si – caiu como uma bomba sobre os meios filosófico e religioso de então.<br /><br />B) A obra – A crítica<br /><br />Hume, em suas abordagens acerca das questões religiosas, sempre manteve uma postura de muita cautela. E tinha bons motivos para assim se comportar. Vivia-se uma época de acirradas perseguições religiosas, acompanhadas de inimagináveis rituais de tortura e muitas vezes culminando com a morte do supliciado. Muitos casos mereceram destaque em face das atrocidades levadas a cabo pelo Tribunal do Santo Ofício, desde cortar línguas, trabalhos forçados e por último a morte na fogueira. Para aqueles que tentavam escrever sobre ou contra concepções religiosas, cautela era a palavra de ordem. E Hume, inteligentemente, foi um mestre na arte de saber mostrar-se com muito cuidado nessas situações. Ele próprio se autocensurava, como o mostram suas cartas.<br />As primeiras críticas ao seu trabalho sobre a origem das religiões remontam ao seu Tratado da natureza Humana, publicado em duas etapas diferentes e antes dele completar 30 anos de idade - uma em 1739 e a outra em 1740. Tais críticas iniciais apareceram de forma anônima e chamava a atenção para um possível “efeito pernicioso sobre as opiniões ou a moralidade dos homens”, segundo citação de James Fieser<a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Ainda de acordo com Fieser, “outra crítica julgava que a explicação da causalidade oferecida pelo Tratado tinha “anulado completamente o argumento a priori a favor da existência divina<a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>”.<br />Em 1741 e 1742, Hume publica seus Ensaios morais e políticos, dos quais dois continham críticas discretas à religião: Da superstição e do entusiasmo e Dos partidos em geral. No primeiro, Hume mostra que as superstições religiosas e o fanatismo são imanentes à religião, sendo que o fanatismo está mais ligado às liberdades civis; no segundo caso, Hume tenta explicar o surgimento das guerras religiosas como conseqüência da intolerância injustificada e do dogmatismo excessivo das doutrinas.<br />A partir daí, a crítica de Hume à religião deixa de ser velada e passa a ser mais direta, o que torna suas obras mais visadas aos olhos de seus adversários. No ensaio Do caráter nacional, de 1748, Hume desfere violento ataque ao clero, acusando-o de ser uma profissão calcada na ambição, na vaidade e na vingança. Esta nota constitui-se num alvo predileto por parte da Igreja para empreender acirrados revides ao filósofo.<br />Entretanto, suas duas obras mais expressivas sobre religião são: História natural da religião e os Diálogos sobre a religião natural. A primeira, publicada em 1757, e os Diálogos, por sugestão de amigos que queriam manter Hume longe das controvérsias religiosas, ficaria inédito até 1779, ou seja, três anos após a morte do filósofo. As duas formam um todo e devem ser compreendidas conjuntamente. Na História natural da religião, Hume começa dando duas explicações distintas para o que se chama de crença religiosa. Ele diz que as pessoas tendem a ser levadas à crença religiosa por dois motivos: ou por argumentos racionais ou psicológicos, que são completamente independentes de qualquer fundamento racional, como, por exemplo, o medo.<br />Nos Diálogos sobre a religião natural, Hume examina a possibilidade de uma fonte racional para a crença religiosa, na forma de um diálogo entre dois teístas (Cleantes e Demea) e um cético (Filo), sendo este o personagem que empresta voz para as teses de Hume. Filo procura e praticamente destrói todos os argumentos sobre a existência de Deus, principalmente o Argumento do Desígnio, segundo o qual a existência do mundo pressupõe a existência de um criador supremo e divino, Deus. Assim, os Diálogos ocupam-se quase exclusivamente do argumento do desígnio a favor da existência de Deus. O argumento do desígnio, como veremos logo a seguir, é o seguinte: existe ordem, complexidade e estrutura da natureza. Estas características não seriam possíveis sem a existência de um criador inteligente. Logo, existe um criador inteligente, Deus. Em resumo, as duas obras constituem uma completa rejeição da crença religiosa. Desidério Murcho<a title="" style="mso-footnote-id: ftn5" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, ao resenhar a edição da História natural da religião, da Editora Gulbenkian, Lisboa, 2005, nos diz que é<br /><br />“...é uma obra de menor interesse filosófico, mas de inegável interesse histórico, nomeadamente para os estudos religiosos. Trata-se de um dos primeiros estudos da religião comparada, estudo que se tornaria mais tarde muitíssimo popular. Nesta obra, Hume desenvolve o seu poder de observação e análise de pendor naturalista, comparando várias religiões, na altura documentadas, e procurando avaliar os seus pontos fortes e fracos. Lido conjuntamente com os Diálogos, esta obra oferece uma compreensão aprofundada das posições de Hume sobre a religião – posições que infelizmente nunca com toda a frontalidade, para não afrontar aqueles que a ele o afrontaram.<a title="" style="mso-footnote-id: ftn6" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>”.<br /><br />Neste ponto, julgo pertinente, para efeito de melhor compreensão das obras citadas, dissertar algumas linhas acerca do Argumento do Desígnio, dogma sobre o qual se debruçou Hume com o fito de rejeitar e anular, em face da sua fragilidade. Comecemos pelo ponto inicial, Deus. Se Ele existe, há um propósito para a vida humana e podemos até ter a esperança de uma vida após a morte. Mas, se ele não existe, é preciso que criemos um mecanismo que dê algum sentido à nossa vida. O teísmo é uma perspectiva segundo a qual existe um Deus onipotente, onisciente e benevolente. Esta é em geral uma visão aceita por cristãos, judeus e muçulmanos e é o ponto de partida para boa parte dos filósofos da religião.<br />O Argumento do Desígnio, também chamado de Argumento Teleológico, afirma que se olharmos para o mundo que nos cerca, não podemos deixar de ver que tudo se encaixa de forma precisa. Ou seja, tudo dá a impressão de ter sido feito por um grande artífice divino e projetado para um fim. Trata-se de um argumento que obtém, a partir de um efeito, a causa. É um argumento por analogia, ou seja, se duas coisas são semelhantes em alguns aspectos, muito provavelmente o serão em outros. É o que Hume vai denominar de Princípio do Fechamento. Dito de outra maneira, se o Sol nasceu há bilhões de anos todos os dias, provavelmente nascerá amanhã, mas eu não posso ter certeza absoluta que tal fenômeno irá acontecer. Hume vai mostrar que o argumento defendido pelos contendores teístas do diálogo é fraco e não se sustenta.<br />As armas de Hume contra o Argumento do Desígnio são muito fortes nas duas obras citadas, a História e os Diálogos. A principal objeção feita pelo nosso filósofo é a de que o tal argumento se baseia numa analogia fraca. Tenhamos em mente que a teoria de Darwin sobre a seleção natural fornece ao fenômeno uma explicação alternativa que é amplamente aceita. A teoria de Darwin enfraquece o Argumento do Desígnio de tal forma que o impede, assim, de ser uma prova da existência de Deus.<br />Enfim, o Argumento do Desígnio é totalmente incapaz de servir de apoio ao monoteísmo, ou seja, a existência de um Deus único. Em segundo lugar, não dá nenhuma sustentação para a tese de que o projetista maior era onipotente. Em poucas palavras, o Argumento do Desígnio não pode provar a existência do Deus dos teístas.<br />Finalmente, sobre benevolência e onisciência, a idéia mais aceita é de que o mal que há no mundo estaria na origem de um Deus com essas características. Ou seja, um Deus onisciente que saberia que o mal existe, e que, portanto, poderia evitá-lo; e um Deus benevolente que não iria deixar que o mal existisse. E, no entanto, o mal existe.<br />Quando os Diálogos foram publicados, em 1779, as reações foram controversas. Os amigos e admiradores consideraram-na uma obra habilmente acabada. Entretanto, seus detratores a rotularam como sendo um perigo para a religião. Numa resenha dos Essays on suicide and the Immortality of the soul, de 1783, lê-se o seguinte trecho, conforme cita James Fieser<a title="" style="mso-footnote-id: ftn7" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>:<br /><br />“Os princípios que o Sr. Hume tenta defender são desprezíveis e perniciosos, tendo uma tendência para afrouxar os laços da sociedade, para subverter o fundamento da religião, para rebaixar a natureza humana, para extinguir toda nobre emulação, para denegrir toda a criação, e para frustrar nossas mais sublimes intenções e esperanças”.<br /><br />Hume tinha três grandes objetivos na sua História Natural da Religião. O primeiro era estabelecer que o politeísmo foi a primeira religião dos homens; o segundo, estabelecer “quais são os princípios que engendram a crença original, e quais são os acidentes e causas que regulam sua operação<a title="" style="mso-footnote-id: ftn8" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>”, conforme cita Fieser em seu ensaio. Hume, segundo esse autor, entra num longo debate sobre as causas da crença religiosa; o terceiro objetivo de Hume é fazer uma comparação entre politeísmo e monoteísmo, e demonstrar que um não é superior ao outro. Ou seja, cada um tem suas vantagens e também desvantagens.<br />Ainda de conformidade com Fieser, há quem sustente que Hume “tinha um plano oculto quando comparou o monoteísmo e o politeísmo, esperando simplesmente solapar o primeiro ou colocá-lo contra o último<a title="" style="mso-footnote-id: ftn9" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>”. Importante notar que nas últimas seções da História Natural Hume faz uma separação entre a crença religiosa e a moralidade, defendendo que o ateísmo é moralmente preferível ao teísmo. Diz-nos o filósofo que “a conduta virtuosa não é mais que aquilo que devemos à sociedade ou a nós mesmo<a title="" style="mso-footnote-id: ftn10" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>”. Nesta frase não são poucas as inferências que qualquer leitor pode extrair. O próprio Hume, sempre tão cuidadoso e discreto em seus pareceres, não poderia ter sido tão sutil e ao mesmo tempo tão claro.<br />Após a publicação da História natural, três resenhas de revistas literárias da época se destacaram. A “Monthly Review” começa elogiando Hume, mas diz que o filósofo prejudica a autoridade da religião, na medida em que faz alusões indiretas e falsas insinuações “que somente enchem a mente com as desconfortáveis flutuações do ceticismo, e a melancolia da infidelidade<a title="" style="mso-footnote-id: ftn11" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>”, conforme citado por Fisier. Entretanto, a resenha é concluída em termos mais amenos acerca de Hume, quando diz que a obra<br /><br />“está cheia de reflexões inteligentes, e observações justas, sobre a natureza humana: misturadas com uma grande parcela daquele espírito cético que é tão evidente em todas as suas obras, e com algumas insinuações, habilmente ocultas, contra a religião cristã”.<br /><br />A segunda resenha, desta feita uma publicação da “Critical Review”, uma espécie de concorrente da anterior, é mais áspera em seu julgamento a respeito do pensamento do nosso filósofo na obra sob referência. Diz a publicação que a obra foi “escrita com um grande grau de prudente circunspecção”, mas que no fundo “revela suficientemente aquela divergência cética das opiniões aceitas”. E conclui o resenhista com uma advertência, dizendo que “autores de reconhecida e distinta habilidade como o Sr. Hume, devem sempre ser lidos com atenção e cuidado, em especial sobre assuntos dessa natureza, porque onde existe um poder para agradar e persuadir existe também um poder para enganar e seduzir”. Vejamos a conclusão da resenha, conforme cita Fieser<a title="" style="mso-footnote-id: ftn12" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>:<br /><br />“...não nos deparamos com aquela inovação, ou força de argumento que esperamos de um autor de tão distinta capacidade. Nem podemos na realidade perceber [...]para que fim ou propósito esta dissertação foi escrita. Um defeito da parte do autor na organização de suas noções, e como falta de método e coerência é também visível do começo ao fim, ocasionado talvez por alguma castração do original.”<br /><br />Por fim, uma terceira resenha, publicada numa revista de curta duração, a “Literary Magazine”, também apresenta as suas acerbas críticas sobre a obra. Esta publicação dá conta de que Hume, não sem propriedade, apresenta na obra poucas posições relevantes, ou nenhuma, as quais são encontradas em outros escritos sobre o tema. Para este resenhista, as explicações psicológicas de Hume acerca das religiões são expostas numa perspectiva apenas provável, todavia diz que os talentos de Hume podem sim ser empregados a serviço da religião.<br />Outras críticas se sucederam às três resenhas linhas acima mencionadas, dão conta de que o alvo comum a todas era a tese de Hume, segundo a qual o politeísmo teria sido a religião original dos homens. Alguns críticos o acusavam de ir além dos limites da liberdade de expressão. Outros o atacavam em face de sua afirmação segundo a qual “os antigos eram demasiado ingênuos para desenvolver um conceito de monoteísmo a partir do desígnio natural”, para utilizar as palavras de Fieser. Voltaire também contesta Hume, posicionando-se em situação totalmente inversa, ou seja, para este pensador as pessoas “começaram adorando apenas um Deus, e que depois a fraqueza humana adotou vários outros”. De acordo com Fieser, Voltaire não identifica diretamente Hume como seu alvo, mas começa mencionando “outro sábio, muito mais filósofo, que é um dos metafísicos mais profundos dos nossos dias, de fortes razões para provar que o politeísmo foi a primeira religião dos homens<a title="" style="mso-footnote-id: ftn13" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>”.<br />Muitos outros críticos somam-se aos anteriormente citados, conforme diz James Fieser. Caleb Fleming “critica a afirmação de Hume de que a religião é fundada em princípios da imaginação, como opostos a provas racionais de um único criador<a title="" style="mso-footnote-id: ftn14" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>”. Este crítico conclui que Hume desmascarou de forma admirável a superstição. Outro crítico, James Chelsum, acusa Hume de ser um declarado “defensor da razoabilidade e mesmo da probabilidade dos sistemas da antiga mitologia pagã”. Mas, segundo James Fieser, é William Warburton<a title="" style="mso-footnote-id: ftn15" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>, um dos principais teólogos da época e também um dos mais perspicazes e diretos críticos do filósofo. Destaque-se que a obra Renarks constitui-se na crítica mais ácida à História natural da Religião.<br />Hume faz referência a Warburton em sua autobiografia, salientando que a recepção à História natural da religião foi tão medíocre que, mesmo ante toda a arrogância de seu detrator, ainda assim sentia algum consolo. Entretanto, Fieser não concorda que a História natural tenha tido uma repercussão tão inexpressiva, como achava Hume, considerando as três resenhas que apareceram em apenas dois meses.<br /><br />C) Conclusão<br /><br />Por fim, passadas as reações do século XVIII à obra do pensador escocês, no século seguinte, dadas as transformações do pensamento científico e filosófico no que concerne à religião, as reações à obra de Hume também mudaram, e os novos leitores lançaram-lhe novos olhares, novas leituras foram feitas, e suas obras passaram a ser mais valorizadas. A História se encarregou de coroar quem de fato fez jus aos louros da vitória. E se volvermos nosso olhar para o passado, é inegável que David Hume teve um projeção incomparavelmente superior a William Warburton.<br />Na História natural da religião, em verdade Hume trata da gênese e das causas que dão origem ao fenômeno da origem da crença religiosa; trata igualmente das suas conseqüências sobre a vida e a conduta dos cidadãos e também das variações cíclicas entre o politeísmo e o monoteísmo. Foi Hume um dos primeiros pensadores a examinar a crença religiosa como um manifestação da própria natureza humana, como ficou explicitado nas primeiras linhas deste trabalho, e não como uma pressuposição na existência de Deus. Para Hume, enfim, a experiência religiosa é ditada pelas paixões. E é o desconhecido que gera nas mentes humanas o medo do futuro. São as situações de medo que, inegavelmente, levam as pessoas à condição de exacerbada superstição.<br />As convicções de Hume, bem como seus argumentos sobre sua tese segundo a qual o politeísmo foi a religião primitiva dos homens, são fortes, consistentes de forte poder de convencimento do leitor. Em seu livro Obras sobre religião<a title="" style="mso-footnote-id: ftn16" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>, Hume afirma que “se consideramos os avanços da sociedade desde as suas rudes origens a um estado de maior perfeição, o politeísmo e a idolatria foram, e não poderiam ter deixado de ser, a primeira e mais antiga religião da humanidade.” E completa dizendo que quanto mais recuamos no passado, mais vemos a humanidade imersa no politeísmo e na idolatria. E vai mais além argumentando que<br />“parece ser impossível que o teísmo tivesse podido ser a primeira religião da raça humana, e que depois, devido à sua corrupção, tivesse originado o politeísmo e todas as várias superstições do mundo pagão. Quando é óbvia, a razão impede essas corrupções; quando é abstrusa, mantém os princípios completamente afastados do conhecimento do vulgo, que é o único responsável pela corrupção de qualquer princípio ou opinião<a title="" style="mso-footnote-id: ftn17" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a>.”<br /><br />O homem primitivo era um caçador e coletor de alimentos para a sua subsistência. E os resultados de sua empresa viriam, não raro, de forma adversa ao que ele esperava. Ou seja, poderia lhe ser favorável, ou não. O medo constante das intempéries pairava sobre aquelas cabeças primitivas como uma nuvem de desespero que cerceava suas expectativas de prazer e satisfação de suas necessidades básicas. Desta forma, esses selvagens viviam receosos de fazer alguma coisa que pudesse contribuir para que as coisas dessem errado. Era natural naqueles homens saber que um longo período de bonança poderia ser sucedido por outro período de calamidades, como enchentes, secas, terremotos, etc. e foi nesse cenário de insegurança e pavor que as formas primitivas de religião começaram sua evolução.<br /><br />OBRAS CONSULTADAS<br /><br />1. HUME, David. História da religião natural. Tradução, apresentação e notas de Jaimir Conte. – São Paulo: Editora UNESP, 2005.<br />2. HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. Tradução de José Oscar de Almeida Marques ; Prefácio de Michael Wriglei. – São Paulo : Martins Fontes, 1992. – (Clássicos).<br />3. MURCHO, Desidério. Resenha a Diálogos sobre a Religião Natural e Obras sobre Religião. Disponível em: <a href="http://criticanarede.com/html/rel_dialogos.html">http://criticanarede.com/html/rel_dialogos.html</a> - Acesso em 19 ago 2009.<br />4. FIESER, James. História natural da religião, de David Hume, introdução do Editor. Disponível em: <a href="http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser4.pdf">http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser4.pdf</a> . Acesso em: 20 nov. 2009.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Sergipe.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Pensamentos diversos escritos a um doutor da Sorbonne por ocasião do cometa que apareceu no mês de dezembro de 1680.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> James Fieser é professor de filosofia da Universidade do Tenessee.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> FIESER, James. História natural da religião, de David Hume, introdução do Editor. Disponível em: <a href="http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser4.pdf">http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser4.pdf</a> . Acesso em: 20 nov. 2009.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn5" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Professor de Lógica e Metafísica do Departamento de Filosofia da Universidade de Ouro Preto/MG.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn6" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> MURCHO, Desidério. Diálogos sobre a Religião Natural e Obras sobre Religião. Disponível em <a href="http://criticanarede.com/html/rel_dialogos.html">http://criticanarede.com/html/rel_dialogos.html</a> - Acesso em 19 ago 2009.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn7" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Cf. matéria citada, p. 6.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn8" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Cf. matéria citada, p. 8.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn9" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Idem, p. 9.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn10" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> HUME, David. História natural da religião, p. 118.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn11" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Idem , p. 10.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn12" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Cf. matéria citada, p. 10.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn13" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Cf. matéria citada, p. 11.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn14" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Idem, p. 12<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn15" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> Nascido em Newark, Inglaterra, e morre em 1779.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn16" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> Tradução de Pedro Galvão, retirado de Obras sobre a Religião Natural, de David Hume – Lisboa: Gulbenkian, 2005. Disponível em: <a href="http://criticanarede.com/html/rel_hume2.html">http://criticanarede.com/html/rel_hume2.html</a> , Acesso em 19 nov 2009.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn17" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=2539326116344272512#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Idem.<br /><br />PARA ENTENDER O ARGUMENTO DO DESÍGNIO<br />1. Deus<br />Se Deus existe, há um propósito para a vida humana, e podemos até ter esperança de vida eterna. Se não, é preciso criar por nós mesmos algum sentido para nossa vida.<br />O ponto de partida para boa parte da filosofia da religião é uma doutrina mais geral sobre a natureza de Deus conhecida como teísmo. É o ponto de vista segundo o qual existe um Deus onipotente, onisciente e benevolente. Em geral, é a visão sustentada por cristãos, judeus e mulçumanos.<br />2. Argumento do Desígnio<br />É o mesmo que Argumento Teleológico, que afirma que, se olharmos para o mundo natural à nossa volta, não poderemos deixar de notar como tudo nele se adéqua à função que executa: tudo traz a evidência de ter sido projetado para um fim. Trata-se de um argumento que obtém, a partir de um efeito, a causa. É um argumento por analogia: se duas coisas são semelhantes em alguns aspectos, muito provavelmente serão semelhantes em outros.<br />Existem fortes argumentos contra o Argumento do Desígnio, a maioria levantada pelo filósofo David Hume (1766-1776) em seus póstumos Diálogos sobre a religião natural e na Seção XI de seu livro Investigação sobre o entendimento humano.<br />3. Críticas ao Argumento do Desígnio<br />Uma objeção ao argumento é que ele se baseia em uma analogia fraga. A teoria de Charles Darwin fornece ao fenômeno uma explicação alternativa amplamente aceita. A teoria de Darwin enfraquece o Argumento do Desígnio. Ela impede o Argumento do Desígnio de ser uma prova conclusiva da existência de Deus.<br />4. Limitações à conclusão<br />Primeiro, o argumento é completamente incapaz de servir de apoio ao monoteísmo; segundo, não corrobora necessariamente o ponto de vista de que o projetista (ou projetistas) era(m) onipotente(s). Sozinho, o Argumento do Desígnio não pode provar a existência do Deus dos teístas, apenas a de algum tipo de deus inespecífico.<br />Finalmente, sobre benevolência e onisciência, é idéia comum que o mal que há no mundo atesta contra um deus com essas qualidades. Um Deus onisciente saberia que o mal existe; um Deus onipotente seria capaz de impedi-lo de ocorrer; e um Deus benevolente não ia desejar que ele existisse. Mas o mal existe.<br />FONTE:Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4712399645730590753.post-92086265882871510182010-01-02T00:06:00.003-03:002010-01-08T10:03:38.760-03:00Filosofia Política<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1pbThk-M5MrMxE77DfzwJSrWa-wBfgl-QLM6JjNcZKwSqygVp4UorZRCtH1itQ5xh05ThAy3dzbTSpBSz9IykY4TvWCKInDSpLsaewYN7ONfjUtfWHPQs-v3AEVr4AHwYskxWYp-vY5sy/s1600-h/montesquieu.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 186px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1pbThk-M5MrMxE77DfzwJSrWa-wBfgl-QLM6JjNcZKwSqygVp4UorZRCtH1itQ5xh05ThAy3dzbTSpBSz9IykY4TvWCKInDSpLsaewYN7ONfjUtfWHPQs-v3AEVr4AHwYskxWYp-vY5sy/s200/montesquieu.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424090119144154706" /></a><br />LOCKE E O CONCEITO DE TOLERÂNCIA<br /> Rinaldo de França Lima<a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a><br /><br />Resumo: Tem o presente ensaio monográfico o objetivo de analisar o conceito de tolerância em John Locke, a partir de sua obra Carta acerca da Tolerância, escrita entre 1685 e 1686, e publicada na Holanda em 1689. É uma obra em que Locke defende que a tolerância é também uma questão política e não apenas religiosa, como pensavam alguns teóricos de então. O método utilizado foi o da atenta leitura e exegese do documento.<br /><br />Palavras-chave: tolerância – poder – sociedade – magistrado – ateísmo.<br /><br />“Sendo, porém, os homens tão desonestos que a maioria prefere usufruir dos frutos do trabalho de outros homens, em lugar de trabalhar para se prover do necessário, segue-se que, para proteger suas posses, riqueza e propriedade, como ainda sua liberdade e vigor corporal, que são seus recursos para subsistirem, os homens são obrigados a entrar em sociedade uns com os outros, de modo que, por meio da assistência mútua e combinação de forças, cada homem possa assegurar-se da propriedade de coisas que são úteis à vida”.<br />John Locke. Carta acerca da tolerância, p. 21.<br /><br />A) Introdução<br /><br />A interpretação de textos ligados à Ética e a Filosofia Política pode ser mais bem trabalhada se tiver um vínculo mais estreito com a História. A Inglaterra setecentista, país de longa tradição política e religiosa, começa por vivenciar situação inusitada bem antes com Henrique VIII (1491-1547), que passa para a História como o rei da birra. Era de fundamental importância para este rei um segundo casamento em que a nova esposa pudesse lhe dar um filho varão. Como não conseguia um entendimento com a Igreja Católica para um eventual divórcio, ele funda a Igreja Anglicana, nacionalizando os bens da Igreja Católica, e por fim se casa com Ana Bolena (1501-1536), em busca de seu intento. Ana Bolena foi a segunda esposa de Henrique VIII e mãe da rainha Isabel I da Inglaterra. Seu casamento com Henrique VIII causou grande polêmica tanto do ponto de vista político como do ponto de vista religioso, tendo como conseqüência a criação da Igreja Anglicana, conforme dito acima. Importante notar que, mesmo após a nacionalização dos bens da Igreja Católica, os costumes e ritos católicos são mantidos. Obviamente, haverá grande resistência por parte dos católicos aos anglicanos. Afinal, não se muda de crença de um povo ou nação de um momento para outro.<br />Mas, que ligação pode haver entre Henrique VIII e John Locke, mais de cem anos depois? Em História nada acontece por acaso. A História, tal qual a natureza, também não dá saltos. Política e religião, quando pretendem disputar o poder acabam por causar mudanças não raro danosas para a história das sociedades. E é nessa esteira de acontecimentos históricos e, quase sempre inevitáveis, que surge o pensador inglês de Wrington, o qual passará para a história do pensamento ocidental como um dos maiores pilares da filosofia política.<br />John Locke (1632-1704), tido como o primeiro liberalista, ou seja, um dos fundadores da doutrina, percebe bem cedo que o atraso econômico da Inglaterra em relação à França está diretamente ligado às guerras de religião. Médico, filósofo e ideólogo do liberalismo, Locke é considerado o principal representante do empirismo britânico, juntamente com Berkeley e Hume, e um dos principais teóricos do contrato social.<br />Locke vai separar os poderes político e religioso, utilizando-se de vários argumentos. Ele também se utiliza amiúde de argumentos bíblicos, tentando convencer o leitor de que a intolerância religiosa é absurda e danosa.<br />A obra Carta sobre a Tolerância é escrita entre 1685 e 1686, e publicada na Holanda em 1689. Nesta obra, John Locke defende que a tolerância é também uma questão política e não apenas religiosa, como pensavam alguns teóricos de então.<br />De acordo com as conclusões de Santos<a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, “a Carta sobre a tolerância (...) começa com uma crítica: aquele que luta pelo poder, mas não tem caridade, brandura e boa vontade para com o outro, não pode ser considerado um cristão”. Ou seja, “a máxima cristã é não fazer ao outro o que não deve fazer consigo próprio”, passagem bíblica que Immanuel Kant mais tarde vai utilizar na forma do seu imperativo categórico mais conhecido.<br />Ainda de acordo com dos Santos<a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, o início da Carta tem como cerne um argumento bíblico de forte apelo emocional. Ou seja, aqueles que desejam a salvação têm que preocupar-se mais em erradicar seus próprios vícios do que “destruir seitas”. O segundo argumento de Locke é o de que sem a tolerância religiosa os homens não estarão de acordo com as Escrituras, e que ninguém tem o direito de perseguir seus semelhantes quando eles escolhem suas próprias seitas.<br /><br />B) A obra<br /><br />John Locke escreveu a Carta acerca da tolerância num momento histórico em que as perseguições religiosas não estavam apenas circunscritas às esferas católicas da contra-reforma, mas também aos protestantes ortodoxos, notadamente calvinistas puritanos. John Locke coloca na Carta como símbolo da verdadeira profissão de fé a tolerância religiosa. O filósofo apresenta, com argumentação bíblica, a incoerência existente entre aqueles que, prevalecendo-se do que chamam boa religião, de um lado perseguem aqueles que não professam o credo de sua preferência e por outro lado, fazem vista grossa para seus próprios vícios, forjando a salvação das almas dos outros, esquecendo-se das suas. Diante de tal situação, Locke aponta que a religião que se encontra assentada em aparências, não pode ser a mesma religião professada pelo Cristo, o que denota um reino que não é o de Deus, mas outro reino.<br />Locke considera a tolerância entre os cristãos como o primeiro sinal de uma verdadeira religião. Ele considera ainda que todos os conflitos e disputas religiosas são apenas estratégias de dominação do que intenções religiosas propriamente ditas. O verdadeiro papel da religião consiste em regular a vida dos homens de acordo com a caridade e a piedade, diz ele.<br />Nosso filósofo procura demarcar as fronteiras entre o poder político e o poder religioso. Cada um desses poderes tem a sua função específica. Ao poder político cabe a tarefa de procurar manter unida a comunidade civil, objetivando-lhe a preservação e melhoria dos bens dos seus cidadãos. A propósito dessa importante defesa dos bens dos cidadãos, vejamos o que diz Russel<a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> :<br />“A propriedade ocupa lugar preeminente na filosofia política de Locke, e é, segundo ele, a principal razão para a instituição do governo civil: A grande e principal finalidade da união de homens em comunidades, e de se colocarem sob um governo, é a preservação de sua propriedade, para o que, no estado de natureza, faltam muitas coisas.”.<br />Este é o Estado básico para Locke, que denomina de bens civis não apenas os bens materiais, mas principalmente a vida, a liberdade, a saúde e a liberação da dor. Em poucas palavras, Locke quer dizer que todo o poder do governo civil diz respeito apenas aos bens civis dos homens, e que nada tem a ver com o outro mundo.<br />O governante tem a obrigação de fornecer aos seus governados os bens e valores acima, mas, em contrapartida, cabe aos governados obedecerem às leis emanadas do poder público. Caso contrário, o Estado reveste-se do legítimo poder de usar a força necessária para restabelecer a ordem. Todavia, Locke deixa bem explícito que os poderes do Estado devem se restringir unicamente à esfera civil e, em hipótese alguma tal poder deve estender-se à salvação das almas. Mas, pode o Estado intervir quando houver tentativa de tumulto à ordem pública por parte do poder religioso, situação em que o Estado pode usar sua força coercitiva.<br />Entretanto, ter o poder civil nas mãos não implica em haver desumanidade. O Estado deve e pode utilizar-se de seus argumentos persuasivos em busca de manter a paz social. Ou seja, pode valer-se do recurso do esclarecimento como argumento persuasivo, todavia o castigo corporal jamais deve servir como meio de convencimento.<br />Locke defende a liberdade total de escolha de religião, argumentando que ninguém nasce com uma religião, nem herda de seus antepassados. E que qualquer um, não encontrando na religião em que se encontra as razões de que precisa para professá-la, tem o direito de abandoná-la e filiar-se a outra religião.<br />A seguir, Locke passa a discutir em que consiste o poder religioso e a que leis está sujeito. Ele vai estabelecer uma analogia com o poder público e suas leis, argumentando que nenhuma sociedade, seja ela qual for, política, religiosa, até tribal - penso eu - , não se mantém se não tiver leis: se estiver completamente sem leis se dissolverá imediatamente e morrerá. Todavia, esta união, no que tange às religiões, terá que ser espontânea, e livre de qualquer força coercitiva, argumentando Locke que o direito de formular as leis não cabe a ninguém em particular, mas àquela sociedade constituída.<br />Locke está sempre se valendo de argumentos bíblicos para continuar expondo que cada um tem o livre direito de escolher seu credo religioso. Diz ele que desde o princípio houve muitas discordâncias entre os que afirmavam que Cristo havia estabelecido que outros o sucederiam indefinidamente, o que nos reforça o direito de poder escolher nossa própria religião.<br />No que tange às leis e castigos aos membros da sociedade que se desviarem dos caminhos previstos pela congregação, Locke diz que não pode haver castigos para membros de uma sociedade que se funda sobre bases livres. O máximo a que se pode chegar é às admoestações e conselhos, como conseqüência das confissões desses crentes. Mas, se mesmo assim, não houver recuperação moral, simplesmente corta-se o vínculo entre o corpo, no caso a Igreja, e o indivíduo tido como irrecuperável.<br />A seguir, Locke vai tratar dos deveres de cada um no que tange à tolerância. Nesta questão, Locke permanece firme em suas convicções do que sejam as atribuições do poder do magistrado e do que sejam as do poder religioso, delimitando com rigor cada um desses domínios. Começa dizendo que nenhuma igreja está obrigada a manter em sua comunidade um elemento que não queira seguir suas determinações. A pena máxima que lhe caberia aplicar seria a excomunhão. Ainda assim, tal castigo não pode ser acompanhado pela expropriação de seus bens, sendo a posse destes garantida pelo Estado. Podemos perceber nitidamente que Locke supervaloriza o homem, o que vai ter enorme influência nas constituições de países democráticos, a exemplo dos Estados Unidos da América onde o pensamento de Locke está estampado inclusive com citações suas.<br />Locke defende que o dever de tolerância dos clérigos deve restringir-se unicamente aos domínios da Igreja, não lhes cabendo qualquer interferência em outras áreas da sociedade civil, visto que “a própria Igreja está totalmente apartada e diversificada da comunidade e dos negócios civis”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn5" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.<br />Neste ponto, Locke utiliza-se de duas palavras que norteiam seu pensamento acerca da tolerância: coerção e persuasão. No primeiro caso, afigura-se uma situação de constrangimento em que se quer forçar alguém a seguir determinado credo; no segundo caso, a situação inverte-se: o magistrado utiliza-se do seu poder de persuasão, possibilitando que os homens possam chegar a situações de equilíbrio e harmonia, de forma que todos possam conviver em paz.<br />Em que pese o grande teórico do liberalismo defender a tolerância entre todos os credos religiosos, ele faz restrição aos ateus em sua Carta. Entretanto, Locke é coerente em seus argumentos, apresentando quatro situações em que a intolerância é plenamente justificada, conforme abordagem feita por Antônio Carlos dos Santos<a title="" style="mso-footnote-id: ftn6" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>:<br />“...a primeira, quando uma doutrina religiosa se torna incompatível com o bem comum ou ameaça a sociedade; a segunda, quando certa seita, contrária ao direito civil, se autodenomina responsável pelos rumos da sociedade política, destituindo as legítimas autoridades; a terceira, quando não se permite a interferência de qualquer magistrado nos assuntos religiosos; a quarta e última, é a que trata da firme oposição aos ateus.”<br />Voltaremos ao assunto mais adiante.<br />Após discorrer sobre o dever de tolerância dos que se distinguem do resto dos homens, Locke vai abordar os deveres do magistrado com respeito à tolerância, que a seu ver são deveras importantes. Locke começa por dizer que não será por meio de castigos que o magistrado deve convencer, mas por meio da caridade, que consiste em “ensinar, admoestar e persuadir”, mas o cuidado com a salvação de uma alma cabe tão somente a cada crente e não ao magistrado.<br />Ao se perguntar de que modo alguém pode ter segurança sobre os meios para se chegar ao céu, Locke responde que nem o magistrado nem o leigo sabe mais do que o outro, ou melhor, que nenhum dos dois sabe. Diz ele que “o único e estreito caminho que conduz ao céu não é mais bem conhecido pelo magistrado do que pelos indivíduos”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn7" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.<br />Locke, ao longo de todo o texto, está sempre enfatizando suas posições no que concerne à separação entre o poder civil e o poder religioso. Mesmo levando em conta que pode haver influência das convicções religiosas do magistrado sobre seus súditos, ainda que tal influência represente o lado mais sensato, ainda assim Locke continua defendendo a total liberdade do súdito de efetuar sua escolha religiosa unicamente de acordo com sua própria vontade. Como ele mesmo diz, mesmo que seja judiciosa a opinião do magistrado, “ainda assim quem não estiver profundamente convencido disso em seu próprio espírito não será salvo<a title="" style="mso-footnote-id: ftn8" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>”. E completa: “nenhum caminho no qual entra contra a sua própria consciência jamais o levará para a mansão dos abençoados<a title="" style="mso-footnote-id: ftn9" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>”<br />Nosso filósofo defende a tolerância por parte do magistrado sobre a religião de forma incondicional, argumentando que essas pessoas se reúnem em assembléias com o único propósito de salvar suas almas, não representando ameaça alguma ao poder civil. De sorte que essas devem ser deixadas em paz com o culto que bem lhe aprouver. Para ele, todas as igrejas buscam a mesma coisa e não deve haver nenhuma intolerância a respeito.<br />Para melhor compreensão sobre a questão da tolerância, Locke vai abordar dois aspectos fundamentais. O primeiro é a forma externa e os ritos; o segundo, as doutrinas e os artigos de fé. Assim, diz ele: “A única função da igreja consiste na salvação das almas, e não afeta de modo algum a comunidade, nem qualquer membro dela, se esta cerimônia ou aquela é praticada<a title="" style="mso-footnote-id: ftn10" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>”. O que Locke, provavelmente, está querendo dizer é nada mais nada menos do que: “Dê-lhes a liberdade de escolher sua religião e deixe-os lá no seu cantinho, que não farão mal algum”. Ou seja, apenas precisam ser tolerados.<br />Retomando a questão atinente às doutrinas e os artigos de fé, Locke vai colocar que em determinadas situações, nas quais um ritual venha a contrariar o que a lei estabelece, o magistrado poderá intervir, não permitindo tais transgressões. Cita como exemplo uma situação em que se queira fazer sacrifício de vidas humanas, de crianças, por exemplo. Diz ele, “como tais coisas não são legais na privança do lar, ou na vida social, não o são igualmente no culto ou numa reunião religiosa<a title="" style="mso-footnote-id: ftn11" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.”<br />Dando seguimento ao raciocínio acima, o filósofo nos diz que o poder civil se assemelha em toda parte, e a religião de cada príncipe é ortodoxa para si mesma. E mais adiante repete o que vem dizendo ao longo da Carta, que ninguém deve ser despojado de seus bens terrenos por motivo religioso.<br />Neste ponto da Carta, Locke procura narrar a origem do cristianismo no seu estado mais puro. Exemplifica através de uma situação em que um povo (cristão) procura guarida numa nação pagã. Esse povo sofrido tem suas necessidades básicas de alimentação e moradia atendidas. Mas, nem sempre tudo vai continuar de forma tão pura e desinteressada. A princípio, sim. Porem, a junção desses dois povos, pagãos e cristãos, cria forte ligação e sua doutrina se propaga rapidamente por todo o império (romano).<br />Aos poucos, os cristãos crescem em número, criam força política, e o príncipe, para atender aos seus interesses pessoais, acaba por se converter à nova religião. Aos poucos, as leis desses povos pagãos que acolheram os cristãos primitivos, são revogadas dando lugar às leis do sistema que agora exerce a supremacia do poder. E o que se segue é a expropriação das propriedades e costumes desses pagãos. O que Locke quer mostrar é que o zelo da igreja, combinado com os interesses do Estado não é em nada compatível com o bem estar social de um povo.<br />Na condição de filósofo contratualista que é, Locke estabelece uma linha de nítida demarcação entre as coisas da vida terrena e as coisas da vida eterna. Diz ele, em outras palavras, que cada uma deve cuidar da parte que lhe cabe, não havendo lugar para intromissão na área da outra. Uma não pode se misturar com a outra. Os homens, para Locke, tendem a não ser bons, mas egoístas e, visando seus próprios interesses, valem-se do expediente de apropriar-se do que não lhes pertencem, em vez de procurar ter seus bens pelo seu próprio esforço. Diz o filósofo que<br />“para proteger suas posses, riqueza e propriedades, como ainda sua liberdade e vigor corporal, que são seus recursos para subsistirem, os homens são obrigados a entrar em sociedade uns com os outros, de modo que, por meio da assistência e combinação de forças, cada homem possa assegurar-se da propriedade das coisas que são úteis à vida.”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn12" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a><br />Eis, em resumo, a tese contratualista do filósofo inglês.<br />É importante enfatizar a diferença entre o contrato social na concepção de Hobbes e na de Locke. Hobbes acreditava que um contrato tácito existia entre o governante e os cidadãos em busca de um esforço, por quaisquer meios necessários, de impedir a civilização de voltar ao seu estado natural, ao qual Hobbes acreditava ser a anarquia selvagem. Locke, por seu turno, acreditava que o contrato existia para o bem maior da sociedade e para manter os direitos de todos os indivíduos.<br />Entretanto, Locke não defende uma tolerância total, mas limitada. No que tange à boa ordem da sociedade, garantida pelo Estado por meio do acordo tácito entre as duas partes – sociedade e Estado -, Locke vai defender que não será tolerado pelo Estado quaisquer manifestações que possam subverter e ordem e os bons costumes da sociedade, podendo o Estado, nestes casos, intervir energicamente e usar mesmo a força, se preciso for. Diz Locke que “não devem ser toleradas pelo magistrado quaisquer doutrinas incompatíveis com a sociedade humana e contrárias aos bons costumes que são necessários para preservação da sociedade civil<a title="" style="mso-footnote-id: ftn13" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>”.<br />O ponto seguinte, objeto da exclusão da tolerância em Locke, é aquele que se apresenta de forma velada, ou seja, numa situação em que, como diz o próprio Locke, “os homens se atribuem a si mesmos, e aos de sua própria seita, certa prerrogativa peculiar, contrária ao direito civil, mas disfarçada por palavras capciosas designadas a deitar poeira nos olhos das pessoas<a title="" style="mso-footnote-id: ftn14" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>.” Dito de outra forma, aquelas seitas que se valem de estratégias escusas que visam deixar seus seguidores mergulhados na ilusão, como se estivessem com os olhos vendados e impossibilitados de enxergarem a verdade, não merecem qualquer tolerância por parte de Locke. Sobre esse ponto, assim escreve Locke: “a estes, digo, não cabe qualquer direito a ser tolerados pelo magistrado, nem tampouco aqueles que recusam ensinar que os dissidentes de sua própria religião devem ser tolerados<a title="" style="mso-footnote-id: ftn15" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>”. Em poucas palavras, Locke quer dizer que toda e qualquer religião que seja contrária ao direito civil deve ser combatida. Nenhuma seita pode ser contrária ao direito dos cidadãos. E jogar poeira nos olhos das pessoas para que elas não possam enxergar, nem pensar, para Locke é inadmissível.<br />O terceiro ponto discutido é conseqüência do anteriormente tratado. Ou seja, a essa igreja não cabe ser tolerada, uma vez que todos os súditos que dela fazem parte, acabam se tornando membros ou súditos de outro príncipe, constituindo-se, assim, numa espécie de poder paralelo, o que não condiz com as regras do bom viver em sociedade. Neste item da discussão, Locke destaca dois pontos importantes: (i) não admite que leis estrangeiras possam interferir nos assuntos internos de um povo; (ii) são as religiões diferenciadas em si mesmas. Uma religião, por mais estruturada que seja, não pode querer ou exigir de seus súditos obediência, passando por cima das leis inerentes à cultura local. Ou seja, uma pessoa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. A religião tem valores. E as pessoas acreditam nesses valores por elas escolhidos e que por vezes se chocam. Locke diz que cada um tem que ter a sua religião.<br />Para encerrar o quarto e último limite acerca da tolerância, Locke vai excluir os que negam a existência de Deus. Aqui Locke é radical e implacável com os ateus, dizendo que estes não devem ser de modo algum tolerados. Ressalto que Locke viveu numa época em que a Igreja exercia um papel de importância capital na vida de todas as pessoas, e acreditar em Deus significava a solidez das relações em sociedade. Ao contrário, tudo perderia a consistência e, em conseqüência, tendia a se fragmentar, a se dissolver. Sequer era admissível a supressão de Deus até no pensamento.<br />Locke exclui, como já dito, os ateus da tolerância de forma radical. A questão central de Locke é o que é ser ateu numa época de tanto rigor religioso. Era um perigo para a sociedade ter em seu seio um ateu. Para Locke, o ateísmo estava atrelado à libertinagem. Em conseqüência, o ateu era marginalizado, estigmatizado, visto que era uma pessoa que não seguia regras. E, se tendo regras pré-estabelecidas os homens naturalmente já tendiam a transgredi-las, sem regras seria o caos. Como o ateu não era um homem de cumprir pactos, não deveria ser tolerado.<br />Entretanto, Locke não condena o ateu no contexto do século XVII, mesmo representando ameaça à sociedade. Ele apenas quer dizer que o ateu, por não seguir as leis sociais, promove distúrbios, tornando-se um libertino. A idéia desse ateu libertino, como o próprio vocábulo sugere, é libertar-se de uma série de coisas, inclusive de Deus.<br /><br />C) Conclusão<br /><br />Ao final da Carta, Locke vai defender a total liberdade de culto entre todas as religiões. O que Locke quer defender é que “tudo o que a lei permite na vida diária deve ser permitido a qualquer igreja no culto divino”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn16" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a> Entretanto, tal liberdade de ação não inclui assembléias ou reuniões onde são tratadas ações que visem prejudicar as pessoas. Em tais situações, “deve ser punido da mesma maneira como se tivesse sido pregado na praça do mercado”.<a title="" style="mso-footnote-id: ftn17" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a><br />Conforme foi dito linhas acima, Locke escreva a Carta acerca da tolerância no último quartel do século XVII, e o que não podemos perder de vista é que sua análise no que concerne aos motivos que geram conflitos religiosos estiveram tão atuais como o são nos dias de hoje. E mais, o próprio Locke prognosticara que assim seria no futuro. “Possivelmente”, diz ele. Mas, poderíamos dizer que ele poderia ter suprimido o “possivelmente” lá mesmo nos setecentos.<br />Diz o filósofo que deveríamos buscar as causas em outras searas do que simplesmente atribuí-las à religião. Para ele, “não é a diversidade de opiniões (...), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que se tem manifestado no mundo cristão por causa da religião”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn18" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn18" name="_ftnref18">[18]</a>.<br />Na verdade, Locke está colocando que todas as guerras religiosas se dão com um propósito de dominação imperialista, para usar um termo mais moderno. Ou seja, os governantes se utilizam da religião como pano de fundo para galgar o poder secular. E para alcançar seus fins, “o povo, que é sempre supersticioso e, portanto, cabeça vazia”<a title="" style="mso-footnote-id: ftn19" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftn19" name="_ftnref19">[19]</a>, é a matéria prima que encontram com maior facilidade ao seu alcance.<br />Seguindo o raciocínio lockeano, esses líderes, “em oposição às leis do Evangelho e aos preceitos da caridade”, deliberam que os “cismáticos e hereges devem ser despojados de suas posses e destruídos, confundindo (...) duas coisas completamente diferentes: a Igreja e a comunidade (p. 28).” Se voltarmos nosso olhar para trás, não precisamos recuar muito. Basta que voltemos nossa atenção para a tentativa de dominação imperialista que os Estados Unidos da América procuram impor na região do Golfo Pérsico, notadamente no Iraque, onde a ocupação americana ainda se mantém. Os hereges, para esses imperialistas, são os homens, mulheres, velhos e crianças, sacrificados diariamente em nome de Deus. Para Locke, tudo poderia ser evitado se cada um deles “se confinasse dentro de suas fronteiras – um cuidando apenas do bem-estar material da comunidade, outro da salvação das almas – possivelmente não haveria entre eles nenhuma discórdia (p. 27).”<br />Para concluir, Locke condena os termos pejorativos, hereges e cismáticos, e a todos os que se opõem ao status quo religioso em todas as suas formas. Seu argumento é o de que existe uma acentuada relatividade nas religiões, e qualquer ato que venha discriminar ou ferir outrem a partir das opiniões religiosas, fere todos os princípios das Escrituras Sagradas, por afigurar-se como desumano, visto que em nada afeta o direito civil. E conclui dizendo que a intolerância que daí surge carrega consigo intenções que não são as verdadeiras intenções de uma religião pura, cristã enfim.<br /><br />BIBLIOGRAFIA<br /><br />LOCKE, John (1632-1704). Carta acerca da tolerância. Tradução de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. – 2. Ed. – São Paulo : Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores), pg. 152-177.<br />RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Tradução de Brenno Silveira. – Companhia Editoria Nacional. – São Paulo – 1968.<br />SANTOS, Antônio Carlos dos. Os filósofos : clássicos da filosofia. – v. I, de Sócrates a Rousseau / Rossano Pecoraro (org). Petrópolis, RJ : Vozes : Rio de Janeiro : PUC-Rio, 2008.<br /><br /><br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Graduando na UFS em Filosofia, sexto período.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SANTOS, Antônio Carlos dos. Locke. In: Os Filósofos: Clássicos da Filosofia, de Sócrates a Rousseau. Org. Rossano Pecocaro, Petrópolis, RJ, Vozes, Rio de Janeiro, PUC-Rio, 2008, p. 269).<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Idem, p. 270.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> RUSSEL, Bertrand. A filosofia política de Locke. In: História da Filosofia Ocidental. Trad. Brenno Silveira, 3 ed., Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1968.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn5" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. Trad. De Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro, 2. Ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. 10) (Os Pensadores).<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn6" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Cf. op. Citada, p. 271.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn7" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Cf. op. Cit. P. 13.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn8" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Idem, p. 14.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn9" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Ibidem, p. 14.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn10" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Cf. op. Citada, p. 15.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn11" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Idem, p. 17<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn12" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Cf. op. Citada, p. 21.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn13" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Cf. op. Citada, p. 22.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn14" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Idem, p. 23.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn15" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> Ibidem, p. 23.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn16" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> Cf. op. Citada, p, 26.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn17" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Idem, p. 26.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn18" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref18" name="_ftn18">[18]</a> Ibidem, p. 27.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn19" href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4712399645730590753&postID=9208626588287151018#_ftnref19" name="_ftn19">[19]</a> Cf. op. Citada, p. 27.<br /><br />GLOBALIZAÇÃO: AS CONSEQUÊNCIAS HUMANAS<br />Autor: Zigmunt Bauman<br />Resumo: Rinaldo de França Lima<br /><br />Na obra, o autor trabalha variados enfoques dado ao tema globalização. O que para alguns representa um objetivo a ser alcançado, para outros representa uma tendência, tendência esta responsável por todos os males da humanidade. Todavia, independente de qualquer corrente de pensamento, todos concordam que a globalização é um processo inevitável e irreversível. O objetivo da discussão que o livro levanta é trazer à luz os fenômenos provocados pela globalização, como por exemplo, o espaço e o tempo, a noção do que é local e do que é global. O autor procura entender as tensões existentes em um contexto pós-moderno e a partir dele, sugere alternativas para se rever as concepções do mundo atual. Já no primeiro capítulo, ele nos chama à reflexão sobre a construção das grandes corporações e sua localização no tempo e no espaço e o conflito gerado pela falta da presença física dos investidores, os verdadeiros donos das empresas. Segue-se que os empregados não têm voz ativa na tomada de decisões, ou seja, todas as deliberações são tomadas pelos investidores ausentes, para os quais o que está em jogo é o acúmulo de capital, em detrimento do trabalhador, que é explorado em sua mão-de-obra. Assim, quando os investidores sentem que em determinado local onde estão, o faturamento não está correndo bem, mudam facilmente de local deixando os desempregados com a tarefa de “lamber as feridas”, para usar a expressão de Bauman.<br />No novo contexto mundial, a mobilidade tornou-se a ordem do dia, ou seja, um dos pontos mais cobiçados pelos donos do poder. Não existem mais atitudes de pressão ao capital, uma vez que a empresa perdeu seu vínculo com o local e, assim, tornou-se imune à pressão dos trabalhadores. Podemos entender melhor a situação quando imaginarmos como eram os movimentos grevistas num passado bem próximo e como são atualmente. Os sindicatos perderam força e o que podemos ver são greves que não raro acabam trazendo somente prejuízos aos trabalhadores. A assim, o capital procura lugares “mais pacíficos” quando ameaçado em seus objetivos. Nessas circunstâncias, as distâncias perderam sua importância, o que alguns estudiosos do assunto assumem como o fim da geografia em termos de espaço. As fronteiras desaparecem.<br />Para o autor, esse encurtamento das distâncias é um efeito da velocidade com que as informações viajam, e também dos meios de comunicação. Ele assinala que, com um crescente desenvolvimento de novas tecnologias, em vez de diminuir os espaços das diferenças sociais, acaba por causar um efeito contrário, ou seja, polariza a sociedade: os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres (como bem dizia um passageiro sucesso da música popular recente: “o de cima sobre e o de baixo desce”). Para os que estão no topo, a liberdade total de locomoção, para os outros resta apenas ficar observando, impotentes. Neste ponto, Bauman refere-se à necessidade que o ser humano tem de estabelecer padrões de comparação e medidas, de limites e de fronteiras, trazendo à luz a discussão da estrutura proposta pelos homens em padronizar os espaços geográficos e a partir deles construir um espaço homogêneo em que possa produzir e viver. Em outras palavras, o homem tem como característica seguir os caminhos da uniformidade, criando cidades com estruturas parecidas, aos olhos dele ideais para os padrões arquitetônicos vigentes. Outra canção popular falava em “galos, noites e quintais”, coisas que não se vêem mais. Inimaginável pensar nossas grandes cidades por este ângulo. Pessoas nas calçadas, conversando, trocando idéias, sendo felizes. Como bem retratou o quadro uma canção brasileira de 1969, parida através do gênio de Garoto, Vinicius de Morais e Chico Buarque de Holanda, que de forma melancólica e ao mesmo tempo poética assim descrevem uma cena tipicamente brasileira:<br />“São casas simples<br />Com cadeiras nas calçadas<br />E na fachada<br />Escrito em cima que é um lar<br />Pela varanda<br />Flores tristes e baldias<br />Como a alegria que não tem onde encostar<br />E aí me dá uma tristeza<br />No meu peito<br />Feito um despeito<br />De eu não ter como lutar<br />E eu que não creio<br />Peço a Deus por minha gente<br />É gente humilde <br />Que vontade de chorar”<br />Ressalta o autor que a cidade, antes criada para preservar seus habitantes dos invasores, agora serve para proteger o cidadão do seu “inimigo interior”. Os altos muros de pedra não estão mais para proteger as cidades, mas para isolar o homem que agora se protege dentro de sua casa. E o mais curioso é que nos dias atuais as pessoas se “encastelam” atrás de seus altos muros compactos e sem frestas e acreditam que assim procedendo estão simplesmente seguindo tendências da moda. A partir dessa nova organização social, o Estado ganha um novo sentido de visão, ao olhar de Bauman. <br />No terceiro capítulo, ele vai tratar da mudança e da nova perspectiva do Estado, estabelecendo uma nova relação com a economia, como conseqüência da velocidade dos novos acontecimentos. As empresas, em face da mudança de localidade, acabam pressionando o Estado, situação em que podem demitir pessoas em qualquer localidade sem prejuízo econômico, deixando para o Estado resolver as conseqüências nefastas deixadas como herança. Devido a esta situação, Bauman coloca que o Estado vem sofrendo um definhamento, sobrevindo uma forte tendência à eliminação do Estado-Nação, o que leva o autor a chamar o fato de uma nova desordem mundial. Para ele, <br />“a nova desordem mundial (...) não pode ser explicada meramente pela circunstância que constitui a razão mais óbvia e imediata da sensação de pasmo e perplexidade. (...) A imagem da desordem global reflete, antes, a nova consciência (...) da natureza essencialmente elementar e contingente das coisas que anteriormente pareciam tão firmemente controladas ou pelo menos, tecnicamente controláveis (BAUMAN, 1999, p. 65). <br />Em resumo, para o autor a globalização nada mais é do que o processo de desordem da economia e das relações sociais. Ela, a globalização, diz respeito a todos e leva a resultados inesperados. Não há como planejar os caminhos a serem seguidos. <br />Desta forma, Bauman vê a morte da soberania do Estado, o qual tem de abrir mão do seu controle para atender aos interesses da nova ordem, ou desordem, mundial. Nesse contexto, ao Estado restará a tarefa de manter os interessas das grandes corporações. E estas grandes empresas dispõem de toda a liberdade para executarem manobras econômicas que deixam o Estado impotente, ou seja, na condição de mero expectador do processo. A ordem do dia é atrair os investidores. O Estado treme só de pensar na fuga dos capitais para além de suas fronteiras. Na verdade, a promessa de que o livre comércio e o desenvolvimento econômico representariam uma diminuição das desigualdades sociais não passa de mera conversa para boi dormir. O que se constata, de fato, é um aumento cada vez mais evidente da riqueza dos ricos contra um aumento cada vez maior das necessidades dos pobres. Infelizmente, o que constatamos é um mundo econômico, tecnológico e científico extremamente desigual e excludente. Este novo mundo proposto é o mundo da fome, da pobreza e da miséria absoluta onde, segundo Bauman “800 milhões de pessoas estão em condições de subnutridas e 4 bilhões de pessoas vivendo na miséria”. Para o autor, a pobreza leva o homem ao processo de degradação social que nega as condições mínimas de dignidade da vida humana. O autor trabalha a idéia de como a queda do Muro de Berlim veio acelerar o processo da mundialização da economia. Segundo ele, <br />“com o Grande Cisma fora do caminho, o mundo não parece mais uma totalidade e, sim, um campo de forças dispersas e díspares, que se reúnem em pontos difíceis de prever e ganham impulso sem que ninguém saiba realmente como pará-las (BAUMAN, 1999, p. 66). Logo em seguida, completa: “... “Não há mais uma localidade com arrogância bastante para falar em nome da humanidade como um todo ou para ser ouvida e obedecida pela humanidade ao se pronunciar” (BAUMAN, 1999, p. 66). <br />Aqui o autor define o processo de globalização como um fenômeno “de caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo”. <br />No capítulo final, o autor cuida das questões sobre a lei global e a ordem local. Aqui ele nos transmite a idéia de que todos os processos mundiais têm as mesmas peculiaridades. Dito de outra forma, os métodos que todos os governos utilizam sobre os problemas locais levam aos mesmos objetivos, uma vez que todos aplicam as leis que garantem a classe média as condições mínimas, penalizando com leis severas as classes menos favorecidas. Mesmo que o Estado a cada dia venha perdendo força, como dito acima, para Bauman ele ainda se utiliza de mecanismos que minimizam alguns setores sociais, mas em contrapartida este mesmo Estado cria condições muito mais favoráveis para o mercado financeiro e para os investidores.<br />Há os leitores que criticam o autor, acusando-o de dar voltas para por fim resumir pensamentos em uma frase. Não concordo com esses leitores. A meu ver, Bauman é muito feliz em sua obra pela sua retórica, o que faz do seu trabalho um relato dramático e ao mesmo tempo poético de uma realidade que domina toda a humanidade. O que seria das teorias e das teses sociais se não houvesse textos tão contundentes e ao mesmo tempo belos como o a seguir? <br />“Os primeiros viajam à vontade, divertem-se bastante viajando (particularmente se vão de primeira classe ou em avião particular), são adulados e seduzidos a viajar, sendo sempre recebidos com sorrisos e de braços abertos. Os segundos viajam às escondidas, muitas vezes ilegalmente, às vezes pagando por uma terceira classe superlotada num fedorento navio sem condições de navegar mais do que outros pagam pelos luxos dourados de uma classe executiva – e ainda por cima são olhados com desaprovação, quando não presos e deportados ao chegar” (BAUMAN, 1999, p. 98).<br />Para ilustrar o acima exposto, recentemente houve um incidente (quinta-feira 6 de março de 2008), em que a Polícia Federal brasileira impediu a entrada de sete espanhóis que tentavam desembarcar no aeroporto internacional de Salvador, numa contrapartida à ação similar praticada em Madrid, no dia anterior, onde dois jovens mestrandos, Pedro Luiz Lima e Patrícia Rangel, ambos do Instituto Universitários de Pesquisas do Rio (IUPERJ), foram retidos e obrigados a retornar ao Brasil depois de passarem por constrangimentos.<br />Por fim, o livro traz como proposta uma reflexão teórica sobre as conseqüências do processo de globalização da economia mundial para a humanidade. Chama a atenção para pontos de fundamental importância como, por exemplo, a cada momento vemos situações de aumento de pobreza, redução das condições mínimas de sobrevivência. Na medida em que as grandes potências econômicas crescem cada vez mais, com esse crescimento vem a exploração que é própria do seu modelo desvinculado do local, tendo, na visão do autor, um alicerce para a manutenção da ordem global com a conseqüente precarização da vida humana no planeta Terra.<br /><br /><br />BIBLIOGRAFIA<br /><br />BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1999.Kalós Kai Agathóshttp://www.blogger.com/profile/00095202814713628378noreply@blogger.com0